terça-feira, 8 de outubro de 2019

Meditações - a última cambiante do poente

[...] pouco a pouco a noite ia caindo. Tinha-se já apagado a última cambiante do poente e sobre as gargantas dos montes passavam subtilmente as primeiras névoas, alvadias e ténues. A medida que a treva se condensava, decresciam os ruídos em todo o horizonte, acentuando-se cada vez mais a melopeia sonolenta do rio nos açudes. Perpassavam pelo ar as aves para os ninhos. Bandos de pombos, como flocos voláteis de arminho, cortavam em voos mansos a profundidade calma do céu, demandando os pombais e os povoados, onde se acolhessem da noite que vinha caindo. Revoadas de perdizes e de tordos passavam por ali alegremente, num chilrear sonoro, caindo de chofre sobre o monte, a esconderem-se nos estevais e nas urzes. Pelas ervagens secas rastejavam apressados os répteis, e sob os tojais bravios a lebre buscava a cama... E tudo tinha ninho – pombas que voavam e perdizada sonora, quem passava no ar e quem rastejava no monte, lagartos, sardões, cobras, toda a colónia vagabunda de répteis e de aves, que passou alegremente o seu dia, e se ia recolher agora para recomeçar dia amanhã...

Trindade Coelho, Os Meus Amores

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