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domingo, 22 de dezembro de 2013

Há dez anos - encontro histórico entre dois relojoeiros autodidactas: Germano Silva e Amândio José Ribeiro


Germano Silva e Amândio José Ribeiro, na oficina deste último, em Tabuaço (arquivo Fernando Correia de Oliveira - fotos cedidas pelo primeiro)

Do relojoeiro autodidacta Germano Silva já aqui falámos em diversas ocasiões (aqui, aqui, aqui, aqui ou aqui, nomeadamente). O açoriano há muito estabelecido nos Estados Unidos, numa das suas visitas a Portugal, há dez anos, foi até Tabuaço, propositadamente para conhecer Amândio José Ribeiro e o seu Rijomax, um relógio muito especial, a que já aqui também fizemos referência. Um encontro histórico, de dois portugueses que, sem terem estudado relojoaria, produziram das peças mais curiosas do século XX relojoeiro nacional.


Aproveitamos a efeméride do encontro para transcrever os trechos em História do Tempo em Portugal e em Relógios e Relojoeiros - Quem É Quem no Tempo em Portugal onde nos referimos às duas personagens. Além disso, transcrevemos uma crónica do escritor Rentes de Carvalho, que um dia passou por Tabuaço e descreveu o encontro com o autor do Rijomax.

Amândio José Ribeiro

Amândio José Ribeiro, estabelecido com banca de relojoeiro em Tabuaço, foi notícia de jornais e televisões quando, em 2002, se soube que iria vender o seu Rijomax, “o relógio mais completo do mundo”, à Câmara local. (129) Nascido em 1912, este inventor de 90 anos terá começado aos sete a achar piada às pequenas rodas e outras peças, “quando comecei a trabalhar com um relojoeiro em Trancoso”, diz ele a quem o vai procurando. “Não entendia nada de relógios, mas os meus companheiros de brincadeira achavam que eu sabia, e entregavam-me máquinas avariadas para arranjar. Estraguei mais do que compus, mas lá se ia dando um jeito”.



O relógio desde logo se torna objecto de paixão e, com ela, o desejo de criar um que fosse diferente de todos os outros. “Um relógio que assinalasse a posição do Sol, mas muito mais”.

Segundo os seus cálculos, gastou 16 mil horas, desde 1945 até 1973 às voltas do “seu” relógio. Era tudo em segredo, “nem a minha mulher sabia”.

“Comprei livros, aprendi tudo por mim. Foram muitas horas sem dormir, a dar voltas à cabeça, porque teimei que existia um erro na hora normal”, explica.

Realmente, o tempo sideral não coincide com o tempo do calendário. Por outras palavras, o Sol não leva exactamente 365 dias a dar uma volta aparente à Terra. O calendário gregoriano, como já vimos, tenta corrigir esta discrepância com a introdução do ano bissexto, de 366 dias, de quatro em quatro anos. Assim, a discrepância é mínima, mas Amândio José Ribeiro achava que o “seu” relógio teria que ser perfeito e fazer os acertos ainda mais acurados.

Nasceu o Rijomax, acrónimo do seu nome. O relógio tem mostradores que indicam os movimentos aparentes do Sol e da Lua, fazendo acertos do tempo sideral em ciclos de 6272 anos, a começar em 1900 d.C. Além disso, o relógio marca segundos, minutos, 24 horas, hora universal, hora solar, hora legal, assinala anos bissextos, suprimindo automaticamente 24 horas de 128 em 128 anos. “E conta a Era até um milhão de anos sucessivos”, acrescenta, orgulhoso do seu conjunto monumental, com mais de 16 mil algarismos e letras indicativos.

Tudo isto tem vindo a ser contado aos curiosos que visitam o seu estabelecimento, em Tabuaço. Uma história contada na primeira pessoa, gravada numa fita, “porque já a contei tantas vezes que, achei melhor fazer uma gravação. É também mais engraçado, parece que é o Rijomax que a conta”. A versão também pode ser levada para casa, em folhetos.

Continuando a descrever o Rijomax, Amândio José Ribeiro, diz que ele “marca o nascer e o pôr-do-sol, a horas regulares e com luz fornecida por corrente eléctrica, crescem e decrescem os dias, marca o dia e a noite com escala diária de quantas horas e minutos tem o dia e a noite. Marca os Equinócios, os Solstícios e as fases da Lua com luz que recebe do dito Sol”.

Este Rijomax, com a patente número 12931, como se apressa a frisar o inventor, é um calendário perpétuo: “Marca os anos bissextos e comuns; 30, 60, 90, 120, 150 e 180 dias da data; as semanas e os dias da semana; os meses, os dias dos meses e quantos faltam para o fim do mês; os anos, os dias dos anos e quantos faltam para o fim do ano; as estações e os dias das estações; os signos e os dias dos signos; os semestres, os trimestres e a indicação em que dia da semana começa cada mês, e outra se o ano for bissexto; as datas das fases da Lua e a mudança de tempo. Tem ainda indicação dos números do Ciclo Solar, do Áureo Número, da Epacta, letra Dominical, as eras cronológicas, os dias da era de Cristo, os séculos. Possui calendários para se saber o dia da semana de qualquer data, desde o dia 01 de Janeiro do Ano I da era de Cristo até ao presente e futuros”.

Dá para perder o fôlego. Mas esta loucura feérica, que torna o mestre do Tabuaço numa espécie de Gaudi dos relógios, este Rijomax ainda “marca os feriados, os dias dos Santos e as Festas móveis, tem barómetro, termómetro e mostrador dos pontos cardeais. Desperta por música à escolha, por campainha, e acende a luz a toda a hora desejada. Fala, dizendo quantas horas são e dá uma saudação em vocabulário religioso, e tem ainda um aparelho para chamar o dono da casa”.

Mestre Ribeiro diz que tem sido visitado ao longo dos anos por “gente das Universidades, que vai pondo à prova o funcionamento disto tudo, e ainda não acharam nenhuma falha”.

O Rijomax irá agora sair do estabelecimento de Amândio José Ribeiro, pois já é propriedade da Câmara de Tabuaço. Ficará no Museu local. “Não queria vender, tive sempre muitas ofertas mas… Tenho pena, porque vai ficar para ali e ninguém vai olhar por ele. Vai acabar por morrer”, desabafa. Não deverá ser, na verdade, fácil, acertar este Rijomax.

Germano Silva

Continuando a falar de portugueses autodidactas, especialmente dotados para as artes da relojoaria, citamos agora o caso de um, a residir na Califórnia, que faz peças únicas, monumentais.

O entusiasmo com que Germano Silva fala da sua última obra não engana – é maior a paixão do que qualquer preocupação de negócio e só a muito custo ele se separará dela.


“Como este, não há relógio nenhum no mundo”, garante-nos, entre o emocionado e o orgulhoso. E é fácil acreditar – completamente idealizado e montado por este açoriano nascido em 1936 na Vila do Topo, São Jorge, o relógio assenta numa esplendorosa base em mogno os seus 270 quilos e 2,6 metros de altura. Com 135 rodas dentadas, levou oito anos a fazer.


Com quatro faces, o relógio apresenta um calendário completo e quatro mostradores, cada um podendo ser acertado para um tempo local.

Depois, há outros 12 relógios interligados, com os respectivos mostradores, cada um podendo ser acertado para outros tantos fusos horários. As peças, reluzentes, foram decoradas à mão por este relojoeiro autodidacta que está a viver nos Estados Unidos há 36 anos. Encimando o conjunto, que de duas em duas horas recebe corda de um motor eléctrico, uma águia de metal, que dá uma volta completa de hora a hora.

“Só em material, estão aqui 15 mil dólares. Tive que comprar máquinas no valor de 100 mil dólares propositadamente para o fazer”, explica-nos. A principal actividade de Germano Silva é a de joalheiro, entretém-se nas horas vagas a fazer relógios deste género. “Já me ofereceram 200 mil dólares por ele, era para ir para a Índia, mas eu não aceitei”. Germano tem apenas a 4ª classe portuguesa. “Não há escola de relojoaria nos Estados Unidos. Quando vim para cá, trabalhei com um tio meu, o João Inácio, que era relojoeiro. Foi ele que me ensinou os primeiros passos no desenho e cálculo mecânico, e até em joalharia. Em 1967, fui montar com ele um relógio de torre em San Diego. Depois, ele fez e montou, com a minha ajuda, mais uns tantos no México”. Germano será o último da família a dedicar-se à relojoaria, já que o filho, engenheiro de sistemas, não está aparentemente nada interessado em dedicar-se ao “hobby” do pai. “Está tudo a desaparecer aos poucos, trabalho com um velhinho de 85 anos, que continua a fazer-me as rodas dentadas, mas quando ele morrer não há mais ninguém que saiba fazer isso”, diz Germano Silva.

Quanto à sua actividade na joalharia, “trabalhei durante onze anos para um judeu, que me pagou formação numa escola de Los Angeles. Agora, só faço peças por encomenda”.

Projectos? Continuar a fazer relógios, cada vez mais complicados. Agora, em ouro. E ir fazendo as suas férias, repartidas pelos Açores e pelo Minho, de que gosta especialmente.

RIBEIRO, Amândio José
Relojoeiro reparador, natural do Tabuaço onde nasceu em 1912, falecendo em 2002. Aprendeu a arte em Trancoso, vindo a estabelecer-se no Tabuaço com relojoaria. Apaixonado pelos relógios, determinou-se, em certa ocasião, a fabricar um que fosse diferente de todos os outros. De 1945 a 1973 dedicou todo o tempo que pode a construir o seu “Rijomax”. Usando duas máquinas Morez de caixa alta, introduziu centenas de informações sobre o tempo, desde o segundo até ao movimento da lua, as marés, as eras e mais um sem número de funções e informações. Trabalhou 16 mil horas, Registou o Rijomax, como calendário perpétuo, com a patente nº 12931. O relógio foi adquirido pela Câmara de Tabuaço e pode visitar-se no museu da terra.

SILVA, Germano
Relojoeiro autodidacta, aprendeu a arte da relojoaria com um tio, João Inácio (ver). Dedica-se à construção de peças únicas, monumentais. Nascido em 1936 na Vila do Topo, S. Jorge, Açores foi residir para a Califórnia, Estados Unidos, onde trabalha em relojoaria e joalharia. Aprendeu a arte com o tio, João Inácio Brasil (ver). Tem construído relógios de torre, nomeadamente para o México. A sua paixão é a construção de relógios complicados. Um deles tem 270 quilos, 2,6 metros de altura, 135 rodas dentadas, quatro faces, tem calendário completo e quatro mostradores. Levou 8 anos a fazer.


O RIJOMAX

J. Rentes de Carvalho

Aos sete anos tentou fazer o seu primeiro relógio. Com rodas de madeira. Aos doze foi trabalhar numa relojoaria. Em 1933, com vinte e um, estabeleceu-se em Tabuaço, vila alcandorada nos montes da margem sul do Douro, quase defronte do Pinhão. A partir desse momento tornou-se-lhe obsessivo construir um relógio diferente. E conseguiu-o.

Durante trinta anos reservou todo o seu tempo livre para o RIJOMAX. Nas palavras do folheto que ele oferece a quem o visita, 'O relógio mais completo do mundo - Uma obra misteriosa - Patente nr. 12931.'


Foto J. Rentes de Carvalho

Com os seus dois metros e pouco de alto e cerca de um metro de largo, o RIJOMAX à primeira vista não se impõe. E mau grado a grande quantidade de ponteiros, mostradores, mais de 16.000 algarismos e letras, não parece um relógio sério. Talvez porque o construtor o tenha enfeitado com o seu próprio retrato, brilhantes e rubis falsos, poemas, provérrbios, imagens, luzes que piscam e um sem-fim de atributos. Isso é a aparência, e a gente sem querer ri-se. Quando o senhor Ribeiro começa a explicar, a gente cala-se.

O RIJOMAX está programado para funcionar durante 10 mil séculos em ciclos de 6272 anos. Corrige as diferenças existentes entre os vários calendários antigos e modernos. Ao fim de 128 anos suprime automaticamente o dia resultante do acréscimo de 45 minutos em cada ano bissexto. Contabiliza a diferença diária entre o tempo solar e o tempo do calendário, de forma que ao suprimir 1 dia em cada 128 anos, registará adicionalmente 29 minutos e 37 segundos.

Passados 6272 anos terá suprimido 49 dias, mas a adição da diferença atrás mencionada será já de 24 h 11 minutos e 13 segundos, razão porque o mês de Fevereiro do ano 8172 será de 27 dias. O RIJOMAX marca também os equinócios, os solstí­cios, as fases da lua. Tem uma luz que se acende e apaga diariamente no momento exacto em que o sol nasce e se põe. Claro que mostra as horas, minutos, segundos, meses e anos da era cristã (estes últimos assinalados por um velho conta-quilómetros).

Possui calendários para se saber o dia da semana de qualquer data, 'desde 1 de Janeiro do ano 1 da era cristã, até ao presente e futuros.' Um dos seus ponteiros move-se de 100 em 100 anos para assinalar a passagem do século, enquanto as oscilações de outro duram meio segundo. Regista o ciclo solar e lunar, o da a letra dominical, a epacta.

- Sabe o que é a epacta? - perguntou-me o senhor Ribeiro. Confessei que ignorava. Ele sorriu, explicou e disse que quase ninguém sabia.

Na face posterior o RIJOMAX possui mostradores com os calendários de Juliano e Júlio César, de Nabucodonosor, das Olimpí­adas, De Abraão, Moisés, Salomão e da história de Portugal. Tudo a girar com misteriosas sincronias. Calcula e faz muitas coisas mais: umas estranhamente complexas, outras comezinhas, como dar 'a horas certas uma saudaçãoo em vocabulário religioso.'

Cumprimentei o senhor Ribeiro por demonstrar tanto engenho, tendo apenas a instrução primária. Ele agradeceu, sorriu, quis saber onde eu vivia. À palavra Holanda exultou. É que, explicou, ele próprio nunca tinha compreendido donde lhe viera a ciência para fazer um aparelho daqueles. Mas tempos atrás tinham entrado na loja dois desconhecidos, e um deles, assim sem mais nem menos, anunciou que o senhor Ribeiro não fizera o relógio sozinho: emprestara as mãos e dera o trabalho, isso sim, mas a ciência e os cálculos eram dum matemático holandês que nele tinha reincarnado e que em certas noites se vê a passear diante da igreja da praça, ali em frente.

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