domingo, 2 de agosto de 2015
Meditações - Já nasce o belo dia, Princípio do verão fermoso e brando
O Verão, de Francisco Rodrigues Lobo, in Almanach de Lembranças Luso-Brasileiro para o ano de 1861 (arquivo Fernando Correia de Oliveira)
Já nasce o belo dia,
Princípio do verão fermoso e brando,
Que com nova alegria
Estão denunciando
As aves namoradas,
Dos floridos raminhos penduradas.
Já abre a bela Aurora
Com nova luz as portas do Oriente,
E mostra a linda Flora
O prado mais contente,
Vestido de boninas
Aljofradas de gotas cristalinas.
Já o sol mais fermoso
Está ferindo as águas prateadas,
E Zéfiro queixoso
Ora as mostra encrespadas
À vista dos penedos,
Ora sobre elas move os arvoredos.
De reluzente areia
Se mostra mais fermosa a rica praia,
Cuja riba se arreia
Do álamo e da faia,
Do freixo e do salgueiro,
Do ulmo, da aveleira e do loureiro.
Já com rumor profundo
Não soa o Lis nos montes seus vizinhos,
Antes no claro fundo
Mostra os alvos seixinhos
E os peixes que nas veias
Deixam tremendo a sombra nas areias.
Já sem nuvens medonhas
Se mostra o céu vestido de outras cores;
Já se ouvem as sanfonas
E frautas dos pastores
Que vão guiando o gado
Pela fragosa serra e pelo prado.
Já nas largas campinas
E nas verdes decidas dos outeiros
Ao som das sanfoninas
Cantam os ovelheiros,
Enquanto os gados pastam
As mimosas ervinhas que renascem.
Sobre a tenra verdura
Agora os cabritinhos vão saltando,
E sobre a fonte pura
Passa a noite cantando
O rouxinol suave,
Com saudoso acento, agudo e grave.
Diana mais fermosa
Sem ventos sobre as águas aparece,
E faz que a noite irosa
Tão clara resplandece
À vista das estrelas
Que se envergonha o sol de inveja delas.
Tudo nesta mudança
Também de novo cobra novo estado;
Qual em sua esperança,
E qual em seu cuidado,
Acha contentamento;
Qual melhora na vida o pensamento.
Francisco Rodrigues Lobo (1579-1621)
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