domingo, 31 de maio de 2020
Editorial Relógios & Canetas online Junho - Nada será como dantes
Nada será como dantes
Na última década, a riqueza mundial e a população considerada rica aumentaram mais de 50 por cento e o número de milionários duplicou entre 2005 e 2019, para mais de 25 milhões de indivíduos. Mas a crise de saúde pública colocou tudo em questão e até mesmo os hábitos de consumo desta franja não estão agora assegurados – menos viagens, menos viagens para sítios com muita gente, menos compras nos aeroportos…
Só a digitalização dos processos poderá salvar a cadeia de Luxo a nível global. E apenas os mais fortes estão minimamente preparados para se adaptarem ao online e para aí se movimentarem com sucesso, promovendo com estratégias inovadoras “marca” e “fiabilidade”.
Segundo os estudos mais recentes de auditoras internacionais (McKinsey), 10 por cento de aumento da penetração do comércio online causa 5 por cento de quebra na margem de lucro em loja. Se essa penetração do digital aumentar mais 10 pontos percentuais, isso significaria que muitos pontos de venda deixam de ser rentáveis.
O retalho do Luxo, nomeadamente em Portugal, vai sofrer uma revolução rápida e cruel para empresas familiares e independentes. Segundo dados do último inquérito da AORP – Associação de Ourivesaria e Relojoaria de Portugal - quando questionadas sobre as suas expectativas para os próximos meses, 39,7% das empresas inquiridas antecipa, nos próximos meses, uma descida entre 75 e 100% da sua receita, 29,5% um decréscimo de 50 a 75%, e 9% uma redução de entre 25 e 50%.
Quanto à possibilidade de encerrar definitivamente a sua actividade, 30,8% avalia como “risco elevado”, 29,5% “risco moderado” e 33,3% “risco baixo”.
Em relação à recuperação da sua actividade, 34,6% afirma esperar ser muito lenta (entre 12 a 24 meses), 29,5% estima entre 6 a 12 meses e 14,1% estão mais pessimistas, antecipando a retoma apenas depois de 2 anos.
Na Suíça, a situação começa a ser dramática: as exportações relojoeiras tiveram uma quebra brutal em Abril - menos 81,3 por cento em valor face a mesmo mês de 2019. Todos os 30 principais mercados de destino da relojoaria helvética quebraram neste mês, no pico dos efeitos da pandemia do novo coronavírus. Em quantidade exportada, a redução foi de 78,6 por cento. Pela primeira vez em décadas, Portugal desaparece em Abril dos 30 principais mercados clientes. No acumulado dos 4 primeiros meses do ano, também se regista uma quebra em todos os 30 mercados de destino, com Portugal na 25ª posição, e com uma quebra de 29 por cento, acima dos 26,3 por cento de contracção geral.
É todo um sector que tem que se reinventar. Ou morre.
Meditações - Se eu ouvisse algum relógio da vizinhança!
Quase nunca trabalhava à noite; às vezes, porém, quando me sucedia acordar fora de horas, sem vontade de continuar a dormir, ia para a mesa e esperava lendo ou escrevendo que amanhecesse.
Uma ocasião acordei assim, mas sem consciência de nada, como se viesse de um desses longos sonos de doente a decidir; desses profundos e silenciosos, em que não há sonhos, e dos quais, ou se desperta vitorioso para entrar em ampla convalescença, ou se sai apenas um instante para mergulhar logo nesse outro sono, ainda mais profundo, donde nunca mais se volta.
Olhei em torno de mim, admirado do longo espaço que me separava da vida e, logo que me senti mais senhor das minhas faculdades, estranhei não perceber o dia através das cortinas do quarto, c não ouvir, como de costume, pipilarem as cambachirras defronte das janelas por cima dos telhados.
- É que naturalmente ainda não amanheceu. Também não deve tardar muito... calculei, saltando da cama e enfiando o roupão de banho, disposto a esperar sua alteza o sol, assentado à varanda a fumar um cigarro.
Entretanto, cousa singular! parecia-me ter dormido em demasia; ter dormido muito mais da minha conta habitual. Sentia-me estranhamente farto de sono; tinha a impressão lassa de quem passou da sua hora de acordar e foi entrando, a dormir pelo dia e pela tarde, como só nos acontece depois de uma grande extenuação nervosa ou tendo anteriormente perdido muitas noites seguidas.
Ora, comigo não havia razão para semelhante cousa, porque, justamente naqueles últimos tempos, desde que estava noivo, recolhia-me sempre cedo e cedo me deitava. Ainda na véspera, lembro-me bem, depois do jantar saíra apenas a dar um pequeno passeio, fizera à família de Laura a minha visita de todos os dias, e às dez horas já estava de volta, estendido na cama, com um livro aberto sobre o peito, a bocejar. Não passariam de onze e meia quando peguei no sono.
Sim! não havia dúvida que era bem singular não ter amanhecido!... pensei, indo abrir uma das janelas da varanda.
Qual não foi, porém, a minha decepção quando, interrogando o nascente, dei com ele ainda completamente fechado e negro, e, abaixando o olhar, vi a cidade afogada em trevas e sucumbida no mais profundo silêncio!
- Oh! Era singular, muito singular!
No céu as estrelas pareciam amortecidas, de um bruxulear difuso e pálido; nas ruas os 1ampiões mal se acusavam por longas reticências de uma luz deslavada e triste. Nenhum operário passava para o trabalho; não se ouvia o cantarolar de um ébrio, o rodar de um carro, nem o ladrar de um cão.
Singular! muito singular!
Acendi a veia e corri ao meu relógio de algibeira. Marcava meia-noite. Levei-o ao ouvido, com avidez de quem consulta o coração de um moribundo; já não pulsava: tinha esgotado toda a corda. Fi-lo começar a trabalhar de novo, mas as suas pulsações eram tão fracas, que só com extrema dificuldade conseguia eu distingui-las.
- É singular! muito singular! repetia, calculando que, se o relógio esgotara toda a corda, era porque eu então havia dormido muito mais ainda do que supunha! eu então atravessara um dia inteiro sem acordar e entrara do mesmo modo pela noite seguinte.
Mas, afinal que horas seriam?...
Tornei à varanda, para consultar de novo aquela estranha noite, em que as estrelas desmaiavam antes de chegar a aurora. E a noite nada me respondeu, fechada no seu egoísmo surdo e tenebroso.
Que horas seriam?... Se eu ouvisse algum relógio da vizinhança!... Ouvir?... Mas se em torno de mim tudo parecia entorpecido e morto?...
E veio-me a dúvida de que eu tivesse perdido a faculdade de ouvir durante aquele maldito sono de tantas horas; fulminado por esta idéia, precipitei-me sobre o tímpano da mesa e vibrei-o com toda a força.
O som fez-se, porém, abafado e lento, como se lutasse com grande resistência para vencer o peso do ar.
E só então notei que a luz da vela, à semelhança do som do tímpano, também não era intensa e clara como de ordinário e parecia oprimida por uma atmosfera de catacumba.
Que significaria isto?... que estranho cataclismo abalaria o mundo?... que teria acontecido de tão transcendente durante aquela minha ausência da vida, para que eu, à volta, viesse encontrar o som e a luz, as duas expressões mais impressionadoras do mundo físico, assim trôpegas e assim vacilantes, nem que toda a natureza envelhecesse maravilhosamente enquanto eu tinha os olhos fechados e o cérebro em repouso?!...
- Ilusão minha, com certeza! que louca és tu, minha pobre fantasia! Daqui a nada estará amanhecendo, e todos estes teus caprichos, teus ou da noite, essa outra doida, desaparecerão aos primeiros raios do sol. O melhor é trabalharmos! Sinto-me até bem disposto para escrever! trabalhemos, que daqui a pouco tudo reviverá como nos outros dias! de novo os vales e as montanhas se farão esmeraldinas e alegres; e o céu transbordará da sua refulgente concha de turquesa a opulência das cores e das luzes; e de novo ondulará no espaço a música dos ventos; e as aves acordarão as rosas dos campos com os seus melodiosos duetos de amor! Trabalhemos! Trabalhemos!
Acendi mais duas velas, porque só com a primeira quase que me era impossível enxergar; arranjei-me ao lavatório; fiz uma xícara de café bem forte, tomei-a, e fui para a mesa de trabalho.
Aluísio Azevedo in Demónios
Uma ocasião acordei assim, mas sem consciência de nada, como se viesse de um desses longos sonos de doente a decidir; desses profundos e silenciosos, em que não há sonhos, e dos quais, ou se desperta vitorioso para entrar em ampla convalescença, ou se sai apenas um instante para mergulhar logo nesse outro sono, ainda mais profundo, donde nunca mais se volta.
Olhei em torno de mim, admirado do longo espaço que me separava da vida e, logo que me senti mais senhor das minhas faculdades, estranhei não perceber o dia através das cortinas do quarto, c não ouvir, como de costume, pipilarem as cambachirras defronte das janelas por cima dos telhados.
- É que naturalmente ainda não amanheceu. Também não deve tardar muito... calculei, saltando da cama e enfiando o roupão de banho, disposto a esperar sua alteza o sol, assentado à varanda a fumar um cigarro.
Entretanto, cousa singular! parecia-me ter dormido em demasia; ter dormido muito mais da minha conta habitual. Sentia-me estranhamente farto de sono; tinha a impressão lassa de quem passou da sua hora de acordar e foi entrando, a dormir pelo dia e pela tarde, como só nos acontece depois de uma grande extenuação nervosa ou tendo anteriormente perdido muitas noites seguidas.
Ora, comigo não havia razão para semelhante cousa, porque, justamente naqueles últimos tempos, desde que estava noivo, recolhia-me sempre cedo e cedo me deitava. Ainda na véspera, lembro-me bem, depois do jantar saíra apenas a dar um pequeno passeio, fizera à família de Laura a minha visita de todos os dias, e às dez horas já estava de volta, estendido na cama, com um livro aberto sobre o peito, a bocejar. Não passariam de onze e meia quando peguei no sono.
Sim! não havia dúvida que era bem singular não ter amanhecido!... pensei, indo abrir uma das janelas da varanda.
Qual não foi, porém, a minha decepção quando, interrogando o nascente, dei com ele ainda completamente fechado e negro, e, abaixando o olhar, vi a cidade afogada em trevas e sucumbida no mais profundo silêncio!
- Oh! Era singular, muito singular!
No céu as estrelas pareciam amortecidas, de um bruxulear difuso e pálido; nas ruas os 1ampiões mal se acusavam por longas reticências de uma luz deslavada e triste. Nenhum operário passava para o trabalho; não se ouvia o cantarolar de um ébrio, o rodar de um carro, nem o ladrar de um cão.
Singular! muito singular!
Acendi a veia e corri ao meu relógio de algibeira. Marcava meia-noite. Levei-o ao ouvido, com avidez de quem consulta o coração de um moribundo; já não pulsava: tinha esgotado toda a corda. Fi-lo começar a trabalhar de novo, mas as suas pulsações eram tão fracas, que só com extrema dificuldade conseguia eu distingui-las.
- É singular! muito singular! repetia, calculando que, se o relógio esgotara toda a corda, era porque eu então havia dormido muito mais ainda do que supunha! eu então atravessara um dia inteiro sem acordar e entrara do mesmo modo pela noite seguinte.
Mas, afinal que horas seriam?...
Tornei à varanda, para consultar de novo aquela estranha noite, em que as estrelas desmaiavam antes de chegar a aurora. E a noite nada me respondeu, fechada no seu egoísmo surdo e tenebroso.
Que horas seriam?... Se eu ouvisse algum relógio da vizinhança!... Ouvir?... Mas se em torno de mim tudo parecia entorpecido e morto?...
E veio-me a dúvida de que eu tivesse perdido a faculdade de ouvir durante aquele maldito sono de tantas horas; fulminado por esta idéia, precipitei-me sobre o tímpano da mesa e vibrei-o com toda a força.
O som fez-se, porém, abafado e lento, como se lutasse com grande resistência para vencer o peso do ar.
E só então notei que a luz da vela, à semelhança do som do tímpano, também não era intensa e clara como de ordinário e parecia oprimida por uma atmosfera de catacumba.
Que significaria isto?... que estranho cataclismo abalaria o mundo?... que teria acontecido de tão transcendente durante aquela minha ausência da vida, para que eu, à volta, viesse encontrar o som e a luz, as duas expressões mais impressionadoras do mundo físico, assim trôpegas e assim vacilantes, nem que toda a natureza envelhecesse maravilhosamente enquanto eu tinha os olhos fechados e o cérebro em repouso?!...
- Ilusão minha, com certeza! que louca és tu, minha pobre fantasia! Daqui a nada estará amanhecendo, e todos estes teus caprichos, teus ou da noite, essa outra doida, desaparecerão aos primeiros raios do sol. O melhor é trabalharmos! Sinto-me até bem disposto para escrever! trabalhemos, que daqui a pouco tudo reviverá como nos outros dias! de novo os vales e as montanhas se farão esmeraldinas e alegres; e o céu transbordará da sua refulgente concha de turquesa a opulência das cores e das luzes; e de novo ondulará no espaço a música dos ventos; e as aves acordarão as rosas dos campos com os seus melodiosos duetos de amor! Trabalhemos! Trabalhemos!
Acendi mais duas velas, porque só com a primeira quase que me era impossível enxergar; arranjei-me ao lavatório; fiz uma xícara de café bem forte, tomei-a, e fui para a mesa de trabalho.
Aluísio Azevedo in Demónios
sábado, 30 de maio de 2020
sexta-feira, 29 de maio de 2020
Meditações - país dos relógios, sem poesia e sem moscas
Não sei em que V. vai matar o tempo nesse país dos relógios, sem
poesia e sem moscas, mas onde a vida, como dizia o Benavente, lhe
há-de parecer tão diferente da nossa, como uma vaca leiteira o é dum
touro miura.
Lisboa, 28 de Janeiro de 1950
Excerto de uma carta de Leitão de Barros para António Ferro quando este foi nomeado, a contragosto, embaixador em Berna (queria Paris). É citado Jacinto Benavente, dramaturgo espanhol, Nobel da Literatura em 1922. (contributo de Luís Pinheiro de Almeida). Sobre Ferro na Suíça, ver também aqui.
Lisboa, 28 de Janeiro de 1950
Excerto de uma carta de Leitão de Barros para António Ferro quando este foi nomeado, a contragosto, embaixador em Berna (queria Paris). É citado Jacinto Benavente, dramaturgo espanhol, Nobel da Literatura em 1922. (contributo de Luís Pinheiro de Almeida). Sobre Ferro na Suíça, ver também aqui.
quinta-feira, 28 de maio de 2020
Geneva Watch Days - de 26 a 29 de Agosto, em Genebra
A iniciativa Geneva Watch Days, que já esteve marcada para 26 a 29 de Abril, foi remarcada para 26 a 29 de Agosto. Se ocorrer, será o único evento relojoeiro multi-marcas a realizar-se na Suíça em 2020, depois do cancelamento do salão Watches & Wonders de Genebra e da feira Baselworld, em Basileia, devido à pandemia Civid-19.
Estarão presentes as marcas Bvlgari, Breitling, De Bethune, Gerald Genta, Girard-Perregaux, H. Moser & Cie, MB&F, Ulysse Nardin e Urwerk.
O comunicado:
The Geneva Watch Days steering committee is making progress in its preparations. The event will be held from August 26th to 29th in Geneva city center hotels, as well as in the boutiques and watchmaking workshops of the participating brands. This operation will bring together a diverse group of brands with very different profiles, enabling retailers and media to discover a wealth of products. For most brands, retailers and media – given the cancellation of Baselworld and SIHH / Watches & Wonders in 2020 – this event will be the only one since 2019 and until 2021!
This initiative was launched by a pool of luxury brands including Bvlgari, Breitling, De Bethune, Gerald Genta, Girard-Perregaux, H. Moser & Cie, MB&F, Ulysse Nardin and Urwerk. They will be presenting numerous new model to retailers and the media who will be visiting Geneva. Many maisons have also expressed their interest in joining the event.
The operation is intended to be decentralised, agile, collegial, convivial and inexpensive in its organisation to make the event as efficient and attractive as possible. All the brands will be spread across easily accessible locations within defined area of downtown Geneva. A central reception desk will provide orientation and guidance for retailers and media to optimise in the smoothest possible way their appointments with the founding brands throughout the four-day event.
In the same spirit, an extremely user-friendly digital support platform – called www.gva-watch-days.com – will enable retailers and media to register, book their appointments with the different brands and reserve their hotel rooms at prices negotiated by the Steering Committee with the support of State Councillor Pierre Maudet. Online from the end of May onwards, the site will indicate the different exhibition venues for each of the brands on the map of downtown Geneva.
The Geneva Watch Days programme also includes media and retailer dinners as well as a festive evening. All of this will be organised in strict compliance with the precautionary health measures defined by the Confederation and the Canton of Geneva, whose fight against COVID-19 has thus far proved exemplary in terms of efficiency, confirming Geneva’s stature as one of the world’s safest cities.
Um Tempo Português nas observações do eclipse solar de há 120 anos
Do Arquivo Ephemera (Núcleo do Tempo) - Almanach Hachette para 1901, referindo o eclipse total do Sol de segunda-feira, 28 de Maio de 1900, há precisamente 120 anos.
Todo o equipamento de medição, coordenação e emissão de Tempo do então Real Observatório da Tapada da Ajuda foi colocado ao serviço das várias equipas de astrónomos estrangeiros que estiveram em Portugal para observar o fenómeno.
Da página do hoje Observatório Astronómico da Ajuda:
A 28 de Maio de 1900 a umbra do eclipse total do Sol cruzou desde a costa continental atlântica (Porto, Ovar, Aveiro) até boa parte da região das Beiras, passando em cidades como Viseu, Guarda e Covilhã, numa faixa de totalidade com aproximadamente 75 km de largura. O restante território nacional observou um eclipse parcial de elevadíssima percentagem.
No mapa feito no OAL, as linhas isócronas (mesma hora) usam a Hora solar média do Real Observatório Astronómico de Lisboa, na Tapada da Ajuda, pois era a Hora Oficial de Portugal. As linhas a tracejado representam os ângulos de posição do toque da Lua no Sol.
Meses antes do eclipse o sub-director do OAL, Frederico Thomaz Oom, publicou um livro bastante instrutivo e com indicações detalhadas para a observação. Apesar da formação essencialmente matemática deste oficial do exército (e de todas as pessoas do OAL), o livro contém uma descrição admirável e exaustiva do estado do conhecimento sobre a física do sol, inclusivé a discussão muito actual sobre a existência dum novo átomo apelidado de “corónio”, associado à risca de emissão nos 530,3 nm no espectro coronal. Só foi bem identificada em 1930’s por Walter Grotrian e Bengt Edlén como sendo do átomo de ferro altamente ionizado (Fe13+) na zona da coroa solar.
O eclipse trouxe a Portugal vários astrónomos estrangeiros, entre os quais o director do Observatório de Greenwich, o Astronomer Royal William Christie, que observou o eclipse com a sua equipa em Ovar, na zona central da umbra. O papel do OAL foi fulcral pois com os Telégrafos estabeleceu ligações eléctricas que permitiram a todas as equipas receber o sinal da hora correcta, para cronometrar as observações de cariz científico.
Poderá ter sido a primeira vez que houve uma acção pública para divulgação da ciência pois, ao Observatório chegariam dezenas de relatos, registos dos instantes dos contactos e fotografias, além de descrições do comportamento dos animais durante a totalidade. Continuamos este serviço público e o evento em 1900 é uma parte fascinante da nossa história!
Mapa elaborado pelo Real Observatório Astronómico de Lisboa (Tapada)
Ilustração da Wikipedia
quarta-feira, 27 de maio de 2020
Covid 19 - Exportações relojoeiras suíças afundam
Era de prever - as exportações relojoeiras suíças tiveram uma quebra brutal em Abril - menos 81,3 por cento em valor face a mesmo mês de 2019. Do valor exportado, um terço teve como destino a China, acentuando ainda mais a dependência de toda uma indústria face a um único país.
Todos os 30 principais mercados de destino da relojoaria helvética quebraram em Abril, no pico dos efeitos da pandemia do novo coronavírus. Em quantidade exportada, a redução foi de 78,6 por cento.
Pela primeira vez em décadas, Portugal desaparece em Abril dos 30 principais mercados clientes.
No acumulado dos 4 primeiros meses do ano, também se regista uma quebra em todos os 30 mercados de destino, com Portugal na 25ª posição, e com uma quebra de 29 por cento, acima dos 26,3 por cento de contracção geral.
terça-feira, 26 de maio de 2020
Meditações - Onde gastei, eu, hoje, o meu tempo?
“Onde gastei, eu, hoje, o meu tempo?”
Em plena crise pandémica, o meu relógio parou… o de pulso, o que anda sempre comigo para todo o lado. Parou às 7 horas e 10 minutos. Se da manhã ou da tarde, não sei (é um relógio analógico)… Mas ambos os horários são igualmente sugestivos, pois reenviam-me para a minha existência pré-COVID-19, para um tempo em que 7:10 era (mais coisa, menos coisa) a hora de acordar, com a ajuda do despertador, e em que 19:10 era (mais coisa, menos coisa) a hora de chegada do comboio, de regresso a casa, ao final de um dia de trabalho. Marcadores dos meus ritmos diários, há anos, muitos, apenas dispensados em fins-de-semana e em férias, tempos menos espartilhados por horários rígidos.
Quando o relógio parou fiquei apreensiva: “Logo agora, que está tudo fechado! Onde vou eu desencantar uma pilha?” É preciso dizer que gosto de usar relógio (é uma segunda pele, tal como os óculos) e sempre resisti a substituí-lo pelo versátil telemóvel, que entre tantas coisas que nos permite fazer, ver as horas é apenas uma delas. Não é, contudo, a mesma coisa, não está sempre à mão, ao subtil e natural(izado) rodar do pulso, e é tão dispersivo que não me transmite a segurança de que sou dona do meu tempo (cada qual com a sua mania…).
Mas os dias foram passando e a (ir)realidade da crise pandémica, e do que ela nos exige individual e coletivamente, materializou-se num confinamento em família, a 4, em que tardam a chegar novas rotinas e em que se esboroam fronteiras (tão arduamente conquistadas na longa história das relações laborais) entre tempos de trabalho e de descanso, diluindo os 7 dias da semana e a sucessão das semanas. Mas também em que se esboroam as fronteiras dos espaços e dos seus objetos, adquirindo novas funções que se somam às ou que expulsam mesmo as anteriores. “Que dia é hoje?” Pergunta que, cá por casa, fazemos amiúde, em voz alta ou em voz baixa. Será, porventura, uma marca distintiva das experiências de confinamento prolongado, este tempo que teima em escapar-nos? Imagino que sim…
Não por acaso, multiplicam-se por estes dias, na comunicação social, conselhos e sugestões sobre o modo como devemos organizar o nosso tempo e sobre as atividades que não devemos descurar nas 24 horas do dia: “quando estiverem a trabalhar, façam curtas pausas de meia em meia hora”; “façam, todos juntos, um bolo de chocolate” (ou, inversamente, “procurem fazer uma alimentação mais saudável”); “organizem, finalmente, as fotografias das férias”; “vejam os clássicos do cinema”; “deem um pequeno passeio matinal”; “dediquem uma parte do dia para brincarem com os vossos filhos”; “reservem tempo para a prática de exercício físico”; “aprendam aquela língua estrangeira que sempre quiseram”…
Mais coisa, menos coisa, palavras bem-intencionadas, estas dos coaches do tempo, mas também culpabilizantes, pois colocam-nos perante a nossa dificuldade em agarrar esta fera indomável, este tempo que não se deixa domesticar. Quem é que ainda não se perguntou, ao final do dia: “Onde gastei, eu, hoje, o meu tempo?” Eu já me perguntei várias vezes, tantas que não têm conta. Procurar transformar, afincada e voluntariosamente, este tempo de confinamento forçado em tempo regrado e de oportunidade, afigura-se uma missão tão hercúlea quanto inglória para muitas pessoas, perdoem-me os coaches do tempo…
Recentemente, a Susana Atalaia e eu publicámos um artigo sobre os padrões de divisão sexual do trabalho na Europa entre os casais em idade ativa e a viverem com filhos menores. Tendo por base resultados do ISSP 2012 ‘Família e Papéis de Género em Mudança IV’ (1) analisámos as horas semanais que mulheres e homens de 18 países da UE28 despendem, em média, em três frentes: atividade profissional, tarefas domésticas e cuidados a crianças e a outros familiares doentes ou dependentes. Com efeito, a produção e a reprodução da vida familiar estão grandemente ancoradas no trabalho desempenhado nestas três frentes, com a particularidade de a primeira ter retorno económico (trabalho pago) e as demais não (trabalho não pago).
Tratando-se de indicadores clássicos e aparentemente objetivos do volume de trabalho semanal de mulheres e homens em cada uma dessas vertentes, à partida acumuláveis tendo em conta que aparentemente não se intersetam (2), foi com alguma surpresa que verificámos não ser possível calcular indicadores mais sintéticos (ex. volume de trabalho não pago, volume global de trabalho pago e não pago), sob pena de a semana ter um número absurdo de horas a mais. Ingenuidade nossa? Por certo! Só aparentemente estas esferas da vida não se intersetam e não se confundem, tornando-se difícil separar o trigo do joio… Afinal, quem nunca experienciou estar em modo multitarefa? Estaremos a mentir se dissermos que estamos 100% alocados a cada uma delas? E quem nunca se sentiu “a mil por hora”?
Mais recentemente ainda, no início deste ano, já a COVID-19 habitava outras paragens do globo, a Magda Nico, a Cláudia Casimiro e eu, enquanto coordenadoras da Secção Temática Famílias e Curso de Vida da Associação Portuguesa de Sociologia, organizámos o Seminário «Os Tempos da Família: Estrutura, Uso e Desigualdades».
Falou-se profusamente de tempos e temporalidades da vida familiar: de tempos divididos, assimétricos e (es)partilhados; de tempos apressados do dia-a-dia e de tempos lentos de cuidar; de motivações, sentidos e retornos atribuídos a tempos quotidianos e a tempos excecionais; de estruturas económicas ocultas nos tempos das famílias…
Longe, nós, de imaginarmos o quão os nossos objetos de investigação seriam rápida, vasta e contundentemente submersos pela “onda que se abate[u] sobre nós”. Onde está, neste momento, o interessantíssimo objeto de investigação que a Maria Johanna Schouten e a Soledad Las Heras nos trouxeram, sobre a centralidade do carro na vida das famílias com crianças, na sua mobilidade diária entre casa, escola e trabalho? Quanto tempo ficará submerso nestas águas? Não sabemos, pois não podemos prever a temporalidade da “onda” nem os efeitos que a sua passagem deixará na vida das famílias.
Umas das oradoras do Seminário foi a socióloga madrilena María Ángeles Durán. É certo que o seu livro O Valor do Tempo há muito me acompanhava nas minhas reflexões sociológicas sobre a vida familiar, os papéis de género e a conciliação família-trabalho, mas nestes tempos de confinamento familiar senti urgência em voltar a ele. “Quantas horas te faltam ao dia?”, é o sugestivo subtítulo do livro.
Não é segredo que na sociedade portuguesa (como em muitas outras, aliás) faltam, estruturalmente, horas aos dias de homens, mulheres e crianças. Faltam as não produtivas (e, portanto, pouco valorizadas) horas de ócio, de descanso, ou mesmo de sono, tão grande é a centralidade do trabalho (aqui em sentido lato, incluindo o não remunerado e o escolar) na organização da vida pessoal e da existência coletiva (3). E também não é segredo que para outros, em regra mais velhos, economicamente “inativos” e sem laços familiares e sociais fortes, o tempo sobeja, o dia tem horas a mais, que custam a passar… É que o tempo, embora se traduza em unidades de medida socialmente convencionadas (as horas, os dias, as semanas…), é também, ou sobretudo, uma experiência eminentemente subjetiva. E em tempos de pandemia e confinamento, o tempo mede-se e experimenta-se de outra maneira.
“Quantas horas te faltam ao dia?”, perguntava, então, de forma provocadora, a autora no subtítulo do seu livro. Ao meu dia, faltam muitas! Nunca me faltaram tantas como agora, neste tempo e espaço individual e familiar híper-fragmentado, que nos coloca perante o desafio, sem precedentes, da hipertrofia da conciliação família/teletrabalho/telescola. Rodeada de relógios domésticos (todos digitais), nenhum me devolve o sentimento de que sou dona do meu tempo. No entanto, novos marcadores do tempo, deste tempo excecional que hoje vivemos, entraram cá em casa para nos resgatar da dimensão doméstica e nos transportar para a dimensão coletiva desta experiência à escala global.
Duas vezes por dia, todos os dias desde que foi decretado o estado de emergência, entra-nos pelas janelas o toque para reunir… à janela! É o encontro de vizinhos (que nunca o tinham sido), muitos, cada vez mais à medida que os dias passam. É um encontro que nos afasta dos nossos afazeres individuais, onde estamos embrenhados, ou nos surpreende à hora da refeição, ficando a comida a arrefecer nos pratos. É um encontro que nos retira do espaço confinado da casa. Assim será em muitas casas. Mas noutras, também muitas pelo que nos é dado a observar da nossa janela, é o encontro aguardado com expetativa e, talvez, impaciência. São os primeiros a comparecer, estas mulheres e estes homens sós. Novos, alguns. Velhos, muitos. Um marcador particularmente estruturante dos seus dias cheios de horas a mais? Creio que sim.
O que ficará destes tempos de confinamento no tempo pós-COVID-19? Não sabemos, mas cá estaremos para observar, investigar, refletir e dar a conhecer.
PS: Quero deixar aqui alguns agradecimentos. A tod@s @s colegas que me antecederam neste LIFE GOES ON, por me terem ajudado a sacudir a minha letargia. À Ana Nunes de Almeida, em especial, pela “Onda”. À Susana Atalaia, por me ter desafiado a partilhar a experiência dos ‘Vizinhos à Janela’.
Notas:
(1) Sobre os Inquéritos do ISSP, tópicos e rondas clique aqui.
(2) As perguntas do inquérito para reportar as horas semanais de trabalho em cada esfera eram as seguintes: How many hours, on average, do you usually work for pay in a normal week, including overtime?; On average, how many hours a week do you spend looking after family members (e.g. children, elderly, ill or disabled family members)?; On average, how many hours a week do you personally spend on household work, not including child care and leisure time activities?”
(3) Sobre o impacto da crise pandémica e do confinamento no agravamento das desigualdades de género e demais desigualdades sociais sistémicas, recomendo vivamente que oiçam a entrevista da Sofia Aboim, no âmbito da iniciativa do Observatório das Desigualdades “Um olhar sociológico sobre a crise covid-19″, e a intervenção da Ana Nunes de Almeida, no âmbito da Conferência Digital, organizada pela CITE, “Conciliar Trabalho, Família e Vida Pessoal em tempos de Covid-19”, disponíveis aqui.
29 de abril 2020
Vanessa Cunha é socióloga e investigadora auxiliar no ICS-ULisboa. No seu percurso de investigação destacam-se duas linhas de pesquisa: uma sobre baixa fecundidade, adiamento dos nascimentos, decisões reprodutivas e parentalidade; outra sobre conciliação família-trabalho, políticas públicas, igualdade de género e masculinidades. Atualmente coordena o projeto “PARENT – Procriação e Parentalidade em contexto de baixa fecundidade, mudança familiar e crise económica” (2018-2021), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (PTDC/SOC-SOC/29367/2017).
Cunha, Vanessa (2020). “Onde gastei, eu, hoje, o meu tempo?” Life Research Group Blog, ICS-Lisboa, https://liferesearchgroup.wordpress.com/2020/04/29 29 de abril (Acedido a 29/04/20)
Em plena crise pandémica, o meu relógio parou… o de pulso, o que anda sempre comigo para todo o lado. Parou às 7 horas e 10 minutos. Se da manhã ou da tarde, não sei (é um relógio analógico)… Mas ambos os horários são igualmente sugestivos, pois reenviam-me para a minha existência pré-COVID-19, para um tempo em que 7:10 era (mais coisa, menos coisa) a hora de acordar, com a ajuda do despertador, e em que 19:10 era (mais coisa, menos coisa) a hora de chegada do comboio, de regresso a casa, ao final de um dia de trabalho. Marcadores dos meus ritmos diários, há anos, muitos, apenas dispensados em fins-de-semana e em férias, tempos menos espartilhados por horários rígidos.
Quando o relógio parou fiquei apreensiva: “Logo agora, que está tudo fechado! Onde vou eu desencantar uma pilha?” É preciso dizer que gosto de usar relógio (é uma segunda pele, tal como os óculos) e sempre resisti a substituí-lo pelo versátil telemóvel, que entre tantas coisas que nos permite fazer, ver as horas é apenas uma delas. Não é, contudo, a mesma coisa, não está sempre à mão, ao subtil e natural(izado) rodar do pulso, e é tão dispersivo que não me transmite a segurança de que sou dona do meu tempo (cada qual com a sua mania…).
Mas os dias foram passando e a (ir)realidade da crise pandémica, e do que ela nos exige individual e coletivamente, materializou-se num confinamento em família, a 4, em que tardam a chegar novas rotinas e em que se esboroam fronteiras (tão arduamente conquistadas na longa história das relações laborais) entre tempos de trabalho e de descanso, diluindo os 7 dias da semana e a sucessão das semanas. Mas também em que se esboroam as fronteiras dos espaços e dos seus objetos, adquirindo novas funções que se somam às ou que expulsam mesmo as anteriores. “Que dia é hoje?” Pergunta que, cá por casa, fazemos amiúde, em voz alta ou em voz baixa. Será, porventura, uma marca distintiva das experiências de confinamento prolongado, este tempo que teima em escapar-nos? Imagino que sim…
Não por acaso, multiplicam-se por estes dias, na comunicação social, conselhos e sugestões sobre o modo como devemos organizar o nosso tempo e sobre as atividades que não devemos descurar nas 24 horas do dia: “quando estiverem a trabalhar, façam curtas pausas de meia em meia hora”; “façam, todos juntos, um bolo de chocolate” (ou, inversamente, “procurem fazer uma alimentação mais saudável”); “organizem, finalmente, as fotografias das férias”; “vejam os clássicos do cinema”; “deem um pequeno passeio matinal”; “dediquem uma parte do dia para brincarem com os vossos filhos”; “reservem tempo para a prática de exercício físico”; “aprendam aquela língua estrangeira que sempre quiseram”…
Mais coisa, menos coisa, palavras bem-intencionadas, estas dos coaches do tempo, mas também culpabilizantes, pois colocam-nos perante a nossa dificuldade em agarrar esta fera indomável, este tempo que não se deixa domesticar. Quem é que ainda não se perguntou, ao final do dia: “Onde gastei, eu, hoje, o meu tempo?” Eu já me perguntei várias vezes, tantas que não têm conta. Procurar transformar, afincada e voluntariosamente, este tempo de confinamento forçado em tempo regrado e de oportunidade, afigura-se uma missão tão hercúlea quanto inglória para muitas pessoas, perdoem-me os coaches do tempo…
Recentemente, a Susana Atalaia e eu publicámos um artigo sobre os padrões de divisão sexual do trabalho na Europa entre os casais em idade ativa e a viverem com filhos menores. Tendo por base resultados do ISSP 2012 ‘Família e Papéis de Género em Mudança IV’ (1) analisámos as horas semanais que mulheres e homens de 18 países da UE28 despendem, em média, em três frentes: atividade profissional, tarefas domésticas e cuidados a crianças e a outros familiares doentes ou dependentes. Com efeito, a produção e a reprodução da vida familiar estão grandemente ancoradas no trabalho desempenhado nestas três frentes, com a particularidade de a primeira ter retorno económico (trabalho pago) e as demais não (trabalho não pago).
Tratando-se de indicadores clássicos e aparentemente objetivos do volume de trabalho semanal de mulheres e homens em cada uma dessas vertentes, à partida acumuláveis tendo em conta que aparentemente não se intersetam (2), foi com alguma surpresa que verificámos não ser possível calcular indicadores mais sintéticos (ex. volume de trabalho não pago, volume global de trabalho pago e não pago), sob pena de a semana ter um número absurdo de horas a mais. Ingenuidade nossa? Por certo! Só aparentemente estas esferas da vida não se intersetam e não se confundem, tornando-se difícil separar o trigo do joio… Afinal, quem nunca experienciou estar em modo multitarefa? Estaremos a mentir se dissermos que estamos 100% alocados a cada uma delas? E quem nunca se sentiu “a mil por hora”?
Mais recentemente ainda, no início deste ano, já a COVID-19 habitava outras paragens do globo, a Magda Nico, a Cláudia Casimiro e eu, enquanto coordenadoras da Secção Temática Famílias e Curso de Vida da Associação Portuguesa de Sociologia, organizámos o Seminário «Os Tempos da Família: Estrutura, Uso e Desigualdades».
Falou-se profusamente de tempos e temporalidades da vida familiar: de tempos divididos, assimétricos e (es)partilhados; de tempos apressados do dia-a-dia e de tempos lentos de cuidar; de motivações, sentidos e retornos atribuídos a tempos quotidianos e a tempos excecionais; de estruturas económicas ocultas nos tempos das famílias…
Longe, nós, de imaginarmos o quão os nossos objetos de investigação seriam rápida, vasta e contundentemente submersos pela “onda que se abate[u] sobre nós”. Onde está, neste momento, o interessantíssimo objeto de investigação que a Maria Johanna Schouten e a Soledad Las Heras nos trouxeram, sobre a centralidade do carro na vida das famílias com crianças, na sua mobilidade diária entre casa, escola e trabalho? Quanto tempo ficará submerso nestas águas? Não sabemos, pois não podemos prever a temporalidade da “onda” nem os efeitos que a sua passagem deixará na vida das famílias.
Umas das oradoras do Seminário foi a socióloga madrilena María Ángeles Durán. É certo que o seu livro O Valor do Tempo há muito me acompanhava nas minhas reflexões sociológicas sobre a vida familiar, os papéis de género e a conciliação família-trabalho, mas nestes tempos de confinamento familiar senti urgência em voltar a ele. “Quantas horas te faltam ao dia?”, é o sugestivo subtítulo do livro.
Não é segredo que na sociedade portuguesa (como em muitas outras, aliás) faltam, estruturalmente, horas aos dias de homens, mulheres e crianças. Faltam as não produtivas (e, portanto, pouco valorizadas) horas de ócio, de descanso, ou mesmo de sono, tão grande é a centralidade do trabalho (aqui em sentido lato, incluindo o não remunerado e o escolar) na organização da vida pessoal e da existência coletiva (3). E também não é segredo que para outros, em regra mais velhos, economicamente “inativos” e sem laços familiares e sociais fortes, o tempo sobeja, o dia tem horas a mais, que custam a passar… É que o tempo, embora se traduza em unidades de medida socialmente convencionadas (as horas, os dias, as semanas…), é também, ou sobretudo, uma experiência eminentemente subjetiva. E em tempos de pandemia e confinamento, o tempo mede-se e experimenta-se de outra maneira.
“Quantas horas te faltam ao dia?”, perguntava, então, de forma provocadora, a autora no subtítulo do seu livro. Ao meu dia, faltam muitas! Nunca me faltaram tantas como agora, neste tempo e espaço individual e familiar híper-fragmentado, que nos coloca perante o desafio, sem precedentes, da hipertrofia da conciliação família/teletrabalho/telescola. Rodeada de relógios domésticos (todos digitais), nenhum me devolve o sentimento de que sou dona do meu tempo. No entanto, novos marcadores do tempo, deste tempo excecional que hoje vivemos, entraram cá em casa para nos resgatar da dimensão doméstica e nos transportar para a dimensão coletiva desta experiência à escala global.
Duas vezes por dia, todos os dias desde que foi decretado o estado de emergência, entra-nos pelas janelas o toque para reunir… à janela! É o encontro de vizinhos (que nunca o tinham sido), muitos, cada vez mais à medida que os dias passam. É um encontro que nos afasta dos nossos afazeres individuais, onde estamos embrenhados, ou nos surpreende à hora da refeição, ficando a comida a arrefecer nos pratos. É um encontro que nos retira do espaço confinado da casa. Assim será em muitas casas. Mas noutras, também muitas pelo que nos é dado a observar da nossa janela, é o encontro aguardado com expetativa e, talvez, impaciência. São os primeiros a comparecer, estas mulheres e estes homens sós. Novos, alguns. Velhos, muitos. Um marcador particularmente estruturante dos seus dias cheios de horas a mais? Creio que sim.
O que ficará destes tempos de confinamento no tempo pós-COVID-19? Não sabemos, mas cá estaremos para observar, investigar, refletir e dar a conhecer.
PS: Quero deixar aqui alguns agradecimentos. A tod@s @s colegas que me antecederam neste LIFE GOES ON, por me terem ajudado a sacudir a minha letargia. À Ana Nunes de Almeida, em especial, pela “Onda”. À Susana Atalaia, por me ter desafiado a partilhar a experiência dos ‘Vizinhos à Janela’.
Notas:
(1) Sobre os Inquéritos do ISSP, tópicos e rondas clique aqui.
(2) As perguntas do inquérito para reportar as horas semanais de trabalho em cada esfera eram as seguintes: How many hours, on average, do you usually work for pay in a normal week, including overtime?; On average, how many hours a week do you spend looking after family members (e.g. children, elderly, ill or disabled family members)?; On average, how many hours a week do you personally spend on household work, not including child care and leisure time activities?”
(3) Sobre o impacto da crise pandémica e do confinamento no agravamento das desigualdades de género e demais desigualdades sociais sistémicas, recomendo vivamente que oiçam a entrevista da Sofia Aboim, no âmbito da iniciativa do Observatório das Desigualdades “Um olhar sociológico sobre a crise covid-19″, e a intervenção da Ana Nunes de Almeida, no âmbito da Conferência Digital, organizada pela CITE, “Conciliar Trabalho, Família e Vida Pessoal em tempos de Covid-19”, disponíveis aqui.
29 de abril 2020
Vanessa Cunha é socióloga e investigadora auxiliar no ICS-ULisboa. No seu percurso de investigação destacam-se duas linhas de pesquisa: uma sobre baixa fecundidade, adiamento dos nascimentos, decisões reprodutivas e parentalidade; outra sobre conciliação família-trabalho, políticas públicas, igualdade de género e masculinidades. Atualmente coordena o projeto “PARENT – Procriação e Parentalidade em contexto de baixa fecundidade, mudança familiar e crise económica” (2018-2021), financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (PTDC/SOC-SOC/29367/2017).
Cunha, Vanessa (2020). “Onde gastei, eu, hoje, o meu tempo?” Life Research Group Blog, ICS-Lisboa, https://liferesearchgroup.wordpress.com/2020/04/29 29 de abril (Acedido a 29/04/20)
segunda-feira, 25 de maio de 2020
domingo, 24 de maio de 2020
Meditações - nós aqui não podemos contar as horas, porque não temos relógio!
A cena passa-se na roça, a uma légua da estação menos importante da Estrada de Ferro Leopoldina, lugarejo sem denominação geográfica, mas que pertence ao município do Rio Bonito, e aqui o digo, para que os leitores não suponham que estou inventando uma historieta.
Havia no lugarejo em questão uma palhoça habitada por dois roceiros, marido e mulher, que todos os domingos iam à povoação mais próxima vender os produtos da sua pequena roça e ouvir missa. Assim atamancavam eles a vida, pedindo a Deus que não lhes desse muita fazenda mas lhes conservasse a saúde.
Ora, um belo dia a saúde desapareceu: o marido, apesar de ter a resistência de um touro, foi para a cama atacado por umas cólicas terríveis, que o faziam ver estrelas.
A mulher, coitada!, estava sem saber o que fizesse, pois que já havia em vão experimentado todas as mesinhas caseiras, quando ali passou por acaso, ao trote do seu jumento, o Dr. Marcolino, que exercia a medicina ambulante numa zona de muitas léguas. A roceira agradeceu a Providência que lhe enviava o doutor e pediu a este que examinasse o doente e o pusesse bom o mais baratinho que lhe fosse possível.
O Dr. Marcolino apeou-se, entrou na palhoça, examinou o enfermo, auscultou-o, martelou-lhe o corpo inteiro com o nó do dedo grande e explicou a moléstia com palavras difíceis que aquela pobre gente não entendeu. Depois, abriu o saco de viagem que levava à garupa do animal, tirou alguns vidros, de cujo conteúdo derramou algumas gotas num copo d'água, e disse doutoralmente:
— Aqui fica esta poção para ser tomada de três em três horas.
— Ah! seu doutor, nós aqui não podemos contar as horas, porque não temos relógio!
— Regulem-se pelo sol. O sol é um excelente relógio quando não chove e o tempo está seguro.
— Não sei disso, seu doutor, não entendo do relógio do sol...
— Nesse caso não sei como... Ah!...
Este ah!, com que o doutor interrompeu o que ia dizendo, foi produzido pela presença de um galo que passava no terreiro, majestosamente.
— Ali está um relógio, continuou o doutor: aquele galo. Todas as vezes que ele cantar, dê-lhe uma colher do remédio. E adeus! Não será nada: Depois de amanhã voltarei para ver o doente.
Foi-se o médico, e daí a dois dias voltou ao trote do seu jumento.
Quem o recebeu foi o marido:
— Que é isto?... já de pé...
— Sim, senhor: estou completamente bom, não tenho mais nada. E não sei como agradecer...
Mas a mulher interveio com ar magoado:
— Sim, ele não tem mais nada, mas o pobre galo morreu.
— Morreu? Por quê?.
— Não sei, doutor... ele bebeu todo o remédio.
— Quem?... o galo?...
— Sim, senhor; todas as vezes que ele cantava, eu, segundo a recomendação do doutor, abria-lhe o bico, e derramava-lhe uma colher da droga pela goela abaixo! Que pena! Era um galo tão bonito!
Artur de Azevedo in O Galo
Havia no lugarejo em questão uma palhoça habitada por dois roceiros, marido e mulher, que todos os domingos iam à povoação mais próxima vender os produtos da sua pequena roça e ouvir missa. Assim atamancavam eles a vida, pedindo a Deus que não lhes desse muita fazenda mas lhes conservasse a saúde.
Ora, um belo dia a saúde desapareceu: o marido, apesar de ter a resistência de um touro, foi para a cama atacado por umas cólicas terríveis, que o faziam ver estrelas.
A mulher, coitada!, estava sem saber o que fizesse, pois que já havia em vão experimentado todas as mesinhas caseiras, quando ali passou por acaso, ao trote do seu jumento, o Dr. Marcolino, que exercia a medicina ambulante numa zona de muitas léguas. A roceira agradeceu a Providência que lhe enviava o doutor e pediu a este que examinasse o doente e o pusesse bom o mais baratinho que lhe fosse possível.
O Dr. Marcolino apeou-se, entrou na palhoça, examinou o enfermo, auscultou-o, martelou-lhe o corpo inteiro com o nó do dedo grande e explicou a moléstia com palavras difíceis que aquela pobre gente não entendeu. Depois, abriu o saco de viagem que levava à garupa do animal, tirou alguns vidros, de cujo conteúdo derramou algumas gotas num copo d'água, e disse doutoralmente:
— Aqui fica esta poção para ser tomada de três em três horas.
— Ah! seu doutor, nós aqui não podemos contar as horas, porque não temos relógio!
— Regulem-se pelo sol. O sol é um excelente relógio quando não chove e o tempo está seguro.
— Não sei disso, seu doutor, não entendo do relógio do sol...
— Nesse caso não sei como... Ah!...
Este ah!, com que o doutor interrompeu o que ia dizendo, foi produzido pela presença de um galo que passava no terreiro, majestosamente.
— Ali está um relógio, continuou o doutor: aquele galo. Todas as vezes que ele cantar, dê-lhe uma colher do remédio. E adeus! Não será nada: Depois de amanhã voltarei para ver o doente.
Foi-se o médico, e daí a dois dias voltou ao trote do seu jumento.
Quem o recebeu foi o marido:
— Que é isto?... já de pé...
— Sim, senhor: estou completamente bom, não tenho mais nada. E não sei como agradecer...
Mas a mulher interveio com ar magoado:
— Sim, ele não tem mais nada, mas o pobre galo morreu.
— Morreu? Por quê?.
— Não sei, doutor... ele bebeu todo o remédio.
— Quem?... o galo?...
— Sim, senhor; todas as vezes que ele cantava, eu, segundo a recomendação do doutor, abria-lhe o bico, e derramava-lhe uma colher da droga pela goela abaixo! Que pena! Era um galo tão bonito!
Artur de Azevedo in O Galo
sábado, 23 de maio de 2020
Os relógios Swatch no Relógios & Canetas online
Museu do Relógio reabre terça-feira, 26 de Maio
O Museu do Relógio, em Serpa e Évora, reabre terça-feira, a partir das 14h00, obedecendo às limitações de segurança impostas pela situação de Covid-19, disse a Estação Cronográfica o responsável pelo espaço, Eugénio Tavares de Almeida.
Durante o período de pandemia em que esteve encerrado, o Museu do Relógio (Serpa e Évora) aproveitou para fazer alguns rearranjos, a melhorar a iluminação, etc. Em Serpa, por exemplo, a peça mais importante em exposição, um relógio de mesa Edward East, ficará agora no centro de uma das salas, por debaixo das Armas dos Bocarro (1620), agora restauradas conforme o original. Esta sala passa a estar destinada apenas a relógios de bolso, mais de 300 exemplares - desde 1670 até 1900.
As alterações expositivas inserem-se na celebração dos 25 anos do museu, fundado em 1995 por António Tavares de Almeida e dos 400 anos do Convento do Mosteirinho, onde ele está instalado.
Cristãos-Novos de origem francesa, os Bocarra foram o mecenas do edifício religioso e uma das famílias mais poderosas do sul de Portugal nos séculos XVI e XVII. Perseguidos pela Inquisição, alguns fugiram para a Índia ou para a Holanda. O seu nome e brazão foram "apagados da história", diz-nos Eugénio Tavares de Almeida.
A família Tavares de Almeida adquiriu o Mosteirinho em 1836, aquando da extinção das ordens religiosas, dois anos antes.
Arquivo Ephemera - Núcleo do Tempo - A primeira referência em português ao segundo como unidade de tempo?
Do Arquivo Ephemera - Núcleo do Tempo: o Almanaque Bertrand para 1910 inclui um artigo sobre o astrónomo e matemático jesuíta Eusébio da Veiga, o último professor da célebre Aula da Esfera.
Num dos seus opúsculos, relatando as observações feitas durante o eclipse solar de 26 de Outubro de 1753, encontramos referência à unidade de tempo segundo (quando os minutos e segundos de arco, como se designavam os graus dos ângulos, há milénios que eram referidos). Isso só é possível devido ao avanço da exactidão em relojoaria, ao pêndulo, a orgãos reguladores de tipo novo, como o inventado poucos anos antes por George Graham, o chamado "escape de segundos mortos".
Em História do Tempo em Portugal (2003), fazemos referência a Eusébio da Veiga e a esse opúsculo.
A primeira utilização registada da noção de segundo
Em 1755 publicava-se em Lisboa um folheto científico onde se dava conta de um eclipse parcial da Lua, observado nesta cidade a 27 de Março desse ano. Eram seus autores os jesuítas Eusébio da Veiga e José Teixeira. Dos dois, Eusébio da Veiga é o mais conhecido. Professor de Matemática no colégio de Santo Antão de Lisboa, quando a ordem foi extinta, passou a presbítero secular. Sendo incluído na proscrição geral dos seus confrades, decretada por D. José em 1759, saiu de Portugal para Roma, e aí viveu o resto dos seus dias. Foi Correspondente da Academia Real das Ciências de Lisboa.
Barbosa Machado não faz referência a obras suas, Inocêncio refere o Planetário Lusitano, calculado para o ano de 1757 e o Planetário Lusitano explicado em problemas e exemplos práticos, para melhor inteligência do uso das Efemérides, que para os anos futuros se publicam no Planetário calculado, e com as regras necessárias para se poder usar dele, não só em Lisboa, mas em qualquer meridiano. Para uso da náutica e astronomia em Portugal e suas conquistas, publicado em Lisboa no ano seguinte. Diz Inocêncio que “a este sábio jesuíta devemos pois as primeiras Efemérides regulares e metódicas, que em Portugal se publicaram, coordenadas por modo que não tinham que invejar às que então se haviam por mais perfeitas na Europa, isto é, às de Paris, dadas pela respectiva Academia das Ciências, e às de Bolonha”. E acrescenta que “a sua inesperada e não merecida expulsão do reino o impediu de prosseguir neste trabalho, que prometia continuar nos anos futuros”.
Como Barbosa e Inocêncio não referem o opúsculo científico sobre o eclipse solar, pensamos que ele nunca terá sido analisado posteriormente. Há um exemplar numa miscelânea da Biblioteca Nacional.
O que o opúsculo tem de interessante, resume-se a dois factos: prova que Portugal, e especialmente os jesuítas, estavam tão avançados como o resto da Europa no capítulo da astronomia, que eram capazes de fazer relógios dos mais modernos para o tempo, que os auxiliavam nas suas observações. Nota curiosa, trata-se da primeira vez que detectámos, em documentos escritos portugueses, a noção do segundo como unidade de tempo. (84)
Escrito em latim, o opúsculo, que terá tido uma edição limitada e uma circulação nacional muito restrita (embora deva ter circulado pela cadeia de relações dos jesuítas, que se centralizavam no Colégio da ordem, em Roma), foi editado “com autorização superior”, nas oficinas de Miguel Manescal da Costa, que também deu à estampa as Efemérides de Eusébio da Veiga.
Logo a abrir, uma indicação surpreendente: “Para a medição do tempo, foi construído um relógio com oscilador do tipo Graham”. Ora, o relojoeiro inglês com esse nome acabara de inventar há poucos anos essa melhoria extraordinária, que iria tornar mais exactos os relógios a partir de então. Os jesuítas portugueses estavam a par desses desenvolvimentos tecnológicos e, mais, sabiam como aplicá-los.
“No que diz respeito ao método de achar o tempo médio, foram feitas observações em Janeiro, baseadas nas posições da estrela Rigel e da estrela média no céu, Orion”, prossegue a explicação.
No dia do eclipse, “a noite estava tranquila, o céu sem nuvens e a lua brilhante”, descrevem os astrónomos portugueses. A observação foi feita “com um telescópio de 18 palmo de comprimento e 10 de largura”, sendo observadas a partir dele as imersões e emersões sequentes.
Segue-se depois a descrição do fenómeno, acompanhada de tabela cronológica. E é aí que encontramos, decerto numa das primeiras vezes que tal ocorre em Portugal, a menção às horas, aos minutos e aos segundos. Os relógios da Idade Média só tinham ponteiro das horas, assinalando quando muito e de forma sonora as meias horas ou os quartos. A exactidão das máquinas (ou a falta dela) não dava muito sentido à existência de um ponteiro indicando os minutos, quanto mais os segundos. Mas para que é que se observava, nesses tempos, um eclipse. Era a maneira mais exacta que se tinha de se achar a longitude de um local. Toda a Europa andava nessa batalha da determinação da longitude e a sua determinação no mar ainda era mais difícil.
Com a projecção da sombra da terra na superfície da lua, com a anotação rigorosa dessa sequência de desaparecimento de locais e posterior reaparecimento, com os tempos correspondentes, medidos ao segundo, obtinha-se um conjunto de dados. Comparados com outro conjunto semelhante, produzido pelo mesmo eclipse, num outro local, conseguia-se determinar com exactidão a longitude, através do cálculo da diferença de tempos.
Imagine-se a Terra como um gigantesco mostrador, com 360 graus, dividido em 24 zonas, correspondentes às 24 horas de um dia. Ao girar, ela faz de “ponteiro”. Desde que se conseguisse ter máquinas com isocronismo suficiente, bastava fazer os cálculos das diferenças de tempos entre sítios diferentes para se saber a longitude respectiva.
Eusébio da Veiga e José Teixeira registam o início do eclipse numa determinada zona da Lua, pelas 10 horas, 34 minutos e 27 segundos da noite. Segue-se a descrição do percurso da sombra da Terra na superfície lunar, até uma “Maxima obscuratio Lunae”, pelas 11 horas, 54 minutos e zero segundos. A Lua ficou nessa máxima sombra durante sete minutos e 42 segundos. Depois das imersões, segue-se o relato cronológico das emersões, ou seja, da saída da Lua da sombra. Há um “Finis umbrae verae”, que se poderá traduzir por “fim da sombra verdadeira” às 01:58 (madrugada do dia seguinte) e um “finis penumbrae densioris” às 01:14:04.
Mas, para a determinação da longitude, observar o eclipse apenas em Lisboa não serviria de nada. Assim, o folheto informa que o fenómeno foi igualmente observado pelo jesuíta Dionísio Franco, em Évora, no Real Colégio Jesuíta dessa cidade. Ali, a observação foi feita com um “tubo óptico” de 20 palmos de comprimento. Franco transmitiu depois para Lisboa as observações das fases e da evolução das sombras, oportunamente apontadas, podendo assim fazer-se comparações com as anotações feitas em Lisboa e assim escrever-se “a distância de tempo entre os meridianos das duas urbes”.
O folheto compara em seguida a altura exacta em que começou o eclipse em Évora e Lisboa, conseguindo-se com isso uma “distância meridiana de tempo”. Faz-se nova comparação, agora com a “sombra máxima” de determinada zona lunar. São feitas mais três comparações de tempo para imersões ou emersões semelhantes.
O relato termina dizendo que, se as observações foram acuradas, “somando aritmeticamente as diferenças máximas e mínimas, a distância do meridiano de tempo entre Lisboa e Évora é de 6 minutos e 31 segundos”. Esse tempo, como já foi explicado, tem uma tradução em graus, sendo assim que se achava o valor da longitude de um local. Até que os satélites e o posicionamento triangular trouxeram o GPS...