sábado, 30 de abril de 2022

Meditações - O relógio e o sino dominavam a vida na aldeia

Um dia, lá pelos idos de 2015, escrevi um pequenino texto – mas com muito sentimento – sobre a igreja da minha aldeia e a torre do sino. Nunca mais me posso esquecer de que tanta gente da terra disse que gostou e que era assim mesmo.

A torre da minha aldeia

O facto é que, quando somos pequenos, as coisas passam-se à nossa volta e quase nem damos conta. As situações da nossa vida diária de antanho nem davam para percebermos quanto de poético estava e está envolvido nisto tudo… É a vida!

Passam-se muitos anos e é então que tudo apreciamos, que tudo nos encanta, que tudo nos vem de novo à memória com muita alegria, muito amor pela aldeia e muita ternura em relação àqueles dias e àquelas gentes que de nós fizeram as pessoas que hoje somos. Enfim… coisas da vida real a meter-se pela poesia dentro… Pelo menos eu é assim que sinto isto tudo…

Vamos lá então ao pequeno mas muito sentido texto que um dia fez tanto furor entre amigos meus e companheiros de vida adulta:

Esta peça vulgaríssima de arquitectura religiosa, a torre da igreja da minha aldeia, nada tem de especial. Mas exercia naqueles tempos uma atracção e uma influência enorme. Por ser alta? Por ser afiada? Por razões de domínio intelectual e ideológico da Igreja-instituição? Não sei. Sei que até as cegonhas escolhiam a torre para fazerem o seu ninho, ano após ano… Era na igreja que estava o sino, que dava as novidades grandes: o baptizado, a missa, o casamento, a morte: tudo passava pelo sino – logo, pela torre da igreja…

O relógio da torre

O relógio da torre era um mecanismo de dominação terrível: a escola começava e acabava com o bater de determinadas horas; a carreira passava quando o sino do relógio batia aquelas horas; o almoço, a ida ao pão, o recreio – tudo, tudo, dependente de certa batida do relógio.

«Quantas bateu?» – era a frase que significava apenas: «Que horas são?»…

O relógio e o sino dominavam a vida na aldeia.

Não havia nem as fontes de informação nem os mecanismos de hoje: relógios em barda, telemóveis com horas, carros com horas, tudo com relógios…

E, acima de tudo isso: a torre da igreja, onde até o relógio estava instalado.

Até para a semana, à mesma hora, no mesmo local!


«A Minha Aldeia», crónica de José Carlos Mendes, Cronista/Opinador no Capeia Arraiana desde Janeiro de 2011

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