Estação Cronográfica tem andado por estes dias por Genebra, antes de seguir para outras paragens helvéticas. E aproveitou a ocasião para revisitar o Museu Patek Philippe, o quinto local mais visitado da cidade.
A Patek Philippe, fundada em 1839, é propriedade da família Stern há quatro gerações, desde 1932. Os Stern, que eram produtores de mostradores para a manufactura, acabaram por a adquirir. Família genebrina por excelência, os Stern começaram a coleccionar há cerca de meio século tudo o que diz respeito à cidade, tendo actualmente a maior colecção do mundo não apenas de relógios, mas também de quadros ou de livros relacionados com Genebra.
O museu, inaugurado em 2001, é o mais importante do seu género no mundo. O acervo inclui uma biblioteca com 8 mil obras relacionadas com a relojoaria e artes afins.
O museu é composto por quatro pisos. No rés-do-chão está um auditório e uma área dedicada aos métiers d'art usados na relojoaria. No primeiro andar, encontra-se a colecção de relógios Patek Philippe (1839-1989). No segundo andar, a chamada Colecção Antiga (1500-1850). E, no terceiro andar, estão os arquivos e a Biblioteca. No primeiro andar, uma oficina de relojoaria, com um relojoeiro "residente", que vai trabalhando ao vivo as peças que lhe chegam - antigas ou modernas.
Mas, desta vez, propomos-lhe uma visita mais pormenorizada ao segundo andar e alguns apontamentos sobre a Colecção Antiga.
Do relógio de torre, surgido no início do século XIII, até ao relógio portátil, decorreram 300 anos. O segundo andar do Museu Patek Philippe reúne cerca de 700
relógios dos mais significativos do património genebrino, suíço e europeu, que
ilustram o desenvolvimento do relógio de parede, de mesa, de bolso e de pulso
desde o seu aparecimento, cerca de 1500, até ao século XIX.
O quadro fica mais completo, se a isso juntarmos objectos
com ou sem relógios: nécessaires de viagem, tabaqueiras, vinaigrettes, frascos
de perfume, caixas com autómatos, de música e com pássaros cantores,
cinzelados, gravados ou decorados a esmalte, bem como algumas pêndulas e uma magnífica
colecção de uma centena de retratos em miniatura – pintados sobretudo sobre
esmalte – pelos maiores mestres desta arte.
O ourives francês Jean Toutin (1578-1644), originário de Châteaudun, perto de Blois, é tido como o primeiro pintor sobre esmalte. Baseando-se na milenar técnica de esmaltagem, o novo processo permite decorar objectos preciosos, como relógios, através de uma policromia delicada que entusiasma os amadores com posses através da Europa, a começar pelos influentes membros da família real de França, que residem então em Blois. Rapidamente adoptado em Paris, Londres, Viena, Nuremberga, Augsburgo e Estocolmo, o processo permite uma iconografia completamente nova, reflexo do barroco nascente.
No final do século XVII, o reino de França perde a maior parte dos seus talentosos miniaturistas sobre esmalte. Adeptos da Reforma na sua maior parte, são alvo de perseguições e procuram refúgio nas cidades protestantes. É assim que a dinastia do Huaud, depois as dos Mussard e dos André transformam Genebra, a cidade de Calvino, num centro de pintura sobre esmalte.
No século XVIII, os miniaturistas, viajantes cosmopolitas ou sedentários ligados à instituição genebrina da Fabrique, asseguram a Genebra uma reputação mundial.
Os mercadores alemães que frequentam as Feiras de Genebra tomam aí contacto com as ideias do reformador Martinho Lutero (1483 – 1546), às quais a tipografia recém-descoberta assegura uma larga difusão. Depois da adopção da Reforma (1536), Genebra apela a Jean Calvino (1509-1564) para que este lidere a obra reformadora e acolhe, em vagas sucessivas, refugiados religiosos, perseguidos nos seus respectivos países, a França e a Itália.
Na Genebra calvinista, hostil a todas as formas de ostentação, os Ordenações Sumptuárias das autoridades vão privar a ourivesaria tradicional das suas bases económicas e obrigam-na a virar-se para o fabrico de objectos mais utilitários, nomeadamente o fabrico de relógios. Os artesãos genebrinos beneficiam então das competências dos huguenotes, adeptos da Reforma que fugiram de França, e graças aos quais a cidade lemânica conhece um progresso considerável nos domínios aparentados da relojoaria, ourivesaria e pintura em miniatura sobre esmalte.
Com a suavização das Ordenações Sumptuárias, a relojoaria genebrina orienta-se para a exportação e começa a produzir relógios destinados tanto às regiões católicas como muçulmanas.
A indicação das marés nos principais portos das Províncias Unidas (Holanda)
Resumindo de forma magistral os trabalhos dos seus predecessores, Isaac Newuton (1642-1727) elabora em Inglaterra um sistema em matéria de mecânica teórica que acaba por se impor aos adeptos dos métodos de inspiração alquímica. Em 1687, ele publica os seus Philosophiae naturalis principa mathematica, uma súmula imbuída de espírito científico, que procura promover as Luzes.
Este movimento filosófico opõe a experiência e a razão ao obscurantismo e propõe uma abordagem científica do mundo. Lutando contra a superstição, o filósofo e escritor francês François Marie Arouet (1694-1778), dito Voltaire, prega a tolerância, enquanto Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), seu homólogo genebrino, opõe ao culto da razão o direito da alma sensível e a felicidade natural.
Esta nova sensibilidade influencia a relojoaria. Os artesãos genebrinos – muitos deles agora instalados em Paris ou Londres – distinguem-se pela quantidade de invenções e aperfeiçoamentos surpreendentes (autómatos de musica, pássaros cantores, etc.) bem como pelas técnicas novas (esmaltes flinqués, ouros paillonnés), que conferem a Genebra uma reputação inigualável.
Não haverá, porém, melhor maneira de terminar este vol de oiseau pelo Museu Patek Philippe do que descer de novo ao primeiro andar e apreciar mais uma vez o Calibre 89, o relógio portátil mais complicado do mundo, feito em 1989, para comemorar os 150 anos da manufactura. Saiba mais aqui.
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