O delegado acabava de entrar, pendurando a bengala, o chapéu e o "cache-nez", no cabide da repartição, quando o "prontidão" avisou estar no xadrez, à espera de interrogatório, um indivíduo preso na praça Tiradentes duas horas após o furto de um relógio.
— Manda-o subir... — ordenou a autoridade.
Ao fim de dois minutos, entrou na sala, custodiado por dois policiais, o autor do furto. Era um rapaz claro, de cabelo de fogo, rosto semeado de sardas, vestindo calça de casimira preta, paletó escuro, camisa sem gravata. A autoridade fechou a cara, improvisando uma fisionomia severa, e inquiriu:
— Foi o senhor que furtou este relógio?
— Foi, sim, senhor, — continuou, calmo, o rapaz.
— Sabe quem é o dono?
— Certo, certo, não sei, não, senhor. Só me lembro que era um sujeito de preto, que ia com uns embrulhos na mão.
— E ele não deu por falta do objeto?
— Parece que não. Quando o guarda me prendeu, eu estava junto do lampião, dando corda.
O delegado deixou passar um instante, e tornou:
— E o senhor não está arrependido de ter furtado esse relógio?
— Eu? Arrependidíssimo! — confirmou, com força, o ladrão.
E com ar de desprezo, o beiço torcido:
— Isso lá é relógio, "seu" doutor?! Em duas horas tive de dar corda nele três vezes!... Se o senhor ficar com ele vai se arrepender!
E encostou-se à parede, familiar.
Humberto de Campos in O Ladrão Arrependido
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