terça-feira, 1 de agosto de 2023

Meditações - Quando o velho relógio marcou a hora solene do meio-dia

As vinte e cinco máquinas de escrever da grande sala dos escritórios da Companhia Inglêsa faziam lembrar vinte e cinco pianos na hora apoteótica de um grande concerto musical. Todas as dactilógrafas interpretavam a ópera do trabalho de correspondência, fazendo bailar incessantemente os dedos nervosos sôbre os teclados das letras. E o matraquear dessas cinquenta mãos, embora afogado numa estranha confusão de ruídos, marcava um ritmo que transpirava actividade e desejo de viver. [...]

Quando o velho relógio marcou a hora solene do meio-dia, o peito de todas as raparigas sentiu-se descomprimido de uma pesada inquietação. Chegava, finalmente, o instante da sua libertação, que não duraria mais do que duas horas, mas que a-pesar-de tudo, lhes chegaria de sobra para correrem a casa, debicar o almôço, e, logo a seguir, aparecerem num jardim ou numa praça onde as esperava o noivo, para adormecerem num rápido sonho de felicidade!... [...]

Maria Fernanda, a dactilógrafa negra, a única figura negra naquela grande população de empregados brancos, desceu no último elevador e, ao chegar à porta da rua, ficou surpreendida de não ver o Humberto, o noivo, à sua espera."

Guedes de Amorim - A BAILARINA NEGRA (novela). Lisboa, Empreza Nacional de Publicidade, 1931.

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