quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Calendário inter-religioso Celebração do Tempo 2022

Já está disponível, nomeadamente nas Paulinas - Editora, a edição 2022 do calendário inter-religioso Celebração do Tempo.

Este ano, e pela primeira vez com uma versão em inglês, o calendário elege como tema "2013 - 2022 Década Internacional para Aproximação das Culturas".

Como habitualmente, a publicação insere dados sobre os calendários gregoriano, chinês, budista tibetano, hindu, fé Bahá'i, hebraico e muçulmano.

Sónia Pereira, Alta-comissária para as Migrações, I.P., diz:

Preservar e Promover a Dignidade Humana

O princípio da dignidade da pessoa humana é eminentemente filosófico, com ramificações e implicações de natureza religiosa, política e jurídica e desenvolvimentos ao longo do tempo. Surge, inicialmente, na Roma antiga, com um sentido marcadamente hierárquico, associado ao estatuto social, e assente em fatores externos e evolui, na modernidade, no sentido da igualdade, passando a ter por base fatores intrínsecos, anti-hierárquicos e igualitários, por forma a garantir mais oportunidades para todos e para todas.

Numa abordagem jurídica, em especial na sequência das atrocidades cometidas na II Guerra Mundial, o princípio da Dignidade tornou-se presente em vários documentos constitucionais, associando-se aos Direitos Humanos Fundamentais, numa lógica de humanidade global, e vem referida em diversos tratados internacionais. No seu preâmbulo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos explicita o seu enquadramento no «...reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo».

Em 1976, tal como refere o art. 1.º da Constituição da República: «Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária.»

Deste modo, tomando um papel cada vez mais central num estado democrático, ao conceito de dignidade encontram-se subjacentes as funções, protetora (defesa) e substancial, por forma a preservar os direitos fundamentais humanos e a promover a dignidade.

Cumprindo a demanda governamental, o Alto Comissariado para as Migrações assume a nobre missão de promover a dignidade, a diversidade, a inclusão e a pluralidade, através do respeito, da igualdade e do diálogo aberto. Na nossa atividade e intervenção, trabalhamos em parceria e colaboração para promover a reflexão e a sensibilização para a igualdade na diversidade, o combate à discriminação e ao preconceito, promovendo a justiça social numa sociedade marcada, inevitavelmente, pela mobilidade e a pluralidade.

Sabemos que ainda temos um longo caminho a percorrer, mas comprometemo-nos diariamente a assinalar, no espaço e no tempo, a aproximação das diferentes culturas, idiomas, tradições, costumes e das celebrações das diferentes confissões religiosas mais representativas no nosso país.

No final da Década Internacional para a Aproximação das Culturas, o Calendário Inter-religioso Celebração do Tempo, motivo de orgulho nacional, é um exemplo da forma como numa grelha comum, podemos evidenciar a harmonia presente entre as diversas religiões e credos, e sobretudo a forma como cada religião celebra o tempo.

É num constante respeito pelos diferentes compassos, ritmos, tons que procuramos fazer sobressair o que mais temos em comum: valor humano, solidariedade e a esperança numa sociedade que se quer cada vez mais democrática e inclusiva.

Diz o impulsionador da ideia deste calendário inter-religioso, o padre  Peter Stilwell, do Departamento para Relações Ecuménicas e Diálogo Inter-religioso do Patriarcado de Lisboa:

Para um tempo em comum

A ideia de um calendário inter-religioso nasceu da vontade de valorizar o crescente pluralismo religioso na sociedade portuguesa. Acreditava-se que a diversidade das tradições, devidamente compreendida, havia de revelar-se uma riqueza cultural. Na altura, o enquadramento social era positivo: a relação entre dirigentes das principais comunidades religiosas era cordial, quando não mesmo amigável; o acesso a algum tempo de antena fora negociado com os órgãos públicos de comunicação social; uma lei da liberdade religiosa acautelara direitos e deveres das minorias e a maioria católica assinara, à luz dos mesmos princípios, uma nova concordata. Mas nada garantia que a maior visibilidade das religiões não introduzisse tensões e fraturas no tecido social. Modos distintos de vestir e de se alimentar, tempos diferentes de celebração, começavam a fazer-se sentir nos bairros residenciais, nos lugares de trabalho e nas escolas. Surgiu assim a proposta de publicar um calendário que assinalasse as datas mais relevantes para cada confissão religiosa. Explicando as origens e significados dessas datas, a Celebração do Tempo permite-nos entrever algumas das raízes históricas e espirituais das religiões e entender assim melhor o panorama atual do País e da Humanidade.

O tema escolhido para o Calendário de 2022 é a «Dignidade Humana». O Alto Comissariado para as Migrações (ACM) explica com grande clareza, na sua introdução, a importância dessa escolha. Com efeito, o conceito serve hoje como critério de aferição também das religiões. Todas se veem chamadas a avaliar continuamente como as suas práticas contribuem de facto para a promoção humana dos seus membros e da sociedade em geral.

Resta agradecer às Irmãs Paulinas e ao ACM a persistência na elaboração e viabilização deste simples, mas importante apoio à educação para o diálogo entre culturas e religiões.


Paulo Mendes Pinto, Coordenador da área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona (ULHT), afirma: 

A dignidade humana como promessa e como utopia 

A dignidade humana é hoje ainda um horizonte a alcançar plenamente. A afirmação da dignidade humana como valor de ouro, como alicerce angular de todos os direitos, como promessa e como utopia universal foi consagrada como «dignidade intocável», no preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. 

As utopias de justiça e de paz, que fundariam uma era feliz para todo o género humano, são ancoradas singularmente no quadro da história das ideias nesta declaração com aspiração a uma lei global aceite por todos os Estados do mundo. 

Esta proclamação universal da dignidade de todos os seres humanos é o ponto de chegada de uma milenar reflexão sobre a condição humana na sua relação com a natureza e com a perceção do meio divino ou transcendente. Para esta contribuíram tanto religiões do mundo, como os diferentes sistemas filosóficos, assim como todos aqueles que, ao longo dos séculos e em diferentes sociedades e culturas, lutaram e até deram a vida por mais justiça e mais igualdade entre os seus semelhantes, frente a situações de opressão 

A chamada civilização ocidental, onde os direitos foram concetualizados e declarados, recebeu a influência fundante da teologia judaico-cristã de matriz bíblica, no processo de elaboração concetual que está na base da proclamação dos direitos humanos, mas que também modelaria matricialmente, no quadro do grupo das religiões do tronco abraâmico, o Islão e o Alcorão como sua obra fundadora. Estas também classicamente apelidadas «religiões do Livro» professam unanimemente uma visão do homem como ser criado por Deus. 

O valor distintivo do ser humano advém da sua semelhança divina e de ser na terra um ícone de Deus, um seu representante e, de algum modo, mediador na relação com a natureza criada, conferindo direitos e deveres, nomeadamente a capacidade de nomear, ou seja, de dar nomes aos elementos constitutivos da realidade criada e promover o cuidado do Jardim-Terra. Em paralelo com as teologias criacionistas de matriz bíblica, a filosofia grega e o direito romano deram contributos relevantíssimos para dar sustento teórico à ideia de direitos humanos. 

O Renascimento europeu com a sua revolução antropocêntrica veio acentuar uma viragem cultural potenciando tendências filosófico-teológicas que lhe eram anteriores, relevando a excelência humana como o ponto mais sublime da criação divina e, nas perspetivas dos clássicos gregos, como medida de todas as coisas. 

Os iluministas no século xviii vão acentuar ainda mais o otimismo antropológico renascentista, marcando uma tendência de laicização do conceito de dignidade humana no quadro da proclamação dos direitos do homem e dos valores-pilares da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, através de uma realização eminentemente política, em ordem a superar a sua social desigualdade pela garantia de maior paridade no acesso às oportunidades e aos meios. 

Embora o conceito de dignidade, associada ao progresso de um pensamento humanista, tenha estado na base da pretensão de codificar e apresentar universalmente um quadro de direitos humanos para todas as culturas e civilizações, com as questões que essa pretensão implica, dada a sua perspetiva ocidentalocêntrica, podemos encontrar nas heranças culturais e religiosas dos povos do mundo alguns valores humanizantes comuns que ajudam a sustentar uma ideia de dignidade minimamente universalizante para a construção de um humanismo global fundamental. 

Sejam as culturas modeladas por religiões criacionistas, geracionistas, monoteístas, politeístas, naturalistas ou animistas, há valores-pilares fundados na bondade, na compaixão, no cuidado do outro, na aspiração à paz, na solidariedade natural entre os seres, que almejam uma harmonia cósmica, em que fazer bem ao outro, como se a nós próprios se tratasse, permite encontrar um alicerce de construção de uma dignidade humana que seja a base da procura universal de um mundo melhor. 


José Eduardo Franco CIPSH – Cátedra de Estudos Globais (CEG)/Universidade Aberta e CLEPUL (FLUL), refere:

Em direção aos Direitos: em religião, é intolerável tolerar Após o 11 de Setembro, o mundo das religiões deixou de ser estrita preocupação dos religiosos. Todos os dias a religião passou a ser tema presente nos noticiários. O medo e as fobias passaram a ser a norma na forma de ver o mundo e o outro. 

No diálogo entre e com as religiões, durante décadas, a palavra de ordem foi «tolerância», ao abrigo das ideias de ecumenismo. A verdade é que o paradigma do ecumenismo, em que a palavra «tolerar» significa exatamente o sentido da permissão excecional, resumiu-se a simples manifestações em que as confissões, através de alguns líderes, mostraram conseguir estar juntas no mesmo local. 

A palavra «tolerar», tão usada nas relações entre religiões, merece algum cuidado. Qualquer dicionário da língua portuguesa nos dá o seu campo de significado: «atitude de admitir a outrem uma maneira de pensar ou agir diferente da adotada por si mesmo; ato de não exigir ou interditar, mesmo podendo fazê-lo; permissão; paciência; condescendência; indulgência.» 

Nada menos... ecuménico, na medida em que o espaço dado para os outros é sempre referenciado em relação a si mesmo. Dia a dia, todos tomamos consciência de que o universo das religiões afeta e interfere com o normal mundo de todos nós, sejamos religiosos ou não: as religiões não são um problema nem um monopólio dos religiosos. 

A religião, fazendo parte de uma das faces mais expressivas da atividade humana, a todos diz respeito e com a vida de todos pode interferir. Ora, é no âmbito deste imperativo que se apresenta à nossa sociedade, que é necessário ultrapassar o diálogo inter-religioso bem- -intencionado e de extrema importância. 

O ecumenismo, como o vimos crescer em importantes movimentos, nos anos 80 e 90 do século passado, fechou-se no seio das religiões e, dentro delas, em grupos muito específicos. É necessário ultrapassar o universo das religiões e chegar ao da cidadania (onde se encontram religiosos e não religiosos). 

Ao fazer esta rotação, que é de «convívio» para «conhecimento» e de «crentes» para «cidadãos», superamos a tremenda falha que existe na noção de tolerar. Entre cidadãos, religiosos ou não, não há lugares de maior direito; todos são legalmente iguais e com os mesmos direitos e obrigações. 

Ficha Técnica do calendário inter-religioso Celebração do Tempo

 Supervisão editorial: Maria Eliete Duarte (Diretora de Paulinas Editora) • Direção científica: José Eduardo Franco (CIPSH – Cátedra de Estudos Globais (CEG)/Universidade Aberta e CLEPUL/FLUL) Coordenação geral, organização e edição dos textos explicativos: Rui A. Costa Oliveira (Centro Estudos Ciência das Religiões/Univ. Lusófona e CLEPUL/Faculdade Letras Univ. Lisboa) Coordenação e organização de conteúdos literários e imagens: Lidice Meyer Pinto Ribeiro (Professora Convidada ULHT e Investigadora do CLEPUL/UL) Colaboração diversa de conteúdos: Marco Oliveira (janeiro); Xiao Mai (fevereiro); Susana Mourato Alves-Jesus (março, junho, outubro, novembro); Ariel Horivitz (abril); António Coelho Teixeira (maio); F. Aldo Berardi, O.SS.T. (julho); Champaclal Mulchande Deuchande (agosto); Sheik David Munir (setembro); Timóteo Cavaco (dezembro) Apresentações: Sónia Pereira (Alta-comissária para as Migrações, I.P.) e Padre Peter Stilwell (Diretor do Departamento das Relações Ecuménicas e Diálogo Inter-religioso do Patriarcado de Lisboa) Textos introdutórios: José Eduardo Franco (CIPSH/Univ. Aberta e CLEPUL/FLUL) e Paulo Mendes Pinto (Coordenador da área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona – ULHT) Assessoria de pesquisa, redação e revisão técnica: Paulinas Editora • Capa e conceção gráfica: Departamento Gráfico Paulinas O trabalho de confirmação dos textos contou com a prestimosa colaboração de: Champaklal Mulchande Deuchande (Comunidade Hindu de Lisboa) – Y Ping Chow (Liga dos Chineses em Portugal) António Coelho Teixeira (União Budista Portuguesa) – Padre Francisco José Rebelo (Igreja Católica) – Padre Alexandre Bonito (Ortodoxos Veterocalendaristas) – Padre Alexandr Piskunov (Ortodoxos Neocalendaristas) Isaac Assor (Hazan da Sinagoga Shaare Tikvá, Lisboa) – António Calaim (Aliança Evangélica Portuguesa) – Presbítero Sérgio Pinho Alves (Igreja Lusitana Católica Apostólica Evangélica) Sheik David Munir (Comunidade Islâmica de Lisboa) – Ivone Félix Correia (Fé Bahá’í)

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