quinta-feira, 2 de junho de 2022

Comprem por paixão!

Comprem por paixão

Ao longo dos últimos 30 anos temos sido recorrentemente abordados por uma pergunta que nos deixa intimamente irritados, mas a que, obviamente, respondemos com calma e moderação. “É um bom investimento comprar este relógio?”

Encarar a aquisição de um relógio como um simples investimento, de que nos desfazemos quando achamos oportuno, muitas vezes sem o usar, vai contra a paixão e a cultura relojoeira que apreciamos, que temos desde a adolescência – o nosso primeiro investimento num relógio, mecânico, claro, foi feito em 1975, quando adquirimos em Lisboa um cronógrafo automático (cuja marca omitimos, pois jornalistas não fazem publicidade), por um preço equivalente a três ordenados do que ganhávamos na altura. E que veio substituir outro relógio mecânico, com que fizemos todo o ensino secundário, e que tinha sido a tradicional prenda dos pais no final do ensino básico (e que continua connosco, a funcionar).

Face à bolha relojoeira actual – com 3 ou 4 marcas a baterem recordes nos leilões de peças não apenas vintage, mas também contemporâneas, com alguns modelos a terem anos de espera para poderem ser comprados – o tema da especulação torna-se premente.

Essa especulação, por um lado, beneficia o sector, com a publicidade que se tem dado a recordes sucessivos, a estudos que referem ser muito mais rentável investir em relógios do que em outros bens.

Mas, do outro lado da moeda, está o aumento generalizado dos preços, tornando impossível a camadas mais jovens terem acesso a relógios mecânicos. E, se, como é natural, essas faixas etárias procurarem peças com “estatuto” para ostentarem nos pulsos, o lado aspiracional está hoje muito mais distante do que há uma década.

É que há uma diferença muito grande entre comprar um relógio mecânico procurando prazer íntimo e, ao mesmo tempo, dar sinais de “estatuto” a terceiros; e pura e simplesmente adquirir peças que os “especialistas” dão como refúgio seguro em investimento, sem sequer gostar de relógios… É como investir em vinho sem ser para o beber (e há muito que isso se faz, mas sem afectar tanto todo um sector, como está a acontecer com os relógios).

Procure com a hashtag #rolexmarathon e veja o que está a acontecer no Japão: é a chamada Maratona Rolex. Um “desporto” de tipo novo.

Às gerações mais jovens, e à minoria (sempre foi assim) que gosta de relógios mecânicos – resta investigar o mundo das pequenas marcas, independentes, algumas até centenárias, que a preços razoáveis, continuam a disponibilizar peças que, podendo não dar “estatuto” nem ser um investimento material, nunca deixarão de ser aquilo que sempre deveriam ser – um investimento por paixão, sem taxas de rentabilidade agarradas. E uma porta de entrada no mundo maravilhoso da medição do Tempo através da mecânica pura.


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