domingo, 29 de janeiro de 2012

A importância de um segundo ou... Os tempos astronómico, físico e civil em palestra de Rui Agostinho no Observatório Astronómico de Lisboa


Várias dimensões do Tempo - astronómico, físico, civil - foram o tema da palestra proferida ontem, sábado, pelo Professor Dr. Rui Agostinho, no âmbito das Noites no Observatório, organizadas pelo Observatório Astronómico de Lisboa.

O Director do OAL recordou a relação íntima ao longo da História entre a Astronomia e o Tempo - a primeira necessita do segundo, e de relógios o mais precisos possíveis, para desenvolver os seus cálculos e medições.

Quando o tempo era local, os relógios mecânicos eram acertados todos os dias por relógios de sol. Quando o tempo passou a ser nacional, eram os principais observatórios dos respectivos países que decretavam a hora para cada um deles, através de um meridiano zero ou de referência que passava pelo de Paris (para França), de Greenwich (para Inglaterra), de Madrid (para Espanha), de Lisboa (para Portugal).

Quando o tempo se internacionalizou, devido às necessidades colocadas pelas comunicações (rádio) e transportes (caminhos-de-ferro), estabeleceu-se o sistema dos fusos horários (Conferência de Washington, de 1884).

Só com a República, a partir de 1 de Janeiro de 2012, há exactamente um século, Portugal adere ao sistema de fusos horários. E o meridiano de referência para o tempo nacional passa a ser o de Greenwich.

De qualquer modo, ao Observatório Astronómico de Lisboa continuou, até hoje, a estar atribuída a missão de emissão e certificação do tempo civil português. Se a Astronomia emite Tempo, a Metrologia estabelece e fiscaliza as unidades de Tempo. Essa segunda tarefa cabe ao Instituto Português da Qualidade, que é o guardião do Segundo Padrão, a unidade de base do sistema internacional de medição de Tempo.


O Tempo foi sendo medido ao longo de milénios tendo por base os movimentos de rotação (dia) e translação (ano) da Terra. Os observatórios astronómicos tiveram um papel de vanguarda na medição do tempo e na utilização dos melhores medidores de tempo disponíveis a cada momento. Os jesuítas, por exemplo, tinham observatórios nas suas Casas e Colégios, em todo o mundo, nomeadamente na Província Portuguesa - e as suas observações astronómicas, de eclipses do sol, por exemplo, no século XVIII, utilizam o estado da arte em relojoaria - pêndulas de Graham, com escape especial ou pêndulo termo-compensado. Sobre isso ver os relatórios de Eusébio da Veiga et alia em, por exemplo, Historia do Tempo em Portugal - Elementos para uma História do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades em Portugal (Diamantouro, 2003), ou noutras obras sobre a evolução da medição do tempo no país.


O problema é que, com a precisão cada vez maior dos relógios (mecânicos, primeiro; eléctricos e atómicos, depois), foi-se tornando claro que os movimentos dos astros não são tão precisos como se julgava. Nem o dia tem sempre 24 horas (aparece a noção de Equação do Tempo), nem o Ano Trópico (o tempo que demora uma rotaçãom completa da Terra em redor do Sol) é igual ao Ano Sideral (o tempo que uma determinada estrela leva a passar duas vezes pelo mesmo azimute celeste, ou, no caso convencionado, o Equinócio da Primavera).

Ora, o segundo foi calculado tendo como base o movimento de rotação da Terra. Rui Agostinho recordou que, além das irregularidades já referidas, a Terra está a abrandar o seu movimento de rotação (há 400 milhões de anos, o ano tinha 400 dias, e o dia tinha 20 horas).


Na foto, a linha do Equador tem o sol médio, convenção usada para a medição do tempo civil, e onde a estrela caminha sempre à mesma velocidade, no seu movimento aparente. Na linha verde, em cima, a eclíptica, com o movimento "real" do Sol. O tempo civil e o tempo sideral divergem.




O Observatório Astronómico de Lisboa foi um dos emissores de tempo. Na foto em cima, o Balão da Hora ou do Arsenal (de Marinha, na zona ribeirinha da capital), um dispositivo que servia para dar o tempo em terra a navios ancorados no Tejo (para efeitos de medição da longitude). Quando desapareceu o Balão, passou a ser o Observatório, na Tapada, a emitir tempo, agora através de linhas eléctricas. A primeira linha telefónica estabelecida em Portugal foi entre o Observatório e a então Escola Politécnica (hoje Museu de Ciência - Faculdade de Ciências). Não era para falar ao telefone, mas para emitir tempo, que dali seguia para o Cais do Sodré, onde estava o Relógio da Hora Legal.


O chamado "segundo as efemérides" teve por base o ano tropical em 1900. Como referiu Rui Agostinho, teve por base a convenção do Sol Médio, definida por Newcomb no final do século XIX.


Quadro da apresentação de Rui Agostinho onde se evidenciam algumas das forças que tornam o movimento da Terra irregular.



O "segundo astronómico" aparece na 11ª Conferência Geral dos Pesos e Medidas (1960). Segundo Rui Agostinho, essa definição foi fundamental para os cálculos astronómicos nas décadas seguintes, continuando a ser usado, e tendo como base o Tempo Sideral.


Quadro interessante, mostrando como seres vivos fossilizados (dependendo dos ciclos dia/noite) tiveram dias mais curtos há milhões de anos.


Com o aparecimento dos relógios atómicos, muitíssimo mais precisos que os relógios mecânicos ou eléctricos, surge uma nova definição de segundo, a que tem vigorado até hoje. A comunidade científica começou a pressionar para que a base de sistema de tempo deixasse de ser o movimento dos astros (quer o da Terra - Ano Trópico; quer o do Céu - Ano Sideral). Nascia o Tempo Universal Coordenado (UTC, que substituía a noção de Tempo Médio de Greenwich, ou GMT).


Mas, mesmo esse UTC, tem variações, em relação ao Tempo Atómico Internacional (feito a partir de uma rede de 400 relógios atómicos, espalhados pelo mundo, e onde se inclui a contribuição do Laboratório de Tempo e Frequência do Instituto Português da Qualidade, no Monte da Caparica).


Esse desfasamento, explicou Rui Agostinho, tem levado à inclusão de segundos suplementares ou bissextos na escala do tempo civil quando a diferença é próxima do segundo. A palestra, aliás, teve como pretexto o recente debate da comunidade internacional sobre o segundo bissexto e a sua possível abolição. Mas a decisão ficou adiada, até 2015. Um problema complexo, que se joga no plano científico, mas também, e muito, no plano político. Um segundo bissexto será acrescentado ao tempo civil no final de Junho próximo. No quadro em cima, disponibilizado na apresentação de Rui Agostinho, o historial dos segundos intercalares, suplementares ou bissextos. Recentemente, o Pavilhão do Conhecimento - Ciência Viva realizou um debate sobre o Tempo, tendo como pano de fundo a problemática do Segundo Bissexto.


Depois de relógios de sol, clepsidras, ampulhetas, relógios mecânicos, eléctricos, de quartzo, atómicos (de césio)... que instrumento mais preciso se poderá usar para medir o tempo? Como sublinhou Rui Agostinho, os quasar, fortes emissores de rádio, com frequências ultra-constantes, já usados hoje pelos astrofísicos para o mapear do universo, poderão ser as próximas máquinas do tempo...

Uma noite bem passada no Observatório Astronómico da Ajuda, com a palestra do Director a ser transmitida em tempo real, na Internet. A próxima Noite no Observatório será dedicada ao sistema GPS, também ele fortemente relacionado com o Tempo (e a sua relatividade...)

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