quarta-feira, 24 de maio de 2023

Meditações - Depois — porque a noite nunca falta

Sem clepsidra ou relógio o tempo escorre

E nós com ele, nada o árbitro escravo

 

       Pode contra o destino

 

Nem contra os deuses o mortal desejo

Hoje, quais servos com ausentes deuses,

Na alheia casa, um dia sem o juiz,

 

        Bebamos e comamos.

 

Será para amanhã o que aconteça.

Tombai mancebos, o vinho em nobre taça

E o braço nu com que o entornais fique

 

        No lembrando olhar

 

Como uma água que parece vinho!

Sim, heróis somos todos amanhã.

Hoje adiemos. E na erguida taça

 

       O roxo vinho espelhe

 

Depois — porque a noite nunca falta.

 

s.d.

Poemas de Ricardo Reis. Fernando Pessoa. (Edição Crítica de Luiz Fagundes Duarte.) Lisboa: Imprensa Nacional - Casa da Moeda, 1994.  - 200.

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