Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Memória - a problemática da falsificação*

Um Rolex falso não mata, mas…

O problema está a atingir proporções epidémicas e as organizações mundiais de comércio e de propriedade industrial advertem que se trata de uma questão de segurança para os Estados, e que não se confina às vítimas mais evidentes – as grandes marcas de luxo. As falsificações financiam o crime organizado e o terrorismo internacional mas, enquanto o consumidor não se consciencializar do problema, os “Lolex” vão continuar a andar no pulso de muito boa gente.

Com uma produção de falsificações praticamente representando o dobro dos relógios verdadeiros, as marcas de relojoaria enfrentam uma ameaça de envergadura.
Os falsificadores banalizam um produto que faz sonhar pela sua qualidade e pelo trabalho considerável que ele representa.

É muito difícil avaliar os lucros não realizados devido às falsificações: é evidente que quem compra um relógio por 100 euros na Ásia não hesita entre uma falsificação de um Cartier e o produto genuíno, que custa 10.000 euros. O verdadeiro prejuízo vem da perda de atractabilidade das marcas. Porque estas representam uma riqueza inestimável para as empresas relojoeiras. O valor das companhias assenta hoje essencialmente nos intangíveis e as marcas constituem para a indústria do luxo um capital essencial.

Mesmo os produtos de nicho, fabricados por marcas discretas e pouco conhecidas do grande público, como a Daniel Roth, do grupo Bvlgari, ou a Roger Dubuis, do português Carlos Dias, são alvo de falsificação.

Do conjunto anualmente analisado pela Federação Relojoeira suíça (FH), 90 por cento das falsificações são provenientes da Ásia, especialmente da China. As apreensões feitas a nível mundial também são maioritariamente de origem chinesa, cerca de metade do total, mas países como a Rússia, Ucrânia, Chile e Turquia estão a aparecer cada vez mais como fonte do problema. Milhões de relógios falsos são apreendidos todos os anos, mas a batalha parece perdida, dada a escassez de meios e a rapidez com que o crime organizado se adapta a vagas de repressão.
A qualidade das cópias tem melhorado substancialmente, encontrando-se já relógios falsificados com caixa em ouro verdadeiro. Estas cópias de boa qualidade fazem subir os preços. E quando os preços se aproximam dos praticados para os relógios verdadeiros, o comprador de uma contrafacção torna-se um cliente potencial perdido para pelo menos uma marca.

Há mesmo compradores através da Internet que julgam estar a comprar produtos genuínos, apenas com uma substancial redução de preço por estarem a adquirir a peça on-line, poupando as despesas inerentes a uma loja. Mas estão na maior parte das vezes a comprar falso. É essa fronteira cinzenta entre o verdadeiro e o falso que os vendedores de contrafacções exploram na rede. Muitas vezes, os falsificadores utilizam fotos de relógios verdadeiros para publicitarem a sua mercadoria.

A Rolex é a marca mais copiada no mundo – como produz cerca de meio milhão de relógios por ano, estima-se que as falsificações deverão rondar o milhão ou mesmo mais.

Já não é preciso ir de férias até à Tailândia ou à China para comprar um relógio falso. A Internet multiplicou os clientes potenciais dos produtos copiados. Ela garante um anonimato quase total e limita o risco para os compradores.

Segundo um estudo de uma agência helvética, a IC, especializada no mercado de relojoaria de luxo e no marketing on-line, ocorreram 20 milhões de buscas mundiais na Internet em 2006 respeitantes a relógios falsos.

Se procurar na Internet por Rolex falsos, terá pelo menos um milhão de referências e cerca de 4.000 endereços onde os pode encomendar. Desde cópias a 5 euros até mil euros – estas últimas com grande pormenor e com caixas em ouro maciço. É o mundo dos “Lolex”, “Foolex” ou “Fauxlex”, nome por que as réplicas são conhecidas no meio.

Os orçamentos alocados pelas marcas relojoeiras no combate à contrafacção não tem parado de crescer, mas serão entre 30 a 35 as mais atingidas – os segmentos de luxo e de moda. Cartier ou Gucci estão a seguir à Rolex entre as principais vítimas, mas a TAG-Heuer, a IWC, a Panerai ou a Breguet também se sentem especialmente atacadas.
A produção anual de relógios falsos é estimada em 40 milhões de unidades, segundo os números da FH. Esta produção paralela gera lucros avaliados em 500 milhões de euros. Em comparação, os relógios de marca verdadeiros representam 25 milhões de peças anuais.

Estima-se que um euro investido na contrafacção rende dez. Para os vendedores, o mercado da contrafacção é muito lucrativo e muito menos arriscado do que o das drogas. Isto porque em muitos países a prioridade está precisamente na luta contra o tráfico de droga, das armas ou dos medicamentos falsificados.

A indústria da contrafacção representa em geral entre 5 e 7 por cento do comércio mundial, gerando um volume de negócio calculado entre 250 e 350 mil milhões de euros, segundo dados da Câmara de Comércio Internacional.
Em relojoaria (e nos restantes sectores) há dois tipos de contrafacção. Um primeiro grupo inclui as cópias baratas, que ostentam o nome de uma marca de prestígio, mas cujo aspecto e funções não correspondem ao modelo autêntico. Depois, há as falsificações mais perfeitas, e por isso mais caras, que tentam imitar na totalidade os originais, tanto na forma como na função.

No “topo de gama” da falsificação estão relógios com movimentos mecânicos de qualidade aceitável, no interior de caixas em ouro verdadeiro, e com pulseiras em cabedal genuíno. Este último tipo de falsificação é daquele que custa a destrinçar mesmo a especialistas, até da própria marca falsificada, e entra no nicho do produto que serve, por vezes, para enganar o consumidor – ele julga que está a comprar verdadeiro, com um desconto substancial por ser um modelo descontinuado ou por qualquer outra razão, e está a comprar falso.
Por estranho que pareça, muitas vezes as falsificações chegam ao mercado antes do produto genuíno. Isso passa-se especialmente com a relojoaria, um sector com taxas de crescimento de dois dígitos na última década e que tem tido problemas de entrega de produto. Isso faz com que haja listas de espera de anos para determinados modelos, incentivando a procura (e a produção) de falsificações.
Todos os anos, na BaselWorld, a maior feira de relojoaria e joalharia do mundo, que se realiza em Basileia, Suíça, aparecem paparazzi da China e de outros países asiáticos, que tiram fotografias aos protótipos apresentados pelas marcas. Basta uma mensagem por telemóvel para uma qualquer fábrica perdida no meio da Ásia e, em duas semanas, os mercados de Hong Kong ou Banguecoque estão inundados de falsificações com as novidades do ano, meses antes de elas serem lançadas no mercado legal.
O problema da compra de falsificações é essencialmente ético. Há quem defenda que o problema não reside do lado do consumidor, mas que começou antes do lado do produtor de artigos de luxo, dados os exageros de preços dos últimos anos. “Quando um artigo de luxo, uma mala por exemplo, era comprado apenas pelo seu valor intrínseco, pela qualidade do cabedal e pela cuidadosa maneira como era acabado, com cozimento à mão, o problema das falsificações não se punha”, escrevia há pouco tempo o jornalista Thomas Sutcliffe no britânico The Independent.

Este especialista em indústria do luxo acha que o problema começou “quando as pessoas começaram a comprar a mala mais pelo logótipo que se gravou nela do que pela sua verdadeira qualidade, tornando a falsificação muito mais fácil”.
“Aparentemente, deveríamos estar preocupados com o facto de dois terços de nós pensar que comprar uma falsificação não constitui qualquer crime”, diz ele reportando-se à situação no Reino Unido. “Eu próprio não consigo imaginar que estou a cometer um crime, apesar de ser todos os dias avisado de que comprar um Rolex ou um Gucci falso ajuda a financiar o terrorismo internacional e os impérios do crime”, confessa.
A situação em Portugal ainda deverá ser mais permissiva do que na Grã-Bretanha. César Bessa Monteiro, advogado e Presidente da Associação Portuguesa dos Consultores em Propriedade Industrial, declarava recentemente em entrevista: “Em Portugal, as pessoas não condenam seriamente estes actos e não se coíbem de comprar produtos que não são originais”. Trata-se de uma questão cultural, de falta de consciência da ilicitude, problema que não se combate com leis.
Em Portugal, não é ilegal alguém ter na sua posse relógios falsos – desde que número razoável para poder justificar que não são para venda a terceiros. Mas na Suíça, por exemplo, está estipulado que cada pessoa só pode ter na sua posse um relógio falso, desde que o tenha importado pessoalmente, e só se não ostentar qualquer marca forjada de metal precioso.
A contrafacção custa anualmente cerca de 100 mil milhões de euros à economia dos Estados, em impostos não cobrados. “As falsificações refreiam o desenvolvimento económico e ameaçam a saúde e a segurança pública”, frisava recentemente o director-geral da Organização Mundial da Propriedade Industrial, Kamal Idris. “Trata-se de um problema mundial, que necessita de uma acção mundial.”
Pensa-se geralmente que a contrafacção é um crime que não faz vítimas, para lá das grandes marcas de luxo. Mas a contrafacção mata, quer seja através de medicamentos falsos, de leite para bebé adulterado ou de peças para aviões contrafeitas.
E quanto aos relógios? A diferença entre um Rolex e um medicamento falsos é que o relógio não mata, defende a maioria da opinião pública nos países ocidentais. Isso apesar de se saber que a economia da falsificação é financiada por dinheiro vivo, que não passa pelos circuitos legais, emprega mão-de-obra ilegal, que não respeita horários e normas de segurança, que emprega matérias-primas não fiscalizadas e ignora restrições ambientais.
Voltando à ética, que é afinal o âmago do problema – só há falsificações, e cada vez mais, porque há mercado para elas. Quem compra uma falsificação quer dar aos outros uma imagem de si que, afinal, é intrinsecamente falsa. Muitas vezes, nem sequer é válido o argumento da falta de dinheiro para se comprar o genuíno – há muito gestor e quadro superior de empresa que regressa da China ou da Tailândia com cópias de relógios para si, para a família e para os amigos.
Não é irónico que sejam maioritariamente os europeus e norte-americanos a comprarem as falsificações, quando nos países de origem dessas peças os ricos e poderosos sejam hoje em dia os maiores consumidores de Louis Vuitton, Rolex ou Cartier verdadeiros?
*Publicado na Máxima, no final de 2007

1 comentário:

Anónimo disse...

Você será capaz de distinguir uma boa falsificação da peça verdadeira? Duvido. Muitos dos relógios contrafeitos são feitos pelas mesmas máquinas que produzem os originais. Quem ganha com a contrafacção? Todos excepto o grande capital!