quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Tempo e persistência da memória

Coisas do Ephemera ou a persistência das memórias olfactivas

O córtex olfactivo primário forma uma ligação anatómica directa com o complexo amígdala – hipocampo do sistema límbico. Duas sinapses apenas separam o nervo olfactivo da amígdala, que constitui uma zona crítica para a expressão e experiência de emoções e para a memória emocional dos humanos.

As amígdalas são grupos de neurónios que, juntos, formam duas massas esferóides de substância cinzenta com cerca de três centímetros de diâmetro, localizadas no pólo temporal de cada hemisfério cerebral de grande parte dos vertebrados, incluindo o ser humano.

Esta região do cérebro faz parte do sistema límbico e é um importante centro regulador do comportamento sexual, do comportamento agressivo, respostas emocionais e da reactividade a estímulos biologicamente relevantes. Este conjunto nuclear é também importante para os conteúdos emocionais das nossas memórias.

Apenas três sinapses separam o nervo olfactivo do hipocampo, envolvido na selecção, transmissão de informação e preservação da memória. Nenhum outro sistema sensorial tem este tipo de contacto tão directo e intenso com o substrato neurológico da emoção e da memória.

Isso poderá explicar porque, habitualmente, memórias provocadas por odores são excepcionalmente potentes.

O olfacto é, contudo, o mais lento dos sentidos. A visão demora cerca de 45 microssegundos a ser detectada pelo cérebro, enquanto o olfacto demora cerca de 400 microssegundos e o reconhecimento demora 600 a 800 microssegundos.

Mas, uma vez recebida, a sensação de cheiro também persiste mais tempo do que sensações produzidas por outros sentidos.

Os receptores olfactivos são os únicos directamente expostos ao meio ambiente e são também os únicos, que se saiba, regenerarem, com a sua substituição completa aproximadamente a cada 28 dias. [1]

Tudo isto para dizer que o cheiro a grãos de café acabados de moer é dos mais genericamente reconhecidos, dos que mais memórias agradáveis, de conforto e intimidade, costumam despertar. O café desperta, o seu cheiro também…

O odor a café, aos seus grãos feitos pó, é também muito persistente no tempo. Um moinho de café é mais do que o objecto em si. Projecta a memória de quem o usou durante décadas para situações, locais, emoções. E o odor que dele emana costuma despertar o desejo de… beber um café.

Fabricado em Espanha pela fundição M. J. F., mais propriamente na Catalunha (Cornellá de Llobregat, Barcelona), nos anos 1930 / 1940, este moinho de café, em ferro fundido e gaveta de madeira, pesa quase 3 kg. Está em perfeitas condições e foi oferecido ao arquivo Ephemera por um dos seus voluntários, Francisco Avillez. Guardado há anos, destronado por maquinaria eléctrica, irá agora fazer parte do espólio guardado no Núcleo de Gastronomia do maior arquivo privado do país.

Quando se abre a sua gaveta, o odor a grão moído continuará – por quanto tempo mais? – a provocar o desejo incontornável de… beber um café, Na máquina expresso mais à mão.

[1] https://link.springer.com/content/pdf/10.3758/BF03210754.pdf



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