quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Meditações - a luz fresca e viva da manhã

A esse tempo, no céu alto e lavado a estrela de alva fenecera por fim, e o horizonte começava de carminar-se ao de leve. Por todo o céu em cúpula, a luz fresca e viva da manhã vibrava harmonias estranhas que iam despertar tudo: a cor da paisagem e a música dos ninhos, cantigas de perdizes e rumor de gente por moinhos e atalhos. Manhã de Verão, serena, tranquila, dulcíssima. Ia pelo ar um movimento extraordinário de asas – passarada alegre que saia agora dos ninhos e voava a matar a sede à borda das ribeiras, andorinhas que deixavam as suas casinholas em recôncavos de rocha e tomavam para hortejos convizinhos onde a vegetação era mais rica de seiva e mais fácil a presa de insectos, perdizes gralhadoras que iam de monte em monte, tordos, poupas, melros. Nos vinhedos das encostas, por entre os renques verdejantes,gente em mangas de camisa ia fazendo as vindimas. Pelos caminhos, em torcicolos, viam-se os que desciam aos moinhos, tangendo machos carregados de taleigos, e berrando-lhes cada xó! que se ouvia na outra ladeira. Já nas povoações próximas sinos chamavam para a missa de alva ou tocavam a ave-marias. Nas quintas e casais fumegavam os tectos, dizendo horas de almoço. De modo que o Sol quando rompeu, solene e triunfante no céu imaculado, encontrou muita vida pelos campos, toda a natureza acordada para a labuta interminável do dia.

Trindade Coelho, Os Meus Amores

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