sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Há 383 anos - quando o relógio batesse as 9...


Reunião dos Conjurados, painel de azulejos, Palácio da Independencia, ao Rossio, Lisboa (antigo Palácio dos Almadas)

Há precisamente 383 anos, um sábado, pelas nove horas da manhã em Lisboa, dava-se início à operação militar que resultaria na restauração da independência do reino de Portugal, que desde 1580 fazia parte de uma monarquia dual com a Coroa espanhola.

Diz D. Luís de Menezes na História de Portugal Restaurado que o grupo de Conjurados decidiu na última reunião antes da revolta, lendariamente realizada no Palácio dos Almadas, ao Rossio, avançar a acção para sábado, 1 de Dezembro de 1640. E que, “com o menor rumor que fosse possível, se achassem todos junto ao Paço, repartidos em vários postos, e que tanto que o relógio desse nove horas saíssem das carroças ao mesmo tempo”. 

Mais à frente, nesse mesmo dia, os conjurados, “impacientes, esperavam as nove horas, e como nunca o relógio lhes pareceu mais vagaroso, tanto que deu a primeira, sem aguardarem a última, arrebatados do generoso impulso saíram todos das carroças e avançaram ao Paço”. 

O resto, já se sabe. Portugal recuperou a independência, que tinha estado hipotecada nos 80 anos anteriores. O relógio que deveria bater as nove horas era, possivelmente, o do Paço da Ribeira, com torre própria desde os tempos de D. Manuel I. 

Como em qualquer operação militar, o tempo sincronizado era importante e, para isso, era necessário um relógio comum aos conspiradores – no caso, o relógio do Paço da Ribeira. Mesmo sob governação filipina, e com a capital da monarquia dual em Madrid, Lisboa e o seu Paço não deixaram de ter importância política, pois era aí que se encontrava a viver o representante do rei castelhano. 

O Duque de Bragança,. futuro D. João IV, na sua residência, em Vila Viçosa, foi aliciado por enviados de Lisboa, a liderar o movimento, assumindo-se como rei.


Entrevista do Duque de Bragança com Pedro de Mendonça, 1640, painel de azulejos, Estação de Caminhos de Ferro de Vila Viçosa


Partida do Duque de Bragança para Lisboa a ocupar o trono, 1640, painel de azulejos, Estação de Caminhos de Ferro de Vila Viçosa


O Paço da Ribeira e a sua Tore do Relógio, painel imediatamente anterior ao terramoto de 1755, Museu do Azulejo, Lisboa


O golpe de 1640, liderado por nobres descontentes com a situação, procurando a recuperação da independência de Portugal, é uma operação militar. Decorre na zona do Paço e, como operação militar, necessita de um emissor de tempo comum, que sincronize as acções a desenvolver.

Outro relato coevo, a Relação de tudo o que se passou na felice aclamação do mui alto e mui poderoso rei dom João o IV, Nosso Senhor, cuja monarquia prospere Deus por largos anos, 1.ª edição de Lisboa, Oficina de Lourenço de Anveres, s. d. [1641]: 

“Desde o domingo até a sexta-feira daquela venturosa semana se fizeram com grande fervor e diligência infinitas preparações, ajuntaram-se as armas que para o efeito eram mais acomodadas, deu-se ponto aos amigos e parentes, e muitos convidavam para um empenho grande que sábado às nove horas da menhã haviam de ter no terreiro do Paço, sem declararem o que era. Não se passou noite nenhuma em que não houvesse junta em casa de João Pinto Ribeiro. Iam os fidalgos a ela com grande recato, porque importava já muito a dissimulação, e donde quer que a cada um deles lhe anoitecia, se apeava e, embuçados, entravam no Paço do duque, em cujas salas tudo era sombras e horror, e somente na casa mais oculta − que era aonde se fazia o conselho − estava ũa candeia tão desviada e com tão pouca luz que escassamente alumiava. […] 

“Deu-se enfim o ponto para as nove horas da menhã, e deu-se ordem a todos para que, poucos a poucos, por vários caminhos, se ajuntassem no terreiro do Paço, o que se fez com recato e boa disposição, que uns em coches, outros a cavalo, outros a pé se dividiram em troços por todo aquele espaço que há desd’ o Arco dos Pregos até o Arco do Ouro.[…] 

"Neste comenos deu o relógio do Paço nove horas, e como quando o fogo de ũa mina atea na pólvora e saem num mesmo instante por várias aberturas da terra − em cópia larga,com medonho ímpeto − mil raios e mil despedaçados e abrasadores mármores, assi feros, assi terríveis e assi furiosos saíram num mesmo tempo alguns fidalgos dos coches, e logo foram em seu siguimento com a mesma deliberação os mais que, a cavalo, ou a pé, vinham para aquele efeito. Subiram todos intrépidos por ũa e outra escada do Paço, já com as armas prontas, e dispostos para ver a cara ao mais estupendo transe em que desde que hove guerras no mundo se viu o coração humano”. 

Para saber mais sobre os marcadores de tempo colectivos na capital e a sua relação com os poderes religioso, político, económico e científico, desde a Reconquista até aos nossos dias, pode ler Tempo e Poder em Lisboa – O Relógio do Arco da Rua Augusta (2008) 


ou História do Tempo em Portugal - Elementos para uma História do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades em Portugal (2003)



Na edição de 2 de Dezembro de 1922 da Ilustração Portuguesa fala-se da residência de Filipa de Vilhena, do palácio dos Almadas e da cerimónia de deposição em 1886 de uma coroa de bronze no monumento aos Restauradores


Na edição seguinte, a 9 de Dezembro de 1922, a mesma revista fala das comemorações do 1º de Dezembro desse ano

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