sábado, 3 de dezembro de 2022

Meditações - No passado, uma saudade. No presente, uma amargura, E no futuro, uma esp'rança

No passado, uma saudade.

No presente, uma amargura,

E no futuro, uma esp'rança

De imaginária ventura;

Eis no que consiste a vida.


Imposta por Deus ao homem.

N'isto se consomem dias!

N'isto anos se consomem!


Saudade é flor sem perfumes

Quando ainda verdejante,

Mas à medida que murcha,

Ai, que aroma inebriante!


A amargura é duro espinho,

Que nas carnes penetrando,

Faz desesperar da vida,

Suas flores definhando.


A esperança é frouxa luz

Que nas trevas nos fulgura;

Vendo-a, ousados caminhamos;

Mas, ai, que bem pouco dura;

Quantos mais passos andados

Na agra senda desta vida,

Mais amargo é o presente,

E a saudade mais sentida.


Mas a esperança não; os anos

Fazem-lhe perder o brilho;

Caem-lhe uma a uma as folhas

Da existência pelo trilho.


A velhice nada espera,

Nada de esperança lhe dura . . .

Mas não, cansada da vida,

Tem a paz da sepultura.


Tem a morada fulgente

Da inteligência divina;

Tem as regiões sagradas,

Que eterno Sol ilumina.


Bendito sejas, meu Deus!

que nos dás na vida inteira

A filha dos céus, a esperança,

Por suave companheira.


Ela nos enxuga o pranto,

O pranto alegre e amargoso;

Não a acusemos de pérfida,

Esperar já é um gôso.


A mente, esperando concebe.

Concéção sempre iludida

Prazeres talvez entrevistos

Nas cenas duma outra vida.


Esperemos, pois companheiros

Desta fadigosa viagem!

Se a esperança é a imagem do gôso,

Adoremos essa imagem.


E cruzando este oceano

Com os olhos no porvir.

Esqueçamos no presente

Seu horroroso bramir.


E quando enfim, já cansados.

Reclinarmos nossa fronte.

Que a esperança nos revele

Mais dilatado horizonte.


Júlio Dinis

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