sábado, 7 de outubro de 2023

Meditações - Ainda não chegámos à hora trágica: a meia noite...

- Até amanhã, meu caro Bernardo.

Rodolfo de Alderete Tavira e Nápoles, conde de Jogueiros, depois das palavras de adeus, ficou com a mão estendida, dedos muito unidos, semelhando uma raspadeira de marfim, diante do amigo.

Bernardo Sernancelhe levantou-se do fauteuil onde estivera passando revista o exército de notícias do Times, e, depois de atirar um rápido olhar ao relógio, interrogou:

- Vais já para casa?

- Vou.

- Tão cedo? Ainda não chegámos à hora trágica: a meia noite...

- O club está hoje pior do que uma divorciada feia e honesta...

Bernardo Sernancelhe mostrou sobre o bigode, cortado já por alguns fios brancos, um sorriso irónico:

- Espera-te uma mulher...

- Não. Não me espera ninguem. Isto aqui, está monotono demais. Safo-me, antes de ficar mais sério e severo do que os moveis que nos rodeiam

- Bem. Acompanho-te.

O conde de Jogueiros achava melhor iludir o amigo com a verdade da monotonia que os cercava. Como os comerciantes, tambem êle considerava o segrêdo a alma dos negócios de amôr... [...]

O Club Portuense, o palacio da alta roda, a casa de família do mundo elegante nortenho, arrastava nas suas salas desertas a saüdade algida das noite de concerto e baile.

Á saída, o titular confessou:

- Já não se pode passar um inverno no Porto.

- Exageras, Rodolfo. Estamos ainda em Outubro.

- Oh! mas não há com quem se possa conversar.

- Sempre se estará aqui melhor que no teu solar do Douro.

- Hum! Duvido...

Guedes de Amorim, A Mulher do Próximo, 1933

Sem comentários:

Enviar um comentário