segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Arquivo Ephemera - Há 100 anos - Tempo de recordar o Adail-Mor, Barros Basto


O Almanaque do Jornal de Notícias para 1920 dedica 3 páginas ao aduarismo. O artigo é assinado pelo Capitão Barros Bastos (sic). O almanaque é um entre centenas de livros e outros documentos que fazem parte do Núcleo do Tempo do Ephemera - Biblioteca e Arquivo de José Pacheco Pereira.

Artur Carlos de Barros Basto (nome Hebreu: Abraham Israel Ben-Rosh), era natural de Amarante, onde nasceu em 1887. Faleceu no Porto, em 1961.

A figura de Barros Basto foi durante décadas motivo de controvérsia e houve quem lhe chamasse o "Dreyfus português".

Militar de carreira, escritor e filósofo, publicou várias obras relacionadas com o Judaísmo. Foi um importante líder judaico e impulsionador da criação da comunidade Judaica do Porto e da edificação da Sinagoga Kadoorie. Ajudou ao retorno dos criptojudeus ao Judaísmo e os refugiados judeus na Segunda Guerra Mundial.

Quando foi implantada a República, em 1910, Barros Basto foi quem hasteou a bandeira republicana na cidade do Porto.

Fez parte do Corpo Expedicionário Português e, como Tenente, combateu na Flandres, tendo sido condecorado pelos seus actos de bravura, e promovido a capitão.

Autodidacta, aprendeu hebraico e foi viver para Marrocos, onde se converteu oficialmente ao judaismo.

Com a mudança de regime, em 1926, Barros Basto começou a ser conotado com a oposição à Ditadura e sofreu perseguições no Exército. Em 1937, num processo que começa com duas cartas anónimas, acusando-o de homossexualidade (derivado à sua participação em cerimónias de circuncisão de jovens do Instituto Teológico Israelita do Porto), é expulso do Exército, por "conduta imoral". Quando morreu, quis ser enterrado com a farda militar, apesar de nunca ter conseguido a reabilitação. Esta só vem a ocorrer em 2012, em resolução da Assembleia da República, aprovada por unanimidade dos partidos com assento naquele orgão. No documento diz-se que Barros Basto foi afastado do Exército por ser judeu, numa persegição político-religiosa que, na realidade, faz lembrar o Processo Dreyfus.

Ficcionista, autor de vários romances, Barros Basto interessou-se também pela relação histórica, cultural e étnica entre Portugal e a sua vizinha ao norte, a Galiza, tendo dedicado, por volta de 1920, alguns artigos a favor da reintegração cultural e linguística galego-portuguesa.

Além disso, foi um dos pioneiros da fotografia no país, tendo sido fundador da primeira revista especializada do género em Portugal, a Íris - Guia Ilustrado dos Amadores de Fotografia, publicada no Porto entre Janeiro e Maio de 1914.

O seu espólio fotográfico aquando da presença na frente de combate, na Flandres, esteve inédito até 2014, altura em que a família o cedeu para exposição pública.


Mas a evocação da figura de Barros Basto surge-nos porque ele escreveu para o Almanaque de 1920 do Jornal de Notícias um artigo defendendo o "aduarismo".

A União dos Adueiros de Portugal (UAP) foi fundada em 1914 por Barros Basto, tendo sido reconhecida pelo Estado em 1919. A União publicou sucessivamente os periódicos O Adueiro (1918-1922), O Adueiro do Sul (1922) e O Adueiro de Portugal (1925- 1927). Reclamando-se como as suas congéneres - do pensamento de BadenPowell, a UAP procurava sublinhar a adaptação por si feita do “scouting” ao caso português, “atendendo-se aos caracteres étnicos da raça” e “às belas tradições dum passado brilhantíssimo”.

As designações "adail" (do árabe ad-dalil, condutor, líder no campo de batalha), “adueiro”, "aduarismo”, em vez de “escoteiro” e “escotismo”, surgem, de resto, como expressão dessa busca de alguma originalidade. Para além disso, são especificidades suas a adopção de um discurso vincadamente patriótico e a assunção clara do modelo de preparação militar. Significativamente, a maioria dos dirigentes da UAP eram militares. Com sede no Porto, a sua área de influência era predominantemente o Norte do país. Acabou por desaparecer no início dos anos 30 (ver A Introdução do Escutismo em Portugal, de Ana Cláudia S. D. Vicente e Uma Aproximação à actividade literária do Capitão Barros Basto, de Dov Cohen, in Cadernos de Estudos Sefarditas, Vol. 18, Maio 2018, pp 61-98).



Capa do nº 1 de O adueiro de Portugal: orgão de propaganda e instrução adueira / propr. e ed. Comissão de Propaganda do Aduarismo; dir. Mário Pereira Soares . - Porto: C.P.A., [1925]-1927 Soares, Mário Pereira, ca 18--, dir.; Comissão de Propaganda do Aduarismo. Com a foto de Barros Basto, "o iniciador do aduarismo em Portugal" e "Adail-Mor dos adueiros de Portugal"



No mesmo Almanaque do Jornal de Notícias para 1920, Barros Basto publica um conto, intitulado "O Embarque", evocando os tempos da I Guerra Mundial





Barros Basto, iniciador do aduarismo nacional, cujos princípios são descritos no primeiro número da revista O Adueiro (em baixo)

3 comentários:

  1. Muito bom, este tipo de publicações, é do mais interessante que tenho encontrado últimamente. Sou um apaixonado pela história e tudo o que conte as nossas raízes.

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  2. Bravo!
    Com uma introdução a contextualizar o homem e a obra de promoção juvenil.
    Um detalhe a corrigir em tempo. A informação de que Barros Basto foi quem hasteou a bandeira republicana no município nortenho é incorreta. É um erro de uma biógrafa contemporâneas, que tem sido repetido sem verificação.
    Barros Basto estava em Lisboa e participou, isso sim, na defesa da Rotunda, ao lado do comandante Machado Santos, documentado no livro
    “A revolução portugueza, 1907-1910 : relatório de Machado Santos”, da autoria do herói da Rotunda, com direito a fotografia.
    Barros Basto foi um dos cadetes da Escola Militar que participou na revolução republicana, o que, creio, mais o notabiliza. [...]
    Isto é um detalhe, pois Barros Basto certamente que participou mais tarde na proclamação da República no Porto, não na Avenida dos Aliados, onde está hoje o edifício dos Paços do Concelho, mas onde ele era no seu tempo. (email recebido do jornalista António Melo, especialista na figura de Barros Basto)

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  3. Eu dj afronauta tenho um almanaque do jornal de noticias de 1917

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