quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Relógios clássicos e vintage em feature na revista Turbilhão


Num ambiente de incertezas, a procura de valores seguros

O eterno regresso aos clássicos

Fernando Correia de Oliveira

No diálogo entre a forma e a função, nessa diminuta palete criativa que é um relógio de pulso, há 100 anos que se faz do antigo, novo. Em tempo de incerteza, o apelo para o clássico e para o perene, para o valor seguro e simples, reforça-se. Para que o medidor de tempo lhe resista melhor e possa marcar episódios marcantes da nossa vida, seja ponte e memória entre gerações.

Aos 15 anos, em 1975, o meu pai deu-me um relógio de pulso Omega e a minha mãe uma máquina de escrever Brother. O relógio foi comprado numa ourivesaria na Praça da Figueira. A Brother foi comprada, para ficar mais barato, a uma colega da minha mãe. Foram as prendas dos meus pais por eu ter feito o 5.º ano. O meu pai deu-me de facto uma prenda. A minha mãe não, porque achava que estudar e ter boas notas era o meu dever. Aliás a minha mãe dava-me prendas todos os dias. […]. Mais tarde, quando já tinha passado centenas de poemas na Brother, troquei-a por uma Olympia semi-portátil e paguei mais 20 contos. […]. Arrependo-me imenso de o ter feito.

O outro choque foi quando a minha mãe me disse para ir ao Maury, que ela considerava um bom relojoeiro, substituir a pulseira do Omega que, entretanto, se tinha rompido. O empregado do Maury olhou com desdém para mim e para o Omega da Praça da Figueira e disse “custou-lhe menos o relógio do que vai custar a pulseira” e “quando o comprou deu por ele z”. Sendo z uma quantia baixíssima. Mas ainda hoje tenho o Omega e continua a regular bem. […]
Adília Lopes, escritora portuguesa contemporânea, in Crónicas da vaca fria, na Pública, Domingo, 25 de Março de 2001

Dois amigos encontram-se, depois de muitos anos sem se verem. No pulso de um deles, um relógio chama a atenção. “Este? É emprestado pelo meu filho”, diz.

“Mas ele acaba de nascer!”, reage o outro.

“Bem… prometi à minha mulher que lho darei quando ele for um homem”.

“Estás assim a tomar conta do processo de envelhecimento do relógio do teu filho. durante e os próximos 20 anos”, finaliza o amigo.

Este diálogo está na mais recente campanha de comunicação de uma marca de relógios. Não, não é a que está a pensar… aquela que diz que “você nunca é verdadeiramente dono dele, antes seu guardião até ser passado à geração seguinte”.

O diálogo, ao fim e ao cabo, transmite a mesma mensagem – a perenidade e significado patrimonial de um relógio mecânico.

Mas é de uma marca do Japão, país conhecido pela adesão maciça aos gadgets electrónicos. Em tempo de incerteza global, o apelo dos valores seguros, perenes, faz-se também sentir na relojoaria.

Ou, por outras palavras – se os seus pais lhe derem um iPhone ou um smartwatch quando acabar o liceu, o que sobrará deles quando sair da universidade? É. Um gadget fica fora de moda, está ultrapassado, avaria sem concerto possível, ao fim de meses, anos no máximo. Um relógio mecânico de pulso, por mais antigo que seja, tem sempre vida longa, seguramente de mais de 100 anos, se mantido como deve ser, será cúmplice de bons e maus momentos de gerações, terá sempre histórias que contar e recordar.

Ora, património e perenidade levam a outra componente do verdadeiro luxo – aquilo que, de valor, material ou sentimental, ou ambos, tem possibilidade de ser reparado. E um relógio mecânico pode ser sempre reparado.

Património perene e reparável requer, para resistir à espuma dos dias, formas clássicas, acima de modas e extravagâncias. E o mundo da relojoaria percebe isso. Nos últimos anos, as marcas foram aos arquivos, ao ADN próprio, e começaram a fazer reedições, baseadas esteticamente em modelos vintage, com mostradores e vidros abaulados, cores pastel, braceletes de nylon ou malha tipo milanesa. Simples, com mostradores de dois ou três ponteiros, quando muito acrescentando uma data. E reduziram o tamanho das caixas, que começava a ser exagerado – acima dos 42cm – mas não tanto que chegassem aos 35 ou 36 mm dos relógios de homem dos anos 1930 e 1940. Nas senhoras, as caixas aumentaram para os 35 mm antes “masculinos” e não deverão descer muito abaixo disso, embora algumas reedições actuais, recordando os anos 1920, surjam com caixas de 25 mm, onde é praticamente impossível ver as horas, antes se está perante uma pulseira ou joia, adereço. O tempo volta para trás, mas não igual em tudo…

Há, como em tudo, excepções. Neste revivalismo, um modelo tem passado incólume, contra ventos e marés – estamos a falar do cronógrafo. Também ele revisitado, em estéticas dos anos 1950 a 1970, mas sempre na moda, sobretudo para o público masculino. Costumamos dizer que, nos relógios, acontece como nos carros – a carrinha funciona sempre melhor que o modelo base. Num relógio com pouco apelo estético, a versão cronógrafo como que ganha vida própria, fica mais equilibrada, é “outro” relógio.

Assinalar um nascimento, uma graduação, o primeiro emprego, a promoção, o noivado, o casamento. Uma prenda dada a si próprio ou recebida de alguém que lhe diz muito. Ou que já nem sequer está fisicamente viva, mas que lhe aparece em memória sempre que olha… para o relógio que trás no pulso. Sim, porque não estamos a vê-lo a olhar com nostalgia, a usar o telemóvel do avô…


Relojoaria e estilos - a forma antes da função

O relógio de pulso começou a massificar-se há exactamente 100 anos, quando milhares de soldados norte-americanos desembarcaram em teatro europeu, no âmbito da I Guerra Mundial. Mas seriam precisos mais 30 anos para que, no rescaldo da II Guerra Mundial, eles destronassem definitivamente o relógio de bolso como objecto pessoal imprescindível.

No final do século XIX e início do século XX o relógio de pulso foi sobretudo usado pelas mulheres e era visto como objecto efeminado pelos pater familiae, que preferiam ostentar a sua autoridade tornando visível a corrente do relógio, guardado no bolso do colete.

Como objecto eminentemente feminino, o relógio de pulso desses primeiros tempos começou por ser, desde logo, mais adereço que utensílio. Por outras palavras, dava-se mais atenção à forma que à função. O relógio-joia prevalecia.

Desde esses primeiros tempos a indústria relojoeira sofreu as influências das grandes correntes estéticas do virar do século – o movimento da Arte Nova, surgido por volta de 1880 e que durou até ao início da I Guerra Mundial, por um lado; o movimento Art Déco, surgido no final da I Guerra Mundial. O primeiro glorificava a era industrial e a arquitectura do ferro; a segunda dava primazia à variedade de formas e cores.

O terceiro grande movimento a influenciar a relojoaria foi o do design, principalmente a escola Bauhaus. E as preocupações teóricas em redor da forma e da função. Com força nos anos 1920, estendeu a sua influência com força até aos anos 1960.

A moda, com formas, materiais e cores, tomou definitivamente conta dos relógios a partir dos anos 1980, quando estes deixaram de ser simples marcadores de tempo para, lentamente, passarem a ser quase unicamente adereços, sinais que queremos dar de nós próprios. Perdendo a sua tradicional perenidade.

Mas a situação mundial, o sentimento colectivo, mudou. As dificuldades e incertezas tornam o consumidor mais resistente à compra por impulso, mais conservador e até nostálgico. Quer, quando gasta o seu dinheiro, ter em troca um objecto fiável e que dure. Esteticamente simples, que passe mais despercebido, e que possa ser usado com tudo e em todas as ocasiões.

A nostalgia do vintage domina. Muitas marcas decidiram ressuscitar dos arquivos modelos seus dos anos 1950 e 1950, não apenas imitando formas, como mesmo as cores “in” dessas décadas.

Alguns exemplos desse movimento, com modelos que consideramos, perenes, marcantes na história da relojoaria, não só pelo seu valor técnico, mas mais pelo seu apelo estético.


Cartier

Santos Dumond era amigo pessoal de Louis Cartier. Na Paris do virar do século, o joalheiro desenhou em 1904, a pedido do pioneiro da aviação, um relógio que ele pudesse usar no pulso, mais prático de consultar enquanto pilotava. Com caixa quadrada e parafusos facetados na luneta, traduzia com elegância o espírito Arte Nova e a glorificação das máquinas. Só em 1911 o relógio foi comercializado, já com o nome de Santos, a pedido de outros amigos de Cartier. Um modelo que se mantém, declinado sobre esta base, até hoje.


Audemars Piguet

Foi o primeiro relógio de luxo feito de aço. E saiu em 1972, quando a indústria relojoeira suíça se debatia numa crise profunda, devido à concorrência dos relógios de quartzo japoneses. Quem desenhou o Audemars Piguet Royal Oak foi um dos maiores criadores de formas relojoeiras do século XX, o genebrino Gerald Genta. Formas fazendo lembrar o portaló de um navio, com luneta octogonal, também com parafusos à vista, num revivalismo Art Déco. Formas que resistiram às mais diversas declinações e materiais. E, desde 1993, enriquecidas com a versão Offshore, mais desportiva. O Royal Oak original (49 x 39 x 3 mm) tinha o mostrador com decoração guilloché, tipo tapeçaria. E vinha com um calibre automático, com rotor central, o mais fino da sua época. Indicava horas, minutos e data (numa janela, às 3 horas). E, outro aspecto revolucionário e tecnicamente difícil de resolver, tinha pulseira em aço, totalmente integrada na caixa. Gerald Genta, para além do Royal Oak, desenhou o Omega Constellation (1959), o IWC Ingenieur (1976), o Patek Philippe Nautilus (1976) ou o Cartier Pasha (1997).

IWC

O relógio "O Português" terá partido de um pedido de importadores portugueses que queriam relógios de pulso com caixas grandes e calibres resistentes. Respondendo a esse pedido, a manufactura iniciou em 1938 a produção de uma caixa nova, onde meteu um calibre de relógio de bolso já existente. Baptizou-a de Português. Trata-se da mais perene linha da IWC e uma das mais perenes na história da relojoaria mundial. É também, ainda hoje, um dos modelos de maior êxito da marca, sendo mundialmente reconhecido. Começando por ser um três ponteiros clássico (com caixa grande para a época), teve nos anos 1970 a versão cronógrafo automático, ainda hoje a mais popular. É “o relógio masculino” por excelência, mercê das suas linhas simples, puras, imponentes, mas, ao mesmo tempo, elegantes.


Omega

Nenhuma marca de relógios se pode gabar de já ter estado na Lua… à excepção, claro, da Omega, com os cronógrafos Speedmaster de carga manual a fazerem parte do equipamento dos astronautas norte-americanos. O primeiro Omega Speedmaster foi produzido, em 1957. A estética do mostrador foi inspirada nos painéis dos carros italianos da época, contrastando o preto e o branco para uma melhor leitura. O relógio tinha o movimento mecânico Omega 321, também conhecido como o Lémania. O nome “Speedmaster” teve origem no taquímetro que apareceu na luneta, pela primeira vez, em qualquer relógio do mundo. O termo “Professional” foi acrescentado ao mostrador Speedmaster, em 1965, como uma referência aos profissionais da NASA, para quem o Speedmaster se tornou o relógio de escolha. Buzz Aldrin tornou-se o primeiro astronauta a andar na lua com o Omega Speedmaster Professional, a 21 de julho de 1969. Neil Armstrong tinha deixado o seu Speedmaster no módulo lunar como um backup para o temporizador eletrónico a bordo, que tinha avariado. A linha Speedmaster continua a ser a mais popular da Omega, numa estética que tem resistido ao tempo.

Zenith

A relojoaria e a aviação estiveram, desde os primórdios desta última, intimamente ligadas. Dentro da categoria dos chamados relógios militares, os dedicados a aviadores são um capítulo à parte, onde a legibilidade, de dia ou de noite, é particularmente importante. Caixas grandes, pulseiras muito grandes, que pudessem ser atadas à perna do piloto e não ao pulso, materiais luminescentes, resistência a campos magnéticos, algarismos enormes deram a estética dos anos 1930 e 1940, que hoje está muito em moda. A Zenith está ligada à primeira travessia da Mancha em avião (feita pelo francês Blériot, com um relógio da marca no pulso) e tem registado o direito de usar a palavra “Pilot” nos seus mostradores. Nos últimos anos tem aproveitado a onda vintage e reeditado relógios de piloto, com aspecto militar e correias a condizer.

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