quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Meditações - calendário da aldeia

O trabalho é alegre e dá alegria. Quando cai a tarde, vem a fresca; e sobre a ramagem das árvores, onde a passarada começa a cantar – no céu esverdeado, lá baixo, os poentes parecem de fogo... Depois, à noite, não falemos! Tudo aquilo anima-se de conversas e danças, de descantes e de namoricos, à luz de um luar de prata. Ouve-se a viola até se pegar no sono, estirados em cima das «parvas»; e de manhã, ao acordar, o céu parece lavado... – Que diferença daquela vida, esta vida!

Mondando ou semeando; nas aradas ou nas sachas; nas ceifas, nas vindimas, nas apanhas; nos lagares de azeite no tempo do frio, ou nos do vinho no tempo da calma – se haveria vida melhor do que essa! Não, não havia; com certeza que não havia! E prò não chega, as festas do ano nos seus dias certos; as feiras e os mercados; os bailes se alguém casava; os serões pelo Inverno fora – e aos domingos à tarde, no adro, o jogo da barra mailo do fito, enquanto em cima, no campanário, repicavam a algum baptizado...

E como se tudo isso fora ainda pouco, lá vinham as matanças no tempo devido; as descascas, as debulhas, as debagas e as carmeadas; as janeiras à porta do ano, e os Santos-Reis logo ao pé; os «compadres» e as «comadres»; o Entrudo com a festa do galo; a Quaresma com as suas devoções, e para os rapazes com o jogo do pião; pelo S. João as grandes fogueiras; os magustos em Todos-os-Santos; no Natal as consoadas; – e uma vez por outra, ao ar livre no campo das trilhas, esses «autos» que têm tanta fama! Fora o mais! fora o mais!

Trindade Coelho, Os Meus Amores

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