A Louis Vuitton apresentará este ano o seu primeiro calibre de manufactura. Albert Bensoussan, um quadro ligado à relojoaria desde há mais de 30 anos, está desde o início à frente do sector relojoeiro da grande marca de luxo mundial. Falámos com ele em Madrid. Legitimidade relojoeira e exclusividade são os pilares de uma aventura que começou em 2002.
Quando, no final dos anos 90, a Louis Vuitton decidiu avançar para os relógios, o que é que o investidor tinha em mente?
Quando começámos a nossa actividade na área da Relojoaria tomámos desde logo uma série de decisões muito claras. A primeira foi quanto à forma: os nossos relógios tinham que ser imediatamente identificáveis como um produto Louis Vuitton. E assim surgiu o modelo Tambour, em 2002. A segunda decisão era que os nossos relógios tinham que ter autenticidade em termos técnicos, e assim equipámos desde o início as nossas peças com calibres de alta qualidade. Mas também autenticidade em termos formais, algo que não fosse uma cópia do que já existia. A ideia não era fazer “relógios de moda” mas antes verdadeiros relógios. Os nossos cronógrafos, por exemplo, estão equipados com um calibre Zenith, o célebre El Primero. Mas, a curto prazo, vamos apresentar o nosso próprio calibre. E isso prende-se com a terceira decisão: iríamos ter desde o começo a nossa própria fábrica. O facto de pertencermos ao grupo LVMH facilitou-nos muito a vida. Se os movimentos vêm da Zenith, podemos pedir a pessoas da TAG Heuer que se encarreguem da assistência pós-venda ou do desenvolvimento do novo calibre, pois eles são peritos nisso. Foram essas sinergias dentro do grupo que nos permitiram arrancar tão depressa. A quarta decisão foi, a partir do arranque, integrar a pouco e pouco o know-how relojoeiro na nossa fábrica, em La Chaux-de-Fonds. E, assim, conseguimos ter hoje na colecção um turbilhão ou um “misterioso”, que aparecerá este ano, já com um calibre de manufactura LV.
Qual o ADN de uma peça Louis Vuitton?
Os nossos relógios – e isso viu-se desde logo na colecção Tambour, têm funções ligadas à tradição Louis Vuiton – são feitos para viajantes elegantes, sobretudo homens, a quem faz falta medir tempos, de ler um segundo fuso horário. E, depois, há toda uma tradição da marca em relação ao mar, pelo que juntámos a função regata, por exemplo, ou concebemos relógios de mergulho. Afinal, somos há 25 anos os patrocinadores da Louis Vuitton Cup em Vela! E, assim, nestes três segmentos – cronógrafos, viagens, náuticos – temos introduzido uma série de inovações técnicas em termos de caixas, como o revestimento em aço negro, que se consegue com um bombardeamento atómico e dá o efeito do PVD, mas é muito mais duro e resistente do que ele. É um processo patenteado e de nosso uso exclusivo. Isto quanto à linha masculina. Para senhora, e embora tenhamos modelos com calibres mecânicos e automáticos, decidimos na base dos dois critérios principais que levam uma mulher a eleger um relógio: simplicidade nas funções (com movimentos de quartzo) e qualidade no design. Materiais, forma, cor, são aqui a prioridade. Mas sem demasiadas declinações, pois não estamos no “campeonato” dos relógios de moda, queremos criar valores seguros e perenes. Isso não quer dizer que os nossos relógios não sejam facilmente reconhecidos, pois procuramos que tenham a “assinatura” Louis Vuitton – nas cores castanho e amarelo, nos mostradores e ponteiros; no tipo de pesponto nas pulseiras, o mesmo usado nos sacos, etc.
Quando se lançaram no mundo dos relógios, há sete anos, a imagem que projectavam era a de uma marca internacional do mundo do luxo e da moda. Em termos relojoeiros, já se sentem com maior legitimidade?
Há duas maneiras de responder à sua pergunta. Dentro do grupo, sentimo-nos confortáveis. Não temos nada a esconder, pois trabalhamos com os melhores do mercado, seja em termos de caixas, de mostradores, de calibres. Visto do exterior, para ser honesto, penso que ainda não atingimos o tipo de reconhecimento que devíamos ter. Mas há uma razão por detrás disso: vendemos apenas na nossa rede de boutiques, não somos tão visíveis como outras marcas de Alta Relojoaria, que estão na rede de retalho mundial. Não que pensemos que não haja retalhistas com qualidade, mas apenas porque a nossa estratégia sempre passou por cativar um cliente que quer comprar Louis Vuitton, sejam malas, sapatos, adereços... ou relógios, e sabe onde vai encontrar o nosso mundo – nas boutiques Louis Vuitton, onde nunca há saldos, e onde os preços são sempre os que estão anunciados... Achamos que a ida a uma boutique nossa é uma experiência completa e que o serviço que oferecemos é único. O valor de um produto só está completo quando termina a sua apresentação, dentro de uma das nossas boutiques. No sector relojoeiro, mesmo entre outros fabricantes, somos pouco conhecidos – os meus colegas não sabem quantos relógios produzimos, que fazemos mensalmente um turbilhão, desde há 60 meses, que tivemos a capacidade de desenvolver o nosso próprio movimento. Preferimos proteger e valorizar o serviço aos nossos clientes em vez de estar presentes no circuito retalhista normal, onde nos apresentaríamos de formas muito diferentes. Preferimos seguir este caminho, que não é tão fácil em termos de visibilidade, mas achamos que, a pouco e pouco, vamos tendo esse reconhecimento exterior. Dou-lhe um exemplo – os nossos turbilhões não são peças fáceis de comprar, custam 165 mil euros, sem descontos. E as pessoas que os compram não brincam com esta quantidade elevada de dinheiro, são coleccionadores, que sabem o valor da peça em causa. Pode ter sido uma decisão emocional, e geralmente é, mas sabem que adquiriram algo que não vai perder valor com o tempo, antes valorizar. Esse tipo de pessoas não compra uma coisa só por ser muito cara, sabendo que ela terá o seu valor diminuído passado um mês, mas porque sabem que o turbilhão Louis Vuitton valerá mais dentro de um ano, de cinco, de 20. Também é uma decisão racional. Acima de tudo, queremos que quem entre nas nossas boutiques se sinta confortável, quer venha ou não a comprar. Não fazemos descontos, não há saldos de fim do ano ou de fim de estação, os nossos colaboradores não trabalham à comissão, pelo que não há pressão para que compre já hoje.
Pela primeira vez, a Louis Vuitton colocou em 2008 os seus relógios a concurso no Ponteiro de Ouro, no Grande Prémio de Genebra. Isso insere-se na busca de legitimidade e visibilidade relojoeira?
Certamente. A princípio, não queríamos mostrar-nos demasiado, mas decidimos concorrer ao fim de dez anos no sector, porque achámos que já era altura de sermos apreciados pelos nossos pares. Entre os mais de 500 modelos que se apresentaram ao Grande Prémio de Genebra, estivemos na selecção dos 40 melhores modelos de relógios do ano, o que foi muito bom, para uma primeira vez, e especialmente com uma marca que apenas vende nas suas boutiques, algo único entre todas as marcas. A Patek Philippe, com uma das mais selectivas redes no sector, tem 650 pontos de venda em retalhistas em todo o mundo, nós temos apenas 200, na nossa rede de boutiques, o que lhe dá a ideia do nosso grau de exclusividade. Não estou a dizer com isto que sejamos melhores, apenas que este é o nosso modelo de negócio. Não passámos aos 20 finais, mas pode ser que para o ano já passemos...
Ainda dentro dessa estratégia de visibilidade e reconhecimento, a Louis Vuitton estaria interessada em fazer parte da Foundation de la Haute Horlogerie?
Possivelmente. Com um limite. Quando me encontro com os responsáveis da FHH eles dizem sempre: “vocês têm um problema, pois não vendem fora das vossas boutiques”. E essa limitação que eles encontram em nós é algo de que não podemos prescindir, está no âmago do nosso DNA. Nunca digas nunca, mas sinceramente não vejo nenhuma razão para passar a vender os nossos relógios fora das boutiques Louis Vuitton. Bom, como isso não pode ser ultrapassado, continuamos apenas amigos da FHH...
(Saído na revista Espiral do Tempo nº 32)
Quando, no final dos anos 90, a Louis Vuitton decidiu avançar para os relógios, o que é que o investidor tinha em mente?
Quando começámos a nossa actividade na área da Relojoaria tomámos desde logo uma série de decisões muito claras. A primeira foi quanto à forma: os nossos relógios tinham que ser imediatamente identificáveis como um produto Louis Vuitton. E assim surgiu o modelo Tambour, em 2002. A segunda decisão era que os nossos relógios tinham que ter autenticidade em termos técnicos, e assim equipámos desde o início as nossas peças com calibres de alta qualidade. Mas também autenticidade em termos formais, algo que não fosse uma cópia do que já existia. A ideia não era fazer “relógios de moda” mas antes verdadeiros relógios. Os nossos cronógrafos, por exemplo, estão equipados com um calibre Zenith, o célebre El Primero. Mas, a curto prazo, vamos apresentar o nosso próprio calibre. E isso prende-se com a terceira decisão: iríamos ter desde o começo a nossa própria fábrica. O facto de pertencermos ao grupo LVMH facilitou-nos muito a vida. Se os movimentos vêm da Zenith, podemos pedir a pessoas da TAG Heuer que se encarreguem da assistência pós-venda ou do desenvolvimento do novo calibre, pois eles são peritos nisso. Foram essas sinergias dentro do grupo que nos permitiram arrancar tão depressa. A quarta decisão foi, a partir do arranque, integrar a pouco e pouco o know-how relojoeiro na nossa fábrica, em La Chaux-de-Fonds. E, assim, conseguimos ter hoje na colecção um turbilhão ou um “misterioso”, que aparecerá este ano, já com um calibre de manufactura LV.
Qual o ADN de uma peça Louis Vuitton?
Os nossos relógios – e isso viu-se desde logo na colecção Tambour, têm funções ligadas à tradição Louis Vuiton – são feitos para viajantes elegantes, sobretudo homens, a quem faz falta medir tempos, de ler um segundo fuso horário. E, depois, há toda uma tradição da marca em relação ao mar, pelo que juntámos a função regata, por exemplo, ou concebemos relógios de mergulho. Afinal, somos há 25 anos os patrocinadores da Louis Vuitton Cup em Vela! E, assim, nestes três segmentos – cronógrafos, viagens, náuticos – temos introduzido uma série de inovações técnicas em termos de caixas, como o revestimento em aço negro, que se consegue com um bombardeamento atómico e dá o efeito do PVD, mas é muito mais duro e resistente do que ele. É um processo patenteado e de nosso uso exclusivo. Isto quanto à linha masculina. Para senhora, e embora tenhamos modelos com calibres mecânicos e automáticos, decidimos na base dos dois critérios principais que levam uma mulher a eleger um relógio: simplicidade nas funções (com movimentos de quartzo) e qualidade no design. Materiais, forma, cor, são aqui a prioridade. Mas sem demasiadas declinações, pois não estamos no “campeonato” dos relógios de moda, queremos criar valores seguros e perenes. Isso não quer dizer que os nossos relógios não sejam facilmente reconhecidos, pois procuramos que tenham a “assinatura” Louis Vuitton – nas cores castanho e amarelo, nos mostradores e ponteiros; no tipo de pesponto nas pulseiras, o mesmo usado nos sacos, etc.
Quando se lançaram no mundo dos relógios, há sete anos, a imagem que projectavam era a de uma marca internacional do mundo do luxo e da moda. Em termos relojoeiros, já se sentem com maior legitimidade?
Há duas maneiras de responder à sua pergunta. Dentro do grupo, sentimo-nos confortáveis. Não temos nada a esconder, pois trabalhamos com os melhores do mercado, seja em termos de caixas, de mostradores, de calibres. Visto do exterior, para ser honesto, penso que ainda não atingimos o tipo de reconhecimento que devíamos ter. Mas há uma razão por detrás disso: vendemos apenas na nossa rede de boutiques, não somos tão visíveis como outras marcas de Alta Relojoaria, que estão na rede de retalho mundial. Não que pensemos que não haja retalhistas com qualidade, mas apenas porque a nossa estratégia sempre passou por cativar um cliente que quer comprar Louis Vuitton, sejam malas, sapatos, adereços... ou relógios, e sabe onde vai encontrar o nosso mundo – nas boutiques Louis Vuitton, onde nunca há saldos, e onde os preços são sempre os que estão anunciados... Achamos que a ida a uma boutique nossa é uma experiência completa e que o serviço que oferecemos é único. O valor de um produto só está completo quando termina a sua apresentação, dentro de uma das nossas boutiques. No sector relojoeiro, mesmo entre outros fabricantes, somos pouco conhecidos – os meus colegas não sabem quantos relógios produzimos, que fazemos mensalmente um turbilhão, desde há 60 meses, que tivemos a capacidade de desenvolver o nosso próprio movimento. Preferimos proteger e valorizar o serviço aos nossos clientes em vez de estar presentes no circuito retalhista normal, onde nos apresentaríamos de formas muito diferentes. Preferimos seguir este caminho, que não é tão fácil em termos de visibilidade, mas achamos que, a pouco e pouco, vamos tendo esse reconhecimento exterior. Dou-lhe um exemplo – os nossos turbilhões não são peças fáceis de comprar, custam 165 mil euros, sem descontos. E as pessoas que os compram não brincam com esta quantidade elevada de dinheiro, são coleccionadores, que sabem o valor da peça em causa. Pode ter sido uma decisão emocional, e geralmente é, mas sabem que adquiriram algo que não vai perder valor com o tempo, antes valorizar. Esse tipo de pessoas não compra uma coisa só por ser muito cara, sabendo que ela terá o seu valor diminuído passado um mês, mas porque sabem que o turbilhão Louis Vuitton valerá mais dentro de um ano, de cinco, de 20. Também é uma decisão racional. Acima de tudo, queremos que quem entre nas nossas boutiques se sinta confortável, quer venha ou não a comprar. Não fazemos descontos, não há saldos de fim do ano ou de fim de estação, os nossos colaboradores não trabalham à comissão, pelo que não há pressão para que compre já hoje.
Pela primeira vez, a Louis Vuitton colocou em 2008 os seus relógios a concurso no Ponteiro de Ouro, no Grande Prémio de Genebra. Isso insere-se na busca de legitimidade e visibilidade relojoeira?
Certamente. A princípio, não queríamos mostrar-nos demasiado, mas decidimos concorrer ao fim de dez anos no sector, porque achámos que já era altura de sermos apreciados pelos nossos pares. Entre os mais de 500 modelos que se apresentaram ao Grande Prémio de Genebra, estivemos na selecção dos 40 melhores modelos de relógios do ano, o que foi muito bom, para uma primeira vez, e especialmente com uma marca que apenas vende nas suas boutiques, algo único entre todas as marcas. A Patek Philippe, com uma das mais selectivas redes no sector, tem 650 pontos de venda em retalhistas em todo o mundo, nós temos apenas 200, na nossa rede de boutiques, o que lhe dá a ideia do nosso grau de exclusividade. Não estou a dizer com isto que sejamos melhores, apenas que este é o nosso modelo de negócio. Não passámos aos 20 finais, mas pode ser que para o ano já passemos...
Ainda dentro dessa estratégia de visibilidade e reconhecimento, a Louis Vuitton estaria interessada em fazer parte da Foundation de la Haute Horlogerie?
Possivelmente. Com um limite. Quando me encontro com os responsáveis da FHH eles dizem sempre: “vocês têm um problema, pois não vendem fora das vossas boutiques”. E essa limitação que eles encontram em nós é algo de que não podemos prescindir, está no âmago do nosso DNA. Nunca digas nunca, mas sinceramente não vejo nenhuma razão para passar a vender os nossos relógios fora das boutiques Louis Vuitton. Bom, como isso não pode ser ultrapassado, continuamos apenas amigos da FHH...
(Saído na revista Espiral do Tempo nº 32)
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