Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

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terça-feira, 1 de abril de 2014

Meditações - o primeiro dia de Abril se veio a cantar, e tanger tão docemente...

ÉCLOGA PISCATÓRIA X

Ao nascimento do Duque D. Jorge de Lencastre.

Galapo, Alportuxo, Almilão

Galapo

Queres ouvir contar hum pescador
Pobre, que de marisco se sustenta,
E segund'o que dizem foi pastor ?

Não sei donde, nem como, ou que tormenta
O lançou nesta praia ha poucos dias :
Que nem sempre do norte o vento venta.

Naquellas solapadas penedias
Huma lapa buscou escusa, e escura,
Que não se deixa ver d'outras sombrias.

Dalli forçado sahe da fome pura
A buscar o salgado mantimento.
Duro de se arrancar da pedra dura.

Depois sobre hum penedo crespo, e lento
Ao som d'um arrabil que traz no seio,
As ondas faz parar, fugir o vento.

O primeiro de abril alli se veio
A cantar, e tanger tão docemente,
Que do mar Oceano fez Lethêo.

Mas tanto mais alegre, e mais contente,
Que logo quem ouvisse julgaria,
Que festejava algum gosto presente.

Alportuxo

Agora sabes tu, que foi o dia.
Em que fruito nos deu a primavera,
Fruito que só do Ceo cahir podia.
Do Ceo por cujo dom já se decera
Da sua opinião isenta, altiva,
Mais branda agora, mais que branda cera.
Mas ah ! livre Liana ! quão captiva
Te fez o justo amor daquelle teu,
A quem tu te mostrastes tão esquiva !
Agora tu não tua, elle não seu ;
Hum noutro si ; de dois hum só formado ;
Tal vos conserva Amor, qual elle o deu.

Galapo

Outros muitos sobre esse tem já dado,
Que tempo, nem fortuna, dura imiga
Poderão desatar •, perde o cuidado.
O bom será cantar huma cantiga,
Em louvor desta sesta, nesta praia.

Alportuxo

Começa tu, se queres que te siga.

Galapo

Esperemos hum pouco antes que caia
A sombra lá da Serra ; pôde ser
Que também Almilão da lapa saia.

Alportuxo

Eu tenho para mim que ouço tanger. .
. Deve de ser aquelle ? vê-lo vem :
Gomo se vem regando de prazer !

Almilão

Ouça-me quem quiser; veja-me quem
Folgar com bens de Lauro, e de Liana,
Que sempre dos seus bens contarei bem»

Que fica mais por ver na vida humana,
Que ver dois corações num convertidos,
De cuja flor tão doce fruto mana ?

Que fica por sentir a meus sentidos
Quando vestida vejo Magdalena
Dos seus, antes dos meus, pobres vestidos ?

Eu tomarei na mão hum dia a penna,
E nem remendo seu, nem graça sua
Ficarão por cantar, grande ou pequena.

Das fermosas estrellas, sol, e lua
As cores mostrarei em Violante ;
A dos olhos ao ceo se restitua.

Neíle pois passar quero mais avante
Convém que vá fazer o meu alforge ;
Para que mais cedo tanja, e melhor cante»

Amor tempere a fragoa, accenda, e forge
Com que festeje dia tão ditoso
Do novo Anjo do Ceo, ditoso Jorge.

Detenha-se no bosque saudoso
A verdura na planta, a flor no valle ;
Nasceu Jorge, nasceu todo fermoso.

Antes que desta praia hoje me abale,
A fera amansarei, o duro seixo
Ousarei abrandar, farei que falle.

Já não sei murmurar, já me não queixo ;
Queixe-se o rouxinol, murmure a fonte,
Ella de pedra em pedra, elle no freixo.

D'encarnado, e d'azul nosso orizonte
Se vista nesta festa, cujas cores calo :

que pôde ser que inda se afronte.
Fazei novas capellas, pescadores,
Nos salgados penedos, nas arêas,
A seu Príncipe já cobri de flores.

Galapo

Quaes Alciões na praia, ou quaes sereas
Igualar já se podem com teu canto
Em louvor desse Infante, que nomeas ?

Não sei, qual affeição te ensinou tanto:
(Mas como cuidarei que se affeiçoa
Quem não vejo medrar n'hum pobre manto?)

Almilão

Se tratas de interesse da pessoa
Pelas partes, que tem, não pela renda,
A tal opinião julgo por boa.

Comigo que não posso ter fazenda,
Que fazenda fará o néscio rico.
Que não pôde emendar, nem ter emenda ?

Cuidarás por ventura que me pico
Desse juizo teu, commum juizo,
Que (como dizem) traz agoa no bico?

Sabe que com ninguém contemporizo ;
Que apelo me não falta na amizade
Singela condição, brandura, aviso.

Alportuxo

Eu, pois cantar não sei da saudade
Antre taes dois cantores, calar quero ;
Por não cahir nas mãos da nescedade.

Mas isto só direi que não tempero,
Com quem destemperar-se quer comigo,
A' conta de cuidar que delle espero.

O que quiser que seja seu amigo.
Por ser tamanho meu, queira que seja ;
Não pelo seu, que come só comigo.

Galapo

Queres que o nosso canto sobresteja,
Emquanto vou buscar que cozinhemos ;
Que festa sem comer não se festeja ?

Pescado no batel pescado temos :
O fogo sahirá da pederneira :
A lenha pelo mato ajuntaremos.

De medronho, de esteva, e de aroeira
Farei curtos espetos aguçados,
Dos quaes rodearei toda a fogueira.

De ruivos, salmonetes, carregados
De vezugos, de choupas, de tainhas,
E com três sapateiros linguados.

Alportuxo

Ainda por cantar taes versos tinhas!
Eu ferirei o fogo, e trarei lenlia.

Galapo

Já sabemos de ti quão bem cozinhas.

Alportuxo

Não haja quem de nós se desavenha
De cantar, e tanger, e fazer festa.

Galapo

Por quem não festejar, má festa venha.
Veremos Almilão para que presta :
Sabei que se Almilão sahe ao terreiro,
Que ha de fazer alguém suar a testa.

Que d'arrabil, de frauta, e de pandeiro
Nunca ninguém lhe teve a barba tesa.
Viva Jorge mil annos, mil primeiro
Viva o Duque seu pai, viva a Duquesa !

Almilão

Vivam pais, e vivam filhos !
Outros destes, doutros mais
Vivam filhos, vivam pais !
Vivam como viver vejo
Com taes excessos d'amor,
Que nem menos, nem maior
Possa ser o seu desejo :
O gosto com que festejo
O seu não pôde ser mais :
Vivam filhos, vivam pais !

Galapo

Tal amor nelles se veja
Veja-se seu amor tal,
Tão conforme, e tão igual ;

Que nem mais nem menos seja.
A festa que se festeja
Convertida noutras mais
Festejem filhos, e pais.

Alportuxo

Ditosa foi sua estrella
A mesma d'ambos ditosa,
A quem não foi poderosa
Resistir todo Castella,
Nasceu Jorge delle, e delia.

Almilão

Elle fez quanto podia ;
Ella mais do que elle fez;
Pois se fez sua ; em que pês
A quantos na Corte havia
Igual ser poderia,
Firmeza em peitos reaes;
Mas no delia muito mais.

Galapo

Ella foi a conquistada,
Ella firme, ella constante,
Ella, a quem d'um só amante
Se quis deixar ser amada :
Em tudo foi estremada
Na firmeza muito mais :
Tal como ella poucas taes.

Alportuxo

Acabemos de dizer
Por remate, da Duquesa,
Que foi doutra natureza .
Dififrente da de mulher ;
E por isso devem ser
Seus louvores muitos mais :
Vivam filhos, vivam pais !

Frei Agostinho da Cruz

1 comentário:

João de Castro Nunes disse...

Houve sempre em Portugal
em qualquer modalidade
poetas de qualidade
para orgulho nacional!

JCN