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domingo, 18 de janeiro de 2015

Há dez anos... relógio Cidade de Beja, um lançamento Museu do Relógio


Há dez anos era lançado pelo Museu do Relógio o modelo Cidade de Beja. Na altura, escrevemos isto para a revista Internacional Horas & Relógios:

Edição especial Museu do Relógio

Relógio com mostrador de 24 horas, Cidade de Beja

Fernando Correia de Oliveira

Acaba de chegar ao mercado mais uma edição especial – trata-se de um relógio com movimento automático, calendário, fundo em vidro de safira e mostrador de 24 horas, como os chamados relógios militares. Tem ainda a função de leitura dos 24 fusos horários, mediante acerto com uma segunda coroa, à esquerda. A iniciativa é do Museu do Relógio, sediado em Serpa, e que desde 1999, com um modelo de bolso, o Alentejo, se iniciou na edição de relógios com a sua chancela. Depois, foi editando regularmente peças com a marca Museu. Desta vez, a peça foi baptizada Cidade de Serpa e é limitada a 48 exemplares. Custa 220 euros. Esta e outras informações podem ser consultadas num novo site do museu, www.museudorelogio.com. ,mais atractivo, simples e de confortável navegação. Segundo pensamos, este Serpa trata-se do primeiro relógio de pulso com mostrador de 24 horas editado especialmente para o mercado português. Às tradicionais doze horas ficam antes as vinte e quatro e o ponteiro das horas dá apenas uma volta por dia ao mostrador, em vez das habituais duas. As seis horas ficam às três, às seis as doze e às nove as dezoito. Só com algum treino a vista, habituada a uma leitura analógica (tempo no espaço) tradicional, se habituará a ver as horas neste Serpa de inspiração militar.

Relógios militares

O tempo, os instrumentos de medição do tempo e a arte da guerra sempre estiveram relacionados. Como costumava dizer Napoleão, “homens, podem sempre substituir-se, mas um minuto sequer, não”. O cabo-de-guerra corso referia-se constantemente à importância do tempo na estratégia militar, elevando a sincronização das acções de batalha à categoria de um dos elementos-chave para a vitória nas suas campanhas. Na verdade, desde que o chinês Sun Tsu escreveu o primeiro tratado de estratégia, A Arte da Guerra, 500 anos antes de Cristo, que a necessidade de coordenar os tempos de acção das tropas colocadas em diferentes áreas de um campo de batalha tem sido sublinhada como muito importante pelos teóricos militares.

Até ao aparecimento dos relógios mecânicos portáteis, por volta de 1500, as tácticas eram cronologicamente comandadas por relógios de sol ou clepsidras, como atestam documentos que nos chegaram até hoje das civilizações chinesa, persa, egípcia, azteca ou, mais próximo dos nossos dias, bizantina.

Napoleão era um amante de relógios e o seu tempo coincidiu com o daquele que é considerado como o maior relojoeiro de sempre, Abraham-Louis Breguet (1747-1823), cuja oficina o imperador visitava frequentemente, fascinado pelos belos mecanismos que, além de marcarem as horas com precisão, tinham outras funções.

É apenas na primeira década do século XX que a fabricação em série, aplicada à indústria relojoeira, permite fabricar relógios de bolso, primeiro, e relógios de pulso, depois, a preços acessíveis a quase todos. Com o desembarque de centenas de milhares de soldados norte-americanos no palco de guerra europeu, na I Guerra Mundial, assiste-se, por um lado, à massificação do uso do relógio de pulso do lado de cá do Atlântico, e por outro, ao uso generalizado deste como instrumento de coordenação nas acções militares – era mais prático de consultar, em ambiente de trincheiras, do que o relógio de bolso e estava acessível, pela primeira vez, desde o pulso do general ao do cabo, numa cadeia de comando finalmente isocrónica.

Desde cedo as manufacturas relojoeiras aceitaram encomendas especiais feitas pelos vários corpos dos exércitos – Waltham para as tropas americanas, Breitling para a força aérea britânica, Panerai para a marinha italiana, IWC para a marinha alemã, etc.

Mecanismos relojoeiros foram usados aos milhões nos sistemas de temporização de vários tipos de bombas usadas em terra, mar e ar – durante a II Guerra Mundial Portugal “importou” centenas de milhares de mecanismos de relógios suíços, que depois eram encaminhados para os dois lados beligerantes, fintando-se assim embargos.

É lendário um exemplo de precisão militar, ocorrido às 00h16 do Dia D – 6 de Junho de 1944 – quando um primeiro de três pilotos britânicos aterrou o seu planador a escassos metros da estratégica Ponte Pégaso, na Normandia. Exactamente às 00h17 aterrava o segundo, e às 00h18 em ponto o terceiro. Estes homens tinham navegado durante cerca de 8 quilómetros, à luz da lua, guiados apenas por cronógrafos e lanternas amarradas aos seus dedos, tendo aterrado precisamente onde a Resistência Francesa tinha indicado – os relógios, tanto em terra, mar ou ar, eram até à criação do sistema GPS, instrumentos de determinação da longitude e fiáveis instrumentos de navegação. Geralmente com caixas mais resistentes – ultra-resistentes, no caso de relógios de mergulho, com mostradores maiores e indicadores luminosos no escuro, com correias mais largas, para se poderem adaptar à perna de um piloto ou à manga de um fato de mergulho, com coroas e botões maiores para poderem ser manuseados com luvas, os relógios militares desde cedo ganharam uma estética muito própria, funcional.

Mas uma das principais características dos relógios militares é terem mostradores de 24 horas – o ponteiro das horas dá apenas uma volta cada dia, quando num relógio normal ele dá duas. O curioso é que os primeiros mostradores de relógios mecânicos, aparecidos na Europa no início do século XIV, nas torres das igrejas e dos burgos, tinham mostradores de 24 horas (e apenas um ponteiro, o das horas, dado que a inexactidão dos sistemas tornava supérfluo o dos minutos). Mas, entre 1400 e 1600, a moda dos mostradores de 12 horas generalizou-se na relojoaria monumental, passando depois para a relojoaria de coluna e desta para a de bolso e de pulso. Mas John Harrison, o genial carpinteiro inglês que, em meados do século XVIII, resolveu o problema da Longitude no mar, realizou os seus cronómetros de marinha com mostradores de 24 horas. Astrónomos e navegadores, bem como outros utilizadores profissionais de relógios sempre preferiram o mostrador de 24 horas. Em 1852, um relógio com mostrador de 24 horas foi instalado no exterior do real Observatório de Greenwich, Londres, dando pela primeira vez ao público o “tempo do mundo”, fazendo referência às horas praticadas nos 24 fusos horários do globo, um conceito que se estava a estrear e que iria levar à estandardização e universalização do tempo – as comunicações e os transportes assim o exigiam. Os caminhos-de-ferro de todo o mundo adoptaram de início mostradores de 24 horas para os relógios das suas estações.

No século XX, para além dos astrónomos e militares, outros grupos se mostraram entusiasmados com os mostradores de 24 horas – os rádio-amadores, por exemplo, preferiam saber sempre o “tempo do mundo” quando estavam a comunicar.

Do ponto de vista militar, mostradores analógicos de 24 horas continuam a ser o “standard”, bem como a designação do tempo, para que não haja confusões – “atacar o objectivo às 03h00” não é o mesmo que “atacar o objectivo às 15h00”, e torna-se desnecessário acrescentar o “ante meridiam – am” ou o “post meridiam – pm” de antes e depois do meio-dia. Além da vantagem de, num mostrador, se ter disponível de forma fácil o sistema de fusos horários do globo – basta haver uma coroa suplementar e um disco por ela movido, acertando-se no caso português o fuso pelo de Londres. Quanto à leitura das horas, um pouco de treino espacial e, ao fim de alguns dias, já se percebe onde são as 12h00, as 24h00, as 06h00 ou as 18h00, “novos” pontos cardeais deste quadrante.

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