segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Meditações - Quem conhece o amor sabe contar as horas no relógio

O amor cabe nas horas que passam pelo relógio

SEGUNDA-FEIRA, 29 DE AGOSTO DE 2022

 

https://avozdaserra.com.br/colunas/momentos-literarios/o-amor-cabe-nas-horas-que-

passam-pelo-relogio

Vou escrever um conto em que abordarei o amor e estou com os sonetos de Shakespeare nas mãos. “Em ti, toda verdade e beleza findam.” (soneto 14). Esta é uma das notáveis definições de amor que o bardo me oferece. Há dias penso a respeito e chego a conclusão de que o amor é a mais pura emoção que nos atravessa e perpassa as experiências que temos no dia a dia. A poesia, manifestação literária que exclama a voz da alma, consegue dizê-lo de diferentes maneiras.

“De tudo ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior engano

Dele se encante mais meu pensamento.”

Vinícius de Moraes

Do amor-próprio ao transcendental, é possível identificar maneiras saudáveis de amar. Mas será que podemos encontrar um único conceito, se cada um o sente e expressa-o de uma forma peculiar? Bell Hooks ao refletir sobre o amor no ensaio de sua autoria “Tudo sobre o amor: novas perspectivas”, enaltece a definição do psiquiatra M. Scott Peck. O amor é “a vontade de se empenhar ao máximo para promover o próprio crescimento espiritual ou o de outra pessoa. (...) O amor é um ato de vontade

— isto é, tanto uma intenção quanto uma ação.”

Não se guardam sentimentos em gavetas ou em redomas de vidro. O amor é o mais popular dos sentimentos e surge a qualquer hora e lugar. É um gostar que está além das regras e juízos. Talvez seja por essa irreverência que carregamos a amorosidade vida afora, que caminha de acordo com o tamanho dos nossos passos e fortalece as atitudes pelas raízes que crescem em cada um dos pensamentos e recordações; somos seres de memória.

O amor se concretiza nas decisões que antecedem as ações: sentimos, pensamos e agimos com imediatez. O gostar não é dito, nem medido por palavras, é vivido em plenitude. Se limitado à dimensão do discurso, inclusive da poesia, é piegas e mentiroso. Aliás quem realiza o ato de amar, não costuma dizê-lo. Saint- Exupéry verbalizou a concretude do seu amor pela rosa no “O Pequeno príncipe”: “Era uma pessoa igual a cem mil outras pessoas. Mas eu fiz dela um amigo, agora ela é única no mundo”.

Quem conhece o amor sabe contar as horas no relógio, ver o dia amanhecer e entender o calor da sombra. Quem ama não questiona a beleza, sabe carregar fardos e tem sabedoria no olhar. Quem ama conhece o tamanho das estrelas, faz do amor a sua arte mais poderosa, consegue viver duas vidas. Quem ama transita da sorte ao azar, do oceano ao firmamento, da vida à morte. Tudo é possível para domar as incertezas do amanhã. Isabel Allende experimentou o amor em sua plenitude maior quando escreveu “Paula”!

Acredito que não seja possível compreender o amor pelo desamor, apesar de tanto se contrastar tais afetos na cultura globalizada e imediatista, que acaba por confundir o amor com o desamor. E aí está o mais comum dos enganos.

Para finalizar, deixo para o leitor refletir um pensamento de Isabel Allende. “Talvez a gente esteja no mundo para procurar o amor, encontrar, perdê-lo, muitas e muitas vezes. Nascemos de novo a cada amor e, a cada amor que termina, abre-se uma ferida. Estou cheia de orgulhosas tentativas.”

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Tereza Cristina Malcher Campitelli, mestre em educação pela PUC-Rio, escritora de livros infantojuvenis, presidente da Academia Friburguense de Letras e ganhadora, em 2014, do Prêmio OFF Flip de Literatura.

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