domingo, 26 de fevereiro de 2023

Meditações - Quase tão calma como um relógio de sol...

Devo imenso

aos que não amo.

 

O alívio com que aceito

eles estarem mais próximos de outras pessoas.

 

A alegria de não ser eu

o lobo dos seus cordeiros.

 

A minha paz com eles,

com eles a minha liberdade,

e isto não o pode dar o amor

nem o consegue tirar.

 

Não espero por eles

entre porta e janela.

Quase tão calma

como um relógio de sol,

entendo

o que o amor não entende,

desculpo

o que o amor jamais desculparia.

 

Entre carta e encontro

não passa a eternidade,

mas simplesmente uns dias ou semanas.

 

As viagens com eles são conseguidas,

os concertos escutados,

as catedrais visitadas,

as paisagens nítidas.

 

E quando nos separam

sete rios e montanhas,

são rios e montanhas

bem conhecidos dos mapas.

 

É mérito deles

que eu viva em três dimensões,

num espaço não lírico e não retórico

com um horizonte real porque movente.

 

Eles próprios ignoram

quanto trazem nas mãos vazias.

 

«Nada lhes devo» -

diria o amor

a este tema aberto.


Wislawa Szymborska,  Paisagem com grão de areia

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