domingo, 1 de outubro de 2017

Meditações - De suíço tenho... um relógio de bolso antigo

Auto-Retrato

De português tenho a nostalgia lírica
de coisas passadistas, de uma infância
amortalhada entre loucos girassóis e folguedos;
a ardência árabe dos olhos, o pendor
para os extremos: da lágrima pronta
à incandescência súbita das palavras contundentes,
do risco claro à angústia mais amarga.

De português, a costela macabra, a alma
enquistada de fado, resistente a todas
as ablações de ordem cultural e o saber
que o tinto, melhor que o branco,
há-de atestar a taça na ortodoxia
de certas virtualhas de consistência e paladar telúrico.

De português, o olhinho malandro, concupiscente
e plurirracial, lesto na mirada ao seio
entrevisto, à nesga de perna, à fímbria de nádega;
a resposta certeira e lépida a dardejar nos lábios,
o prazer saboroso e enternecido da má-língua.

De suíço tenho, herdados de meu bisavô,
um relógio de bolso antigo e um vago, estranho nome.

Rui Knopfli

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