terça-feira, 3 de março de 2020

Um dia em Coimbra, para falar do Tempo


Estivemos hoje na Universidade de Coimbra, para uma palestra intitulada Todo o Tempo do Mundo, no primeiro de três dias das XXX Jornadas Transdisciplinares da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação.





Antes, almoço supimpa na Cervejaria Almedina, em amena confraternização com os Góis, pai e filho, da vizinha Ourivesaria Góis.



Excertos da palestra e da apresentação PowerPoint:

Coimbra 03.03.20

Todo o Tempo do Mundo

Obrigado pelo convite que me foi feito pelas 30ªs Jornadas Transdisciplinares do Núcleo de Estudantes de Psicologia, Ciências da Educação e Serviços Sociais da Associação Académica de Coimbra, através do João Pedro Caseiro.

No cartaz, quase que sou apresentado como “instigador”, pois é muito hoje esse o meu objectivo. Instigar…

Quando me apresento ou me apresentam como investigador na área do Tempo, invariavelmente me perguntam logo se vai chover amanhã ou se o Verão será soalheiro. Uma das dificuldades que enfrento no campo que estudo é alguma, sintomática, pobreza vocabular na língua portuguesa no que respeita ao Tempo. Não temos “time” e “weather”, como em inglês, ou “zeit” e “wetter”, como em alemão. E chamamos indiferenciadamente “relógio” a tudo, pois não temos os conceitos de “clock” e “watch” ou de “horloge” e “montre”.

Mas tentemos então um mergulho de cerca de 45 minutos naquilo que a organização baptizou de “Todo o Tempo do Mundo”. Guardamos os últimos 45 minutos desta “partida” para troca de impressões. Penso que não será necessário ir a prolongamento…

O Tempo mexe com tudo e todos, nada do que é Tempo nos é estranho. Ele passa pelos calhaus rolados, arredondando-os até os transformar em grãos de areia; ele assina a sua presença nos limos e outros organismos vivos que as marés vão depositando, ciclicamente, em camadas, nos rochedos da costa. Umas vezes somos mais rochas, a que o exterior se vai colando; outras, mais pedras rolantes, passamos antes pelo que nos é exterior e lá vamos deixando um pouco de nós. Há quem tenha mais de rocha encalhada, há quem seja mais seixo rolado. Mas, a tudo o que está imóvel ou a tudo o que se mexe, o Tempo trata por igual – tanto faz que seja ele a passar por nós ou nós a passarmos por ele.


Na palestra abordámos ainda:

Tempo local, regional, nacional, universal, global
Tempo religioso e laico
Tempo privado e colectivo
Tempo e Ciência – Física, Biologia, Micro-tecnologia
Tempo, Artes e Letras
Sociologia do Tempo – dos ciclos da Natureza ao Global Imediato


Time used to be governed by traditional or religious principles such as the town clock, birth, communion or marriage. It was a collective, synchronized time, when we took our holidays at the same time as everyone else. Now society is heading off in all directions, with a plurality of times that are no longer governed by institutions. Every person manages their time as they see fit. You can work from home or in the train, watch a series at three in the morning, buy online, take a holiday in the sun in December. We live in a digitally-driven, desynchronised society. This same phenomenon has created a culture of immediacy. "Everything" is done in one click. We've become an impatient society. We're no longer prepared to wait.

Isto é o pensamento de Gilles Lipovetsky (Millau, 24 de setembro de 1944), filósofo francês, teórico da Hipermodernidade, autor dos livros A Era do Vazio, O luxo eterno, O império do efémero, A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade do hiperconsumo.

Com a desmaterialização dos objectos ou a generalização dos objectos conectados, a comunicação global em rede, a desestruturação dos tempos, deixa de haver fronteiras entre trabalho e ócio, público e privado, local e internacional, num sincretismo de momentos que apagam passado, presente e futuro e eliminam distâncias. O tempo digital irá triunfar sobre o tempo analógico?


O Tempo Português

Do coimbrão Eugénio de Castro (1869 – 1944), um poema:

Mumúrio d'agua na clepsydra gotejante.
Lentas gotas de som no relógio da torre,
Fio d'areia na ampulheta vigilante,
Leve sombra azulando a pedra do quadrante,
Assim se escoa a hora, assim se vive e morre…
Homem, que fazes tu? Para quê tanta lida,
Tão doidas ambições, tanto ódio e tanta ameaça?
Procuremos somente a Belleza, que a vida
E' um punhado infantil de areia ressequida.
Um som d’água ou de bronze e uma sombra que passa.

Eugéno de Castro, A Sombra do quadrante Coimbra, 1906


Ainda do mesmo Eugénio de Castro, recomendámos a leitura de Cartas de Torna Viagem, 1925, onde num capítulo ele fala de uma Coimbra regulada pela Voz do Tempo, que mais não é do que o som dos sinos.






1 comentário:

  1. Bom fim-de-semana a todos os jovens que participaram nas jornadas.
    Pela minha parte só estive na palestra do Fernando Correia de Oliveira e agradou-me ouvir o silêncio com que ela foi seguida pela audiência.
    Sentia-se que muitas e muitos dos presentes estavam a dar passos no tempo, esse espaço sem fim, se é que o tempo algum tempo tem em si. Cá para mim alguns vão aprofundar algumas pistas que o Fernando Correia de Oliveira deixou. Eu, pela minha parte, vou seguir os campos gravitacionais determinados pelo espaço-tempo einsteiniano; mas vou também ler o Eugénio de Castro e seguir as suas badaladas de um tempo rural que, esse, já se nos escapou. Outros tempos.
    Parabéns aos organizadores e ao palestrante
    Amizades
    António Melo

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