Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

A daily stopover, where Time is written. A blog of Todo o Tempo do Mundo © / All a World on Time © universe. Apeadeiro onde o Tempo se escreve, diariamente. Um blog do universo Todo o Tempo do Mundo © All a World on Time ©)

domingo, 15 de dezembro de 2013

Meditações - A madrugada

A madrugada

Nada o meu destino seria sem ti,
Veio depois a guerra, vieram ruínas,
E todo esse tempo não soube de ti:
Nem uma palavra, nem uma notícia.

Passou tanto tempo, mas súbito agora
A tua voz volta, de novo me prende.
E o conhecimento de tudo, esta noite,
Retomo, à leitura do teu testamento.

Quero confundir-me na turba confusa,
Nesta matutina, vaga animação.
Sinto-me disposto nem sei a que fúrias
De arrastar o mundo de joelhos no chão!

Descendo as escadas, saio para a rua
E então descubro (triste descoberta)
Os passeios mortos, sob a neve, nus,
Todas as calçadas ainda desertas.

Mas a pouco e pouco tudo se levanta
Tudo se encaminha para os seus empregos.
E toda a cidade nuns breves instantes
Toma outro aspecto: nem a reconheço.

A nortada fria nas portadas tece
Com flocos cerrados verdadeiras redes.
Pra chegar a tempo cada um se apressa
Sem ter acabado sequer de comer.

Como se eu estivesse dentro dos seus corpos,
Tudo que eles sentem o sinto na pele.
Como a madrugada vou abrindo os olhos,
Vou-me dissolvendo como a própria neve.

Pessoas sem nome estão perto de mim,
Árvores, crianças, sedentários homens.
Foi por todos estes que eu fiquei vencido,
E foi esta apenas a minha vitória.

Boris Pasternak, in O Doutor Jivago, tradução de David Mourão-Ferreira

1 comentário:

João de Castro Nunes disse...









Presença em lar vazio

Mesmo que um muro se tivesse erguido
entre nós dois, amor, intransponível,
tu vens falar comigo e, se possível,
ao meu destino dar algum sentido.

Mesmo que de aço fosse construído
e por consequência indestrutível,
nunca ele, amor, teria conseguido
que tua voz não fosse perceptível.

Até dormindo te ouço e no meu sonho
tu me apareces, próxima e real,
sem quaisquer restrições, ao natural.

Milagre é porventura, ao que suponho,
por ser tão firme o amor que nos uniu
que nem sequer a morte o extinguiu!

João de Castro Nunes