sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Quando os Lindbergh aterraram de emergência no rio Minho, em 1933, com um relógio Longines no pulso. Novos elementos


Faz hoje precisamente 82 anos que o episódio se passou. Numa viagem de 47 mil km que fez pelo Atlântico Norte, em 1933, o aviador norte-americano Charles Lindbergh, acompanhado da mulher, Anne, passou por Lisboa, Açores e pela então colónia portuguesa de Cabo Verde. Levava no pulso um relógio Longines especialmente desenhado pela manufactura suíça para as funções de navegação aérea. Já nos tínhamos referido ao périplo aqui e aqui.


Acrescentamos agora alguns pormenores à história, retirados do livro Memórias - Diário de um inconformista (1938 a 1945), Volume II, Lisboa 1972, de Luís Lupi.

Este jornalista, correspondente na altura das agências noticiosas Reuter e Associated Press em Portugal, mal soube da aterragem (forçada) de Lindbergh e da mulher no rio Minho, junto de Valença, saiu disparado de Lisboa, acompanhado de Noberto Lopes e Diniz Salgado, redactor e fotógrafo, respectivamente, do Diário de Lisboa, num carro guiado por João Ortigão Ramos.


Numa entrada de 1940, Luís Lupi reflecte, em plena guerra, sobre a sorte do Papa. Sugere mesmo que o chefe da Igreja Católica possa ser obrigado ao exílio, nomeadamente em Portugal, no Convento de Mafra. Lembra-se do Vaticano e... vem-lhe à memória "O Vaticano", a alcunha de um restaurante de Monção. Recorda então o episódio de 1933 com Lindbergh.

"Fomos os primeiros a chegar ao sítio. Na margem portuguesa  do Minho acampámos, ansiosos, à vista do barco voador, que ali estava pousado a poucos metros de nós, como uma ave de arribação! Uma neblina fresca envolvia todo o cenário, como uma paisagem imaginada por Hitchcock, junto a um lago misterioso da Escócia. [...]

"Foi então que tivemos a nossa entrevista, que eu transmiti para o estrangeiro e o Norberto transformou numa página de reportagem literária no Diário de Lisboa, uma reportagem digna de antologia jornalística![...]

"Consegui ser o primeiro a telegrafar para Londres, via Lisboa..."



Em 2013, comemorando os 80 anos da viagem de Lindbergh, a Longines editava um modelo na sua linha Heritage, em ouro rosa ou em aço. Um cronógrafo automático, com taquímetro medindo velocidades até 500 km/h, numa caixa de 47,5 mm.

 

No museu da Longines está um desenho original de Lindbergh, especificando as necessidades para um relógio de pulso, que a marca produziu para ele. A Longines também reeditou o Lindbergh Hour Angle Watch, evocando o relógio desenvolvido em 1931 para Lindbergh.


No Museu da Longines, um espaço evocativo da viagem de Lindbergh de Nova Iorque a Paris, em 1927, aos comandos do Spirit of St. Louis.


Quando, há três anos, falámos pela primeira vez da viagem do casal Lindbergh que o levou à aterragem de emergência no rio Minho, fomos contactados então pela ACER, Associação Cultural e de Estudos Regionais, referindo os pormenores sobre a viagem, que mantinha no seu site, e que aqui de novo transcrevemos:

"[...] em 13 de Novembro de 1933 um acontecimento veio quebrar a pacatez e colocar a região da Ribeira Minho no centro das atenções mundiais. O aviador Charles Lindbergh, que seis anos antes, no ‘Spirit of St. Louis’ havia feito, sozinho, a travessia aérea sem escala do Atlântico Norte entre Nova Iorque e Paris, desceu com o seu hidroavião no Rio Minho. Acompanhava-o sua mulher Anne Morrow.

O jornal ‘A Plebe’, de Valença e o ‘Primeiro de Janeiro’ do Porto, descreveram o sucedido. A revista americana ‘Time’, de 27 de Novembro daquele ano, dedicou algumas páginas à viagem dos Lindbergh. Mais recentemente, em 22.01.2000 o ‘Semanário Expresso’, na sua revista, também procurou relembrar o facto e, para além da recolha de um depoimento de habitante local, o autor do artigo, Jorge Montez, apresentou documentação fotográfica cedida por Lazínia Pinto da Mota (ver em ‘Documentos’). Deste conjunto de informações pode esboçar-se o que se passou.

O aviador e sua mulher haviam partido de Grenoble com destino a Lisboa. Estavam a trabalhar num projecto de uma carreira comercial da Pan-Am entre os Estados Unidos e a Europa. A rota que utilizariam seguia pelo litoral cantábrico com passagem por Vigo. Já em Santander tiveram de ‘amarar’ na praia de Satona, por causa do mau tempo. Não foram reconhecidos e logo que as condições atmosféricas o permitiram levantaram voo no dia 13 pelas 10, 45h. Em Lisboa aguardavam a sua chegada à Doca do Bom Sucesso pelas 15h. Contudo, o tempo foi passando e o hidroavião não aparecia. Por rádio-telegrafia soube-se que ‘pelas 11, 35h o aparelho fora visto voando normalmente sobre o porto de Lhanas, Astúrias prosseguindo na sua rota para Portugal’ (Jornal P.J., 14.11.1933). Ao passar por Gijon deu a entender que abandonava a rota pelo litoral e se dirigia para o interior da Galiza, apontando-se como razão para o desvio as más condições atmosférias (Idem, ibidem). ‘Ás 15, h Vigo informava de que os esposos Lindbergh ainda não haviam passado sobre aquela cidade, aventando ali a hipótese de o hidro ter descido em qualquer baía da Galiza’ (Idem, ibidem). Finalmente, cerca das 17,05 h, Lisboa tomou conhecimento de que Lindbergh e mulher haviam descido no rio Minho devido ao nevoeiro (Idem, ibidem).

A aproximação fez-se pela Lapela que sobrevoaram pelas 14,h e depois de se certificarem de que o rio reunia boas condições para a amaragem apontaram o hidro para a zona da Ínsua do Crasto. Segundo Jorge Montez a descida e poiso decorreu ‘suavemente’ tendo Lindbergh feito ‘deslizar o aparelho pelo rio transfronteiriço em direcção a um acidente geográfico conhecido localmente como o ‘poço’, a apenas 50 metros dos magníficos portões que sobram da quinta original (e que são monumento nacional desde 1910), colocando-o assim em território português’(Montez, 2000: 34).

O secretário da Junta de Freguesia de Friestas, Maximino Lourenço Gomes, dirigiu-se de bicicleta ao local onde estavam os Lindbergh. Conta, então, as suas primeiras impressões: ‘Ele era alto e sorridente mas a esposa era bastante miúda e baixinha. Era pequenina, mas muito bonita.’ (Idem, ibidem: 35). Estabeleceu-se conversação que não foi difícil: ‘Ele percebia bem o português e falava o inglês’ (Idem, ibidem). A ajudar ao diálogo apareceu um seu compatriota, residente em Friestas, que lhe ofereceu uma garrafa de Vinho do Porto enquanto que Anne Morrow recebeu um ramo de flores que colocou numa das asas do avião (Jornal P.J., 15.11.1933).

Como não havia telefones, Maximino Lourenço Gomes mandou um mensageiro ao administrador do concelho para lhe dizer que «está cá um senhor chamado Lindbergh» (Montez, 2000: 35).

Foi disponibilizado um automóvel para transportar o casal até Valença onde ‘lhes foi feita uma calorosa acolhida. Dirigiram-se à Câmara Municipal tendo sido saudados pela Comissão Administrativa, do mesmo passo que os valencianos mais cotados que ali acorreram os cumprimentavam e o povo na rua os ovacionava delirantemente. Depois o ilustre aviador e sua esposa dirigiram-se para o Hotel Valenciano, onde a Câmara lhes ofereceu um jantar’ (Jornal ‘A Plebe’, 15.11.1933). No fim da ceia, recolheram ao hidroavião para nele pernoitarem tendo sido ‘acompanhados pela Polícia Internacional, o comandante da secção da Guarda Republicana e alguns oficiais da canhoneira espanhola «Cabo Fradera» que se encontra no Rio Minho’ (Idem, ibidem).

Entretanto, a notícia da descida de Lindbergh e Anne Morrow começou a espalhar-se pelas aldeias das duas margens do Rio Minho, pelo que ‘vieram muitos milhares de pessoas para ver e saudar os esposos Lindbergh’ (Idem, ibidem). Correu entre eles a crença de que o casal «andava à procura do filho que tinha sido raptado». O que não era verdade pois ‘o filho, Charles Albert Jr. com apenas 20 meses fora raptado a 1 de Março de 1932 e encontrado morto dez semanas mais tarde’(Montez, 2000: 35).

No dia seguinte, 14 de Novembro, Lindebergh procedeu ao reabastecimento do aparelho (um ‘Albatroz’) ‘com 200 litros de gasolina adquirida em Monção’ e preparava-se para partir mas concluiu que ‘em face do denso nevoeiro e abaixamento da pressão atmosférica era impossível levantar voo. Lindbergh e sua esposa foram convencidos a vir para Valença a bordo de um pequeno escaler da canhoneira «Cabo Fradera» tendo chegado junto da Ponte Internacional cerca do meio-dia’ (Idem, ibidem).

Após o almoço, oferecido pelas autoridades locais, os Lindbergh foram em cortejo automóvel visitar Tui a convite da «consulesa» espanhola em Valença do comandante da canhoneira «Cabo Fradera» (Montez, 2000: 36). Depois de verem a catedral que muito apreciaram e admiraram voltaram à Ínsua do Crasto, embarcando no aparelho para jantarem e pernoitarem. Segundo o correspondente do jornal ‘O Primeiro de Janeiro’, o hidrovião tinha a bordo ‘uma esplêndida cama de viagem e mantimentos para um mez’(Idem, ibidem).

Na manhã seguinte, e às 10h os Lindbergh começaram a fazer os preparativos para a descolagem observados ‘por uma multidão de pessoas que de toda a parte se juntou’(idem, ibidem). O rio já havia sido balizado pelos marinheiros da canhoneira ‘Cabo Fradera’. Charles Lindbergh ‘desamarrou o seu avião e fez com ele uma corrida até à foz do Minho para apreciar a forma como seu aparelho poderá fazer a manobra da descolagem e ao mesmo tempo observar as margens do rio. Depois voltou a amarrar o avião no mesmo local e solicitou dados meteorológicos à estação telegráfica de La Guardia’ (Jornal P.J., 15.11.1933 ).

Às 10. 50h decidiu-se pela descolagem observado por milhares de pessoas que se reuniam nas margens e muitos jornalistas. O hidroavião começou lentamente a percorrer o plano de água abrindo sulcos com os flutuadores e, potência do motor ao máximo, elevou-se sobre o rio em direcção a Valença ‘sobre a qual evolucionou a pequena altura dando uma volta em toda a circunferência. A população acumulada nas ruas, nas janelas, nas varandas, nas muralhas ovacionava freneticamente, agitando lenços brancos. Foi um momento de grande entusiasmo, a que Lindbergh e esposa corresponderam. Depois elevaram-se a grande altura e iniciaram o avanço para Lisboa a grande velocidade’ (Idem, ibidem).

Passaram sobre Seixas às 11.05h e cerca de 30m depois estavam a sobrevoar a costa em frente ao Porto. Uma hora depois, às 12,40h, chegavam a Lisboa. O ‘Primeiro de Janeiro’, a propósito do curto tempo da viagem, comentou então o seguinte: ‘Compare-se esta velocidade com a de um telegrama que nos foi expedido de Cerveira quando o aviador ali passou e que só chegou a este jornal às 15,45h! Gastou quatro horas e um quarto! Já Lindbergh tinha amarissado na doca de Belém havia 3 horas e 5 minutos!...’ (Idem, ibidem).

Em 22 de Novembro de 1933, na sessão da Comissão Administrativa presidida pelo Dr. António d’Almeida Pinto da Mota foi lido um ofício do Consul dos Estados Unidos da América em Vigo no qual se exprime ‘profundo agradecimento pela cordial recepção prestada aos aviadores norte americanos, coronel Lindbergh e sua esposa, aquando da inesperada amaragem nas águas do Rio Minho’, acrescentando que ‘os senhores Lindbergh conservaram sempre uma grata recordação da sua breve passagem pela histórica Valença do Minho’ (A.M.V., 1933: 52v).

Friestas também não os esqueceu. Ergueram um monumento, inaugurado em 23 de Novembro de 1997. Nele e sob uma pirâmide em granito, assenta uma escultura metálica constituída por um globo encimado pela representação estilizada de uma aeronave em voo ascensional. Um dos elos da corrente que amarrou o hidroavião pretende significar que a terra e seus habitantes continuaram presos à recordação da passagem dos Lindbergh."

O site da ACER tem fotos e recortes da imprensa da época referindo a passagem dos Lindbergh pela região.


Na altura da edição comemorativa dos 80 anos da viagem do casal Lindbergh pelo Atlântico Norte, a Longines distribuiu o seguinte comunicado:

Longines Lindbergh's Atlantic Voyage Watch

Longines is re-issuing a timepiece that was specially designed for Charles Lindbergh

In 1933 the American aviator Charles Lindbergh set off with his wife on a trip of 47,000 km around the North Atlantic. Having achieved a remarkable technical and human feat in being the first man to fly non-stop across the North Atlantic in his Spirit of St. Louis, Lindbergh wanted to explore possible future air routes across the far north before returning to the USA via Cape Verde and Brazil. The equipment Lindbergh took with him on his long expedition included a wrist chronograph created specially by Longines for this very purpose. Today Longines is re-issuing this exceptional timepiece, known as the Longines Lindbergh’s Atlantic Voyage Watch, as a tribute to the historical feat achieved by this pioneer of the skies.

In 1933 the American aviator Charles Lindbergh set off with his wife on a trip of 47,000 km around the North Atlantic. Having achieved a remarkable technical and human feat in being the first man to fly non-stop across the North Atlantic in his Spirit of St. Louis, Lindbergh wanted to explore possible future air routes across the far north before returning to the USA via Cape Verde and Brazil. The equipment Lindbergh took with him on his long expedition included a wrist chronograph created specially by Longines for this very purpose. Today Longines is re-issuing this exceptional timepiece, known as the Longines Lindbergh’s Atlantic Voyage Watch, as a tribute to the historical feat achieved by this pioneer of the skies.

In the wake of his solo flight in 1927 from New York to Paris – the first non-stop flight across the North Atlantic – Charles Lindbergh gained international fame and was in great demand by aviation companies, which were being developed at the time. Wanting to be of service, Lindbergh decided in 1933 to investigate possible air routes across the far north with his wife, Anne Morrow Lindbergh. The young couple set off from New York on a trip of some 47,000 km that would take them to New Foundland, Greenland, Iceland, Denmark, Sweden, Finland, Russia, Great Britain, France, the Netherlands, Switzerland, Portugal, the Azores, the Canary Islands and Cape Verde before returning to the USA via the Gambia, Brazil and Cuba.


For this expedition, Lindberg decided to take a powerful aircraft with a 710 hp engine and a variable propeller. He also took two radios and an inflatable canoe in case they were forced to eject from the aircraft. During their trip, they christened their plane the Tingmissartoq, which is an Inuit word meaning “the one that flies like a great bird”. Lindbergh’s navigational instruments included a directional gyroscope, an artificial horizon, an icing gauge and two aperiodic compasses, all of which were the very latest equipment at that time. But Lindbergh also took with him a Longines chronograph developed specially for his flight to Greenland and the far north.

This time-piece had a wristwatch chronograph movement with a 30-minute counter. It measured time to the fifth of a second and the chronograph mechanism also had a tachymeter that could measure speeds of up to 500 kph. With the flying conditions that were experienced by the Lindberghs, a reliable time-piece was one of the final safeguards as far as navigational instruments were concerned.


Longines’ creation of this timepiece for the Lindberghs’ trip around the North Atlantic was evidence of the confidence that the American aviator had in the Swiss watch manufacturer. In 1927 the time-measuring instruments created by Longines enabled the International Aeronautical Federation, for which the company had been an official supplier since 1919, to measure the duration of Lindbergh’s flight from New York to Paris with great precision. Subsequently, by virtue of his experience as a pilot and navigator, Lindbergh devised a system to improve the aerial and nautical navigation of the period. He contacted Longines, who put his invention into practice by producing the Lindbergh Hour Angle watch. Together with a sextant and a nautical almanac, the watch could be used to determine geographical position by calculating one’s exact longitude. In 1933, to mark its productive collaboration with Lindbergh, Longines designed the watch chronograph especially for the Lindbergh’s’ trip around the North Atlantic.

Today, Longines is re-issuing this time-piece under the name of the Longines Lindbergh’s Atlantic Voyage Watch as a tribute to the long trip undertaken by the couple across the far north. This mechanical wrist chronograph has a diameter of 47.50 mm and a self-winding movement. Just like the original model, it has small seconds at 9 o’clock and a 30-minute counter at 3 o’clock. The time and time measurements are displayed using hands of blued steel on a silvered dial with a white surround and the watch has a tachymeter for measuring speeds of up to 500 kph. The model has a sapphire glass and a solid case back that protects a transparent back cover through which the workings of the movement can be admired. The watch is mounted on a genuine brown alligator strap. The new versions are in either steel or rose gold. The Longines Lindbergh’s Atlantic Voyage Watch constitutes an exquisite contemporary version of a timepiece that was part of a great aeronautical adventure.

3 comentários:

  1. "vem-lhe à memória "O Vaticano", a alcunha de um restaurante de Valença do Minho". Esta afirmação está errada. Tal como o próprio titulo do artigo indica o restaurante Vaticano ficava em Monção e não em Valença. É referido também que o jornalista se deslocou a Monção para enviar o telegrama.

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  2. Obrigado pela correcção, caro Filipe Rodrigues. Já foi feita a emenda no testo. cpts. fco

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  3. Obrigado eu, por este maravilhoso relato que muito prazer me deu em ler. Bem haja

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