domingo, 19 de abril de 2015
Nos 20 anos do Museu do Relógio - ou o Tempo passando por Serpa
O Grupo Coral da Casa do Povo de Serpa deu em modo de cante os parabéns ao Museu do Relógio pelo seu 20º aniversário. Vários eventos marcaram a efeméride, este fim-de-semana, incluindo o lançamento de um relógio de bolso, mecânico de carga manual, limitado a 20 exemplares, e que custa 400 euros.
Estivemos por estes dias naquela cidade da margem esquerda do Guadiana. Um portefólio da passagem do Tempo por Serpa...
Interviemos num dos paineis organizados pelo Museu do Relógio. O texto lido na altura:
Comunicação
"O Tempo através dos tempos", a sociologia do tempo e a maneira como as sociedades têm pensado, organizado e vivido os respectivos tempos. (18.04.15, Museu do Relógio, Serpa)
Agradeço a vossa presença e o convite que me foi feito pelo Dr. Eugénio Tavares de Almeida para aqui vir trocar impressões convosco sobre o Tempo. Parabéns ao Museu do Relógio e uma homenagem sentida ao seu fundador, António Tavares de Almeida. Cumprimento dois dos mais ilustres divulgadores de ciência em Portugal, os Professores Carlos Fiolhais e Paulo Crawford, que além da sua actividade de investigação e docência, se têm interessado particularmente pelo Tempo e pela divulgação das suas várias problemáticas.
Nascido e criado numa zona histórica de Lisboa, o Chiado, habituei-me desde miúdo a ouvir os sinos das igrejas das redondezas, que são muitas. Eram marcações de tempo asseguradas presencialmente, por sacristãos, que foram desaparecendo. Nascido no Largo de São Carlos, Fernando Pessoa falava do “sino da minha aldeia”. A sua aldeia era ali e os sinos seriam os dos Mártires…
Mas também convivi com outros relógios mecânicos públicos, como os do Teatro de São Carlos, da Mundial Confiança, do Convento do Carmo.
É nesta Lisboa do Chiado, mas igualmente da Baixa ribeirinha, que muito do Tempo colectivo de que vou falar se passou.
A minha apresentação baseia-se muito no Tempo da cidade onde nasci. Mas os juízos que faço serão, penso, válidos, para os campos e cidades, nas várias etapas que a sociedade tem vivido no seu diálogo com o tempo.
Mas, antes de descer ao pormenor, permitam-me que ascenda ao geral: o Tempo, como entidade, só por si, não tem significado. É preciso ligar o Tempo à Sociedade, à Religião, ao Poder Político, ao saber científico ou até à Moda para assim termos relações de geometria variável que, essas sim, assumem um significado, diria total, nas nossas vidas enquanto comunidade.
Julga-se que as primeiras noções de tempo cíclico advêm da observação dos ciclos de Dia/Noite, lunares, sazonais, dando com isso origem aos primeiros calendários.
Só com a Agricultura e a sedentarização se terá cimentado a noção de Tempo cíclico – semear, colher, pousio, mas também cheias dos rios, marés, monções. Era preciso estar um determinado tempo no mesmo lugar para que as comunidades se lembrassem disso e de transmitir esse conhecimento aos mais novos.
De qualquer modo, pensa-se que as primeiras manifestações perenes de tempo colectivo se terão dado há cerca de 5 ou 6 mil anos, quando uma Cultura misteriosa povoou o chamado Arco Atlântico de alinhamentos megalíticos – os cromeleques. Eles estão posicionados de determinada maneira, fazendo com que as sombras projectadas ou os raios de luz solar incidam em determinados locais e em determinadas alturas do ano – os Solstícios, momentos em que o sol está nos pontos mais alto e mais baixo no horizonte.
Trata-se de um tempo acima de tudo religioso, iniciático, ministrado e regulado em rituais por pessoas especialmente qualificadas, em espaços não acessíveis a todos. Portugal é razoavelmente rico neste tipo de alinhamentos.
A utilização da sombra projectada do sol leva à invenção dos relógios de sol, fixos ou portáteis. Foram os romanos quem introduziram no território nacional essa forma colectiva de medir o tempo. Espaços como o mercado, as termas, o teatro, as minas, que era preciso regular, tinham este tipo de marcadores silenciosos do tempo. Regulamentos falam indirectamente das horas marcadas por esses relógios, de que nos chegaram muito poucos exemplares.
Com a implosão do Império Romano, esse tempo organizado também se desorganiza. Não temos, até hoje, achamento de relógios de sol do período visigodo ou islâmico. Neste último caso, o carácter errático do tempo religioso – o chamamento à oração, por parte do muezzin, nos minaretes, é o relógio da comunidade, mas sem exactidão – ajuda a uma certa “dissolução” do Tempo.
Com a Reconquista, de Norte para Sul, chegam ao território nacional as ordens religiosas – desde logo a de São Bento, na sua forma reformada de Cister. Os beneditinos, pode dizer-se, são os pais do tempo europeu, com a sua preocupação em dividir o tempo comunitário em períodos exactos, em separar o orar do laborar. Para isso, usavam sinos.
Se há denominador comum ao que se convencionou chamar de Ocidente, ele é o Sino. Objecto desde sempre ligado ao sagrado, o sino assume-se como “voz” do substrato cristão que, ainda durante o Império Romano, se vai estender até limites que hoje continuam a funcionar como fronteiras desse Ocidente: desde logo, a África, a sul; a Turquia e as planícies para lá dos Urais, a leste. Só na Ásia voltamos a encontrar os sinos como reguladores colectivos de ritmos e vivências.
O que é o sino? Acima de tudo, um marcador de tempo. De tempos, religiosos, primeiro. Usado entre as comunidades fechadas em mosteiros e conventos, foi desde cedo acoplado a torres de igreja. O seu som servia para regular, através de toques associados às Horas Canónicas, o dia normal de uma comunidade. Não apenas a comunidade de frades ou monges, mas também a comunidade de leigos que vivesse nas proximidades. Hora de levantar e de deitar, de rezar e comer. Em ocasiões especiais, o sino marcava com alarme as horas de aflição (incêndios, inundações, invasões) ou de pesar (enterros). Mas também de alegria (assinalando o final da Quaresma, o fim da Paixão).
Para regular os rimos privados, domésticos, havia também os chamados Livros de Horas, onde se determinavam tempos fastos e nefastos, da agricultura ao cortar de unhas e cabelo.
Inicialmente, os sinos viveram sozinhos, pendurados em sítios altos, accionados de forma mais ou menos regular, e de forma manual, por religiosos que se orientavam por relógios de sol.
Depois, e não se sabe bem quando nem onde, apenas que terá sido no seio dessas comunidades religiosas em mosteiros e conventos, aos sinos foram sendo acoplados mecanismos que mediam o tempo e faziam soar ou bater as horas sem intervenção humana – os relógios.
Os primeiros relógios não têm mostrador. Servem para “bater” as horas e não para as “mostrar”.
Tempo religioso
Julgo que os primeiros relógios mecânicos terão aparecido em território nacional nesses mosteiros ou conventos, mas até hoje não temos documentos que o comprovem. Documentado, o primeiro relógio mecânico no país é o da Sé de Lisboa, em 1377. É obviamente um tempo religioso, mas pago também significativamente em três partes iguais – o rei (D. Fernando), o clero (Cabido) e a burguesia, os homens bons da cidade. Terá sido encomendado a um mestre João, francês. Não teria mostrador. E bateria as horas canónicas, não civis.
O Paço, nessa altura, era na Alcáçova do Castelo de São Jorge. A corte era itinerante e não havia ainda um conceito de capital do reino. Mas já nessa altura a cidade deveria ter outros marcadores de tempo colectivo, como o Convento de São Vicente de Fora.
Fora, das muralhas. E fora de portas ficavam também a Judiaria ou a Mouraria. Um sino, de colher, ou da colhença, marcava todas as noites a hora de recolher – fechavam-se as portas. De manhã, o mesmo sino dava o sinal da abertura das portas. Ele era comandado pelo relógio da Sé. O tempo religioso comandava o tempo social.
Segundo informações coevas, em Lisboa, o sino de recolher tangia-se desde Outubro até ao fim de Março, às 8 horas da noite e às 9 horas da manhã; e de 1 de Abril até ao fim de Setembro, às 9 da noite e às 10 da manhã. Já nessa altura se tinha em atenção o tamanho dos dias e se fazia uma espécie de horário de verão e horário de inverno.
O casamento de D. João I com Filipa, da casa de Lencastre, dá a Portugal acesso a centros de saber científico e de produção de relógios, pelo que nessa altura há importação de exemplares ingleses para várias cidades do país.
Tempo Político
Só com D. Manuel I o Paço é transferido do Castelo para junto do rio – era a época da Expansão. E um relógio, o do Paço, tem a partir de então uma importância grande para a cidade. O poder político já rivaliza com o poder religioso na marcação do tempo. Pelo país, multiplicam-se as torres de relógio municipais, que soam horas civis, numa cacofonia com os vizinhos de igrejas, conventos ou mosteiros.
Frei João da Comenda, franciscano, é o primeiro relojoeiro nacional de que há notícia – 1478. Orgens – Viseu
Em 1582, Portugal é dos primeiros países a adoptarem a reforma do calendário, passando a reger-se pelo calendário gregoriano, em vez do juliano. Isso acontece porque as coroas ibéricas estavam juntas e fora Filipe II quem pressionara mais o Papa para que a reforma se fizesse. O problema estava na determinação da Páscoa, a festa móvel que determina o resto do calendário religioso. O calendário julinao tinha acumulado erros ao longo dos séculos. Mas, de calendários, penso que falará mais pormenorizadamente o Professor Paulo Crawford.
Em 1628, o governo de Filipe IV recebia do senado de Lisboa uma petição onde se dava conta de que “há muitos dias se quebrou o sino de correr” da Sé, “que, por governança desta cidade, se tange uma hora em todas as noites, e depois que se quebrou no dito uso, serve de emprestado outro sino da Sé, sem ser obrigação sua, que também poderá quebrar, o que será em detrimento seu, e outro sim o relógio da Sé é da obrigação da câmara da dita cidade. E convém que se faça nele um mostrador para se verem as horas, o que é em benefício público… Pedem a V. M. de aja por seu serviço mandar ao senado da dita câmara que mande fundir o sino de correr, e se ponha mostrador no relógio…”
Segundo uma lápide que coroa ainda hoje a entrada da antiga torre barbacã do castelo árabe de Serpa, um tal mestre Pascoal concluiu em Janeiro de 1440 o apoio para receber um relógio.
Segundo os dados disponíveis, arriscaríamos que a torre relojoeira de Serpa será a terceira mais antiga detectada até hoje no país — como já aqui referimos, há notícia de um “relógio de torre, batendo sinos”, na Sé Catedral de Lisboa, a partir de 1377, e de um, anterior a 1401, na Sé do Porto.
Depois da de Serpa, sabe-se de uma torre relojoeira, de meados do século XV em Portimão, ou de uma outra em 1459, em Olivença. Batalha (antes de 1471), Alenquer (1475), Santarém (antes de 1476), Torres Vedras (1478), ou Orgens, Viseu (1478), são outros casos documentados de torres de relógio quinhentistas.
Como aqui referimos anteriormente, Orgens, com Frei João da Comenda e Frei João da Montanha, inicia o que se julga ser o primeiro caso de relojoeiros portugueses, que fariam ainda mecanismos para instituições religiosas em Santarém, Setúbal, Matosinhos ou Évora.
Os outros casos anteriores seriam obra de mestres relojoeiros estrangeiros, que geralmente ficavam adstritos aos mecanismos que vendiam, pois só eles podiam garantir a manutenção dos mesmos. Eram relógios pesados, feitos em ferro, movimentados por pesos pendurados em grossas cordas. O salário do relojoeiro era constituído em parte, por azeite. Para ele temperar… o relógio. Um relógio certo, dizia-se então bem temperado.
Quanto ao relógio de Serpa, tratou-se, desde o início, de um relógio municipal, não ligado a quaisquer igrejas, convento ou mosteiro.
Em 1654, D. Francisco Manuel de Melo publica Os Relógios Falantes, um texto de crítica social, onde utiliza dois relógios de torre, um do campo, (Belas) e um da cidade de Lisboa (Chagas).
É um documento precioso para se saber do estado da relojoaria e dos tempos sociais. O relógio das Chagas, por exemplo, diz a dado passo: todos que nos governam trazem seus relógios consigo. O tempo tinha-se portabilizado, com a invenção da corda helicoidal.
No texto referem-se o Relógio da Universidade de Coimbra, o Relógio da Sé e o Relógio do Paço. Mas sabemos que, por essa altura, na capital, também o poder judicial tinha o seu próprio marcador de tempo: o relógio da casa da Suplicação (supremo) é referido em várias fontes, e ficava no Limoeiro.
No texto de D. Francisco Manuel de Melo fica a saber-se que o relógio das Chagas foi a dada altura para o Paço e o Palatino (romano) para as Chagas, depois trocaram. Importava-se pois de Itália.
Em 1640, é pelo relógio do Paço que os revoltosos marcam o tempo da sua operação militar. Diz-nos D. Luís de Menezes, na História de Portugal Restaurado: “com o menor rumor que fosse possível, se acharam todos junto ao Paço, repartidos em vários postos, e que tanto que o relógio desse nove horas saíssem das carroças ao mesmo tempo”. Mais à frente, afirma: “impacientes, esperavam as nove horas, e como nunca o relógio lhes pareceu mais vagaroso, tanto que deu a primeira, sem aguardarem a última, arrebatados do generoso impulso, saíram todos das carroças e avançaram ao Paço”.
Por essa altura, já os relógios davam horas civis, e começavam a ter mostrador, mas apenas com um ponteiro, o das horas, pois a exactidão ainda era pouca e os minutos não faziam muito sentido.
Com D. João III, o relógio do Paço não devia ser de grande qualidade. Conta-se a anedota de o rei se queixar de ele nunca andar certo. E de D. Pedro de Almeida lhe responder que, se queria que o relógio não fosse mentiroso, bastaria que o afastasse da corte…
Com D. João V atinge-se o auge da relojoaria férrea nacional – o paradigma são os dois relógios flamengos, e respectivos carrilhões, que o monarca comprou para Mafra. D. João V mandou equipar igrejas, conventos, mosteiros, municípios, com relógios de torre e de sol. Os relógios de sol serviam para acertar diariamente os relógios mecânicos, ao meio-dia solar verdadeiro.
A Torre do Relógio, no Paço, adstrita à Patriarcal, foi demolida por volta de 1730 e encomendada uma outra a um arquitecto italiano, Canevari. Vieira Lusitano fala dela, numa estrofe. Descrição de 1754 fala de “uma altíssima e bem fabricada torre de mármore, com majestoso sino de relógio, e dois mais pequenos dos quartos”. Teve fama essa torre e o seu relógio. Mas pouca duração. O terramoto de 1755 foi o primeiro grande cataclismo que se abateu sobre a relojoaria grossa nacional.
O Paço não volta ao rio – fica-se pela Real Barraca da Ajuda, com a Patriarcal e a sua torre do relógio. A Máquina é da autoria de Manuel da Silva Mafra. Foi marcador importante de tempo para as gentes dali – está a cair
O segundo cataclismo na relojoaria grossa nacional ocorreu com as Invasões Francesas – 1807/1810 – os sinos eram derretidos para fazer balas de canhão, e algumas máquinas sofreram o mesmo destino. .
Tempo científico
A portabilidade do tempo com a mola helicoidal – Peter Henlein – cerca de 1500, Floresta Negra
A libertação da força contida na mola, de maneira constante – o sistema fuso/corrente, que Leonardo da Vinci estudou
O chamado “século de ouro” da relojoaria – entre 1750 e 1850 – viu nascer os grandes desenvolvimentos tecnológicos
A relojoaria acompanhou a definição de Progresso, que só começa a criar-se na civilização ocidental por volta de meados do século XVII, ao fornecer um modelo mecanicista, segundo o qual se podia “ver” as relações de causa-efeito da aplicação de uma força a um sistema de rodas dentadas – o chamado trem de rodas.
Alem disso, a relojoaria representou a partir de dada altura a tradução mais evidente do aspecto pluridisciplinar do progresso. A relojoaria ajudou a demonstrar que a arte, a ciência e a tecnologia podiam avançar em simultâneo, na persecução de um fim comum, nomeadamente a representação mais precisa possível do Tempo.
No século XVII, a relojoaria lideraria o processo de aproximação multidisciplinar à resolução de um problema, como o achamento da Longitude no mar – através da astronomia, da física, da mecânica, da matemática, etc.
A linguagem moderna ainda se socorre da relojoaria para falar do progresso e das suas rodas dentadas em movimento…
Até aqui, o tempo era sempre local. O tempo de Lisboa não era o Tempo de Mafra e muito menos o de Coimbra ou do Porto. Só com o advento dos caminhos-de-ferro e do telégrafo se passou a sentir a necessidade de um Tempo nacional, primeiro, continental, a seguir, universal, depois. Em princípios do séc. XIX e a par de outras nações europeias, Portugal adoptou o Tempo Solar Médio que simplificou a definição da Hora Legal. Os Reais Observatórios Astronómicos da Marinha (Lisboa) e de Coimbra definiam a Hora Legal para a sua região de longitude.
Em 1878, o Real Observatório Astronómico de Lisboa (OAL, criado em 1861) tem como objectivo: "Fazer a transmissão telegraphica da hora official ás estações semaphoricas e outros pontos do paiz". Está-se perante o primeiro caso de tempo coordenado, emitido por um relógio-mãe a relógios escravos.
Com a mola helicoidal, o tempo tinha-se portabilizado. Com a electricidade, o tempo podia ser transportado, os relógios podiam trabalhar em rede.
A 4 de Dezembro de 1883, o relógio do arco da Rua Augusta é finalmente colocado. Veio do Convento de Jesus (hoje Academia de Ciências), não tinha mostrador, e foi adaptado por Augusto Justiniano de Araújo, o fundador da escola de relojoaria da Casa Pia. Com mostrador para terra e não virado para o mar, como esteve previsto. É o tempo comercial por excelência. Mas, sintomaticamente, não está ligado à rede da hora oficial.
Em 1891 estabelecem-se as instruções regulamentares relativas às horas e duração de serviço nas estações dependentes da Direcção Geral dos Correios, Telégrafos e Faróis: "a hora, em todas as estações, seria a média oficial contada pelo meridiano do Real Observatório Astronómico de Lisboa; nas principais cidades do reino e em quaisquer pontos do país, quando a conveniência do serviço público aconselhasse, seriam estabelecidos postos cronométricos destinados a fazer conhecer a hora média oficial".
Entrara em cena o tempo emitido por instituições científicas. Auxiliado por meridianas – relógios de sol, acoplados a pequenas peças de artilharia, que faziam soar diariamente (em dias de sol), o meio-dia.
Veríssimo Alves Pereira, que começou por colocar uma na Torre dos Clérigos, no Porto, convenceu a edilidade lisboeta a colocar uma no castelo de São Jorge (1857). Esse tipo de dispositivo passou depois para a Escola Politécnica (que estava ligada por linha telefónica ao observatório da Ajuda, para saber a hora exacta, já não por relógio de sol); e finalmente para o jardim de São Pedro de Alcântara. A meridiana terá deixado de soar por volta de 1912. Veríssimo Alves Pereira também intervém no relógio do Convento do Carmo, outro marcador importante do tempo alfacinha, regulador dos ritmos comerciais da Baixa.
As instituições científicas eram ainda auxiliadas por balões da hora – instrumentos que de forma visual e também sonora assinalavam a uma hora, para os navios ancorados no Tejo, mas também para os lisboetas. No arsenal de marinha, os dois primeiros, na Ajuda e na Escola Politécnica, depois.
O Tempo Republicano:
Outra mudança relevante foi o Dec. Lei de 26 de Maio de 1911: definiu que a partir de 1 de Janeiro de 1912, a Hora em Portugal deixava de ser local (meridiano de Lisboa, OAL) e passava a reger-se pelos Fusos Horários da Convenção de Washington (1884), colocando a hora do continente no Fuso das 00:00 horas (Greenwich). Assim, a Hora Legal em Portugal Continental foi adiantada de 36m 44s,68, ou seja a diferença de longitudes entre os meridianos do OAL e de Greenwich. Cada diferença de grau de longitude traduz-se em 4 minutos, cada fuso tem 15 graus – uma hora – há 24 fusos, para os 360 graus.
O Dec. Lei no 1469, de 30 de Março de 1915, regulamenta o Serviço da Hora Legal relativo ao novo relójio público (no Cais do Sodré em Lisboa) e outros meios de difusão da hora. Diz no seu ponto 1o(primeiro): "Ao Observatório Astronómico de Lisboa compete enviar constantemente os sinais para a regulação do relójio público...".
No ano de 1916, em plena Guerra Mundial, são publicados diversos decretos que regulamentam o aparecimento da hora de Verão. Nas décadas seguintes alteram-se regularmente as datas de início e fim do período da Hora de Verão, e do valor do adiantamento da hora.
O tempo social
Estações dos CTT, fluviais, caminhos-de-ferro, etc.
Citemos Pessoa:
E assim arrasto a fazer o que não quero, e a sonhar o que não posso ter, a minha vida, absurda como um relógio público parado”. […]
Nada é mais absurdo que um relógio público parado. E Lisboa, e Portugal, ainda têm muitos assim.
A precisão na medição do tempo
Uma equipa de cientistas japoneses, liderados por Hidetoshi Katori, do Laboratório de Metrologia Quântica do RIKEN e da Faculdade de Engenharia da Universidade de Tóquio afirma ter construído dois "instrumentos criogénicos de redes ópticas"' que elevam a precisão na medição do tempo a níveis nunca antes atingidos. Num artigo publicado na Nature Photonics afirma ter sincronizado os dois aparelhos de forma a haver o desvio de um segundo em apenas 16 mil milhões de anos, com mil vezes mais precisão que os relógios atómicos à base de cristais de césio. Medições geodésicas com precisão nunca atingida seria uma das principais aplicações. O frio extremo parece ser o segredo.
O tempo sociológico – o relógio de bolso é o sinal de identidade do pater famílias – objecto de luxo de reis, torna-se depois objeto de estatuto burguês. A proletarização desse objecto, através de linhas de produção e peças normalizadas – feita por Dennison ou Roskopf – só é possível porque o seu preço desde abruptamente no final do século XIX.
O relógio de bolso dá lugar ao relógio de pulso a partir do final da I Guerra Mundial – um marcador de tempo no pulso é mais prático em teatro de operações. Tido, no início, como objecto feminino (foi primeiro usado pelas mulheres, mais como jóia que marcador de tempo), o relógio de pulso só no final dos anos 1930 ultrapassa o de bolso em termos de produção.
A chamada crise do quartzo, no final dos anos 1970, acaba com a indústria relojoeira nos Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha. Por razões que aqui não teremos tempo para explicar, resiste a Suíça, que hoje produz apenas 2 por cento dos relógios feitos no mundo, mas cujo valor representa mais de metade do bolo global.
Tudo, ao mesmo tempo, no mesmo lugar – a aldeia global de Marshall Mclluan. Estamos rodeados de tempo – e os jovens usam cada vez menos relógio. Objecto cuja função primeira se tornou completamente inútil – dizer as horas – o relógio mantém-se como símbolo social, adereço de moda ou gadget electrónico.
Os relógios conectados – o Apple Watch – corpos biónicos, sempre ligados em rede. Desligar!
Assisti "ao vivo e a cores" à brilhante palestra do meu Amigo Fernando, no MUSEU DO RELÓGIO, na bonita cidade de SERPA... Confesso que gostei muito...! João Nobre.
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ResponderEliminarLamento não ter podido
escutá-lo a dissertar
sobre o tempo discutido
nessa tertúlia invulgar!
JCN
ResponderEliminarLamento não ter podido
escutá-lo a dissertar
sobre o tempo discutido
nessa tertúlia invulgar!
JCN