sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Daniel Sampaio apresentou Diário dos Dias da Peste, de José Pacheco Pereira e outros Ephemeros

Depois do Porto, foi a vez da apresentação, ontem, em Lisboa, do livro Diário dos Dias da Peste, de José Pacheco Pereira e outros Ephemeros, edição Tinta da China.

A apresentação decorreu no Anfiteatro de Química do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, na Rua da Escola Politécnica, no âmbito da exposição que a Associação Cultural Ephemera mantém até 21 de Novembro naquele espaço, dedicada à pandemia - aC / dC - Tempos de Pandemia.


Como explica José Pacheco Pereira:

Durante vários meses de 2020 e 2021, correspondendo aos períodos mais duros do confinamento da pandemia de COVID19, o ARQUIVO EPHEMERA enviou aos membros da Associação Cultural Ephemera uma mensagem diária sobre os fundos do arquivo. Para além de pretendermos distrair — objectivo não irrelevante nesses dias cinzentos, solitários e de medo —, queríamos também mostrar a diversidade dos fundos e o trabalho colectivo do seu tratamento, usando exemplos do que por cá está, tratados por quem cá está.

[…] Devemos recordar por uma razão (a mesma por que a memória nos deveria servir todos os dias): no passado, em várias ocasiões, a humanidade já passou pela experiência da praga, e em muitos aspectos aprendeu sempre pouco com a história.

Os ‘ephemeros’ sabem isso bem, porque vivem no meio das ruínas do tempo. Nestes dias, partilhamos essa habitação com os nossos amigos.

O psiquiatra Daniel Sampaio, ele próprio vítima do vírus SARS-CoV-2 (regista isso no livro Relato de um Sobrevivente), sentado no Anfiteatro de Química, recordando o ano de 1965, quando ali teve aulas, enquanto estudante de Medicina e no local funcionava a Faculdade de Ciências.

O psiquiatra apresentou o Diário dos Dias da Peste. Na mesa, da esquerda para a direita, Bàrbara Bulhosa (Tinta da China); Daniel Sampaio; Judite Alves, Subdirectora do Museu de Ciência; José Pacheco Pereira, fundador do Arquivo Ephemera.





Depois da apresentação do livro (a próxima será em Coimbra, já no domingo, e a cargo de Luís Reis Torgal, seguindo-se Viseu, na sexta-feira, 29), houve uma visita à exposição aC / dC* - Tempos de Pandemia *antes e depois do Covid, feita com material recolhido pelo Ephemera em Portugal e no estrangeiro.



O Diário dos Dias da Peste contém, na sua maioria, textos de José Pacheco Pereira, mas há uns tantos que são da autoria de outros voluntários do Ephemera. Pelo nosso lado, a antologia inclui dois. Ambos do Núcleo de Gastronomia do Arquivo, um dos que coordenamos (o outro é o dedicado ao Tempo).

Receita de arroz à valenciana, 1891

Esta receita é para o Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor António de Castro 1891.

Receita do Arroz à Valenciana

Faz-se um estrugido de cebola picada, muito loira, mas não queimada, pode levar qualquer ave assada, por exemplo galinha, frango, pato, etc., presunto cozido, hortaliças, ervilhas, couve-flor, favas, pimentões, tomates,

Deita-se tudo no estrugido, em seguida deita-se o arroz, e dão-se-lhe algumas voltas até que tome bem a cor, depois leva a água, mas sempre o dobro, se levar 2 xicaras de arroz deve levar 4 de água, se for pouca porção leva 5 ou 10 reis de açafrão, torra-se primeiro e depois mói-se, e desfaz-se em água, deita-se no arroz; deve levar 20 minutos a cozer, estando quase seco, tira-se do lume e mete-se no forno a tomar cor.

Fim

Assinatura ilegível

Texto para o Ephemera Diário

Começa agitado o ano de 1891 em Portugal. A 31 de Janeiro, e em ambiente ainda influenciado pela questão do Mapa Cor de Rosa e do Ultimato Inglês do ano anterior, ocorre no Porto o primeiro movimento revolucionário que teve por objectivo a implantação do regime republicano em Portugal. Meses depois, o país declara falência parcial, Reinava D. Carlos.

Esta receita chegou ao Arquivo Ephemera num espólio oriundo de Viana do Castelo, mas nada mais se sabe sobre ela para além do que lá está escrito. Datada de 1891, é dirigida ao “Ilustríssimo Excelentíssimo Senhor António de Castro” e tem autor com assinatura ilegível.

O arroz à Valenciana, a paella, é hoje um dos ícones da gastronomia espanhola. Contrariamente ao que se poderia pensar, a receita original não leva marisco. Nesta versão “portuguesa” de 1891 respeita-se a regra e não aparece nela peixe ou marisco. A palavra “paella” deriva do valenciano e significa “sertã”. O étimo é latino (patella). Trata-se de uma frigideira larga, de duas pegas.

Para os investigadores culinários, a paella “é uma união entre os romanos, que trouxeram o recipiente, e os mouros, que trouxeram o plantio do arroz e do açafrão para a Península”.

Durante a Guerra Civil de Espanha, o lado revoltoso tinha ordem para disparar contra os soldados (independentemente do lado a que pertencessem) que estivessem a fazer uma paella a céu aberto nas zonas desmilitarizadas. A razão: Valência permaneceu leal à Segunda República.

Menus de ida e volta

Do espólio do Núcleo de Gastronomia do Arquivo Ephemera

Ementas dos navios Vera Cruz e Niassa, enquanto navios requisitados pelo Exército para o transporte de tropas, no âmbito da Guerra Colonial Portuguesa (1961 – 1974)

O Vera Cruz, de construção belga, pertenceu à Companhia Colonial de Navegação (1922 – 1974) e esteve no activo desde 1952 a 1973. Foi adquirido ao abrigo do célebre Despacho 100 (reorganização da marinha mercante portuguesa, sob a égide de Américo Tomás, então Ministro da Marinha e futuro Presidente da República).

Último navio a entrar ao serviço ao abrigo desse Despacho, em 1955, igualmente de construção belga, o Niassa pertencia à Companhia Nacional de Navegação (1881 - 1985). Esteve no activo até 1978.

Os paquetes mais requisitados na ligação a África foram o Vera Cruz, o Niassa, o Lima, o Império e o Uíje. O Niassa foi o primeiro paquete afretado como transporte de tropas e de material de guerra, por portaria de 4 de Março de 1961, mas seria o Vera Cruz a fazer mais viagens, chegando a realizar 13 num ano.

As ementas dizem respeito a uma viagem de Lisboa a Lourenço Marques (Maputo), no Vera Cruz, em 1968; e a outra, no Niassa, em 1970, presumivelmente de Lourenço Marques para Lisboa. Como chegaram ao Ephemera no mesmo espólio, contam a ida e volta de um militar português que cumpriu uma “comissão de serviço” no então Ultramar.

As ementas do Vera Cruz referem a sucessão de almoços e jantares que vão de 25 de Julho a 9 de Agosto de 1968. No Jantar de Despedida, de 7 de Agosto, está escrito à mão que a chegada a Lourenço Marques se deu no dia seguinte. No verso de um dos cartões, apontamentos de uma partida de King…

Quanto ao Niassa, há mais pormenores: O Capitão de Bandeira (militar que co-comandava o navio fretado pelo Exército), Capitão-Tenente Manuel Jorge Marques Freire Bandeira Duarte (falecido em 2017, no posto de Comandante de Mar e Guerra), e o Comandante do N/M “Niassa”, José Henrique Gomes Vilão (filho de um embarcadiço de Ílhavo, da campanha do bacalhau) e seus Oficiais, ofereceram no Sábado, 12 de Setembro de 1970, um jantar de despedida “às Forças Militares que regressam à Metrópole”.

Dois meses depois, quando se preparava para mais uma viagem de transporte de tropas, o Niassa foi um dos alvos dos explosivos da ARA – Acção Revolucionária Armada, grupo clandestino ligado ao Partido Comunista Português. Nesse 20 de Novembro, a ARA atacou ainda a Escola da DGS (polícia política) e o Centro Cultural Americano.

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