sábado, 6 de setembro de 2014

Há dez anos... ensaio de 2004 sobre o Tempo, na Internacional Horas & Relógios III


Há dez anos, escrevemos uma série de ensaios sobre o Tempo para a revista Internacional Horas & Relógios. Eis o segundo deles. Para ler o primeiro, vá aqui. Para ler o segundo, vá aqui.

Enigmas do tempo

Einstein explicado por ele próprio

Existindo desde 1917 (feitos pois desde 1916) e publicados ininterruptamente até hoje, os Dados Astronómicos para Almanaques, do Observatório Astronómico de Lisboa (OAL – Tapada da Ajuda) têm sido uma ajuda preciosa para Bordas de Água, sarrabais, lunários e outros volantins do género, que nele se baseiam, confiando na sua linguagem científica de pura Astronomia, para depois elaborarem as mais diversas conjunturas etno-religiosas sobre o futuro de plantas, animais e gentes.

Algumas vezes tem havido em que o livrinho do OAL, além das indicações sobre movimentos aparentes ou reais dos astros, eclipses e outros incidentes para o ano a que se destina, traz um artigo de divulgação sobre temática relacionada com o Tempo ou a Mecânica Celeste – dois temas sempre tão associados, desde a pré-história. Os directores do Observatório, Frederico Oom, Campos Rodrigues ou Manuel Nunes Marques foram alguns dos que assim partilharam o seu saber.

Pois na edição para 1930 a colaboração é “de luxo”. Nada mais, nada menos do que Albert Einstein (1879-1955). O artigo, intitulado “A nova teoria do Campo”, foi escrito por ele como explicação da sua tese “para leitores possuindo limitadas noções de matemática”.

O Prémio Nobel da Física de 1921 tinha apresentado publicamente as suas primeiras ideias sobre a Relatividade (Restrita) em 1905 e, dez anos mais tarde publicava a Teoria da Relatividade Geral. Em 1932, por ser judeu, teve que deixar a Alemanha, fixando-se nos Estados Unidos.

No artigo publicado nos Dados Astronómicos, Einstein diz ter iniciado há apenas seis meses a sua terceira fase de desenvolvimento da Teoria da Relatividade. O artigo fora originalmente publicado a 4 e 5 de Fevereiro de 1929 no New York Times e Frederico Oom tinha pedido autorização ao jornal para o publicar em Portugal. Será, porventura, o primeiro artigo de Einstein publicado em língua portuguesa (mas a tradução é algo deficiente e os nomes dados aos vários passos da Teoria não são os que depois vingariam entre nós). Quanto à chamada Teoria dos Campos Unificados (incorporando numa única fórmula as leis gravitacionais e electromagnéticas), Einstein viria a morrer sem conseguir elaborá-la.

Um leitor comum, sem grandes conhecimentos matemáticos, ao ler o artigo de Eisntein nos Dados Astronómicos ficará a perceber algo mais sobre a Teoria da Relatividade? Duvidamos, se dada a deficiência de tradução, se falta de Einstein em conseguir expressar-se mais claramente. Mas ficam-nos frases interessantes, como a que explica a Teoria da Relatividade Restrita: “Como todos sabem, rejeitou esta teoria o carácter absoluto da noção de simultaneidade entre dois factos separados no espaço. Igualmente é bem conhecida a coragem do desespero com que alguns filósofos ainda procuram combater esta teoria simples em longos arrazoados orgulhosos e ocos”, ataca o Prémio Nobel.

E=mc2. Esta será, certamente, a fórmula mais famosa de sempre. Mas quem sabe o que significa, ainda hoje? Einstein construiu esta fórmula na base da teoria de que a massa, m, é equivalente à energia, E, desde que multiplicada pelo quadrado da velocidade da luz, c. Por outras palavras – dada uma determinada porção de matéria, multiplicada esta duas vezes pela velocidade da luz, e tem-se a quantidade de energia que toda essa matéria é capaz de concentrar. Ainda dito de outro modo, energia e matéria passam a ser o mesmo, embora se apresentando de forma diferente, bastando multiplicar a primeira pelo quadrado da velocidade da luz. O domínio da energia atómica baseou-se em Einstein e resultou, como se viu em Hiroshima e Nagasaki…

Depois, com a sua Teoria da Relatividade Geral, Einstein previu que os raios luminosos sofriam desvios quando passassem por um campo gravitacional. E isso também se veio a provar verdadeiro.

Com as suas teorias, Einstein reformulou de igual modo todos os conceitos que até então tinham existido sobre o Tempo. O Tempo da física clássica pré-relativista era simultaneamente relativo e absoluto. O tempo relativo é mensurável com instrumentos e pertence à esfera do visível. Está ligado à percepção e é observável em fenómenos como os dias, meses, anos, todos eles ligados ao movimento no interior do sistema solar. “É, por isso, o Tempo da vida quotidiana, que pode ser medido de maneira exacta ou não, e que Newton opunha ao Tempo da Ciência”, explica Carmine Camerini em Les fondements épistémologiques du dévelopment durable. Entre physique, philosophi et éhtique (Paris, 2003).

Pelo contrário, o Tempo absoluto era para Newton um tempo não material, matemático, verdadeiro, independente das coisas e comandado por Deus. E que se estendia desde a eternidade passada até à eternidade futura.

“Enquanto que, antes da relatividade, o tempo se definia em relação à velocidade indeterminada, e por isso não mensurável, da luz, para tornar o tempo definitivamente material e mensurável era preciso definir a simultaneidade entre dois acontecimentos em relação a coisas puramente físicas como sejam relógios, distâncias, sinais, que por sua vez se relacionavam com a velocidade absoluta da luz”, diz-nos Camerini.

Ora, Einstein demonstrou que a luz é mensurável e, portanto, determinável. As distâncias deixam também de ser absolutas, mas relativas à velocidade de quem as está a medir. No sentido de uma nova concepção da realidade relativa e material, Einstein viria a dizer: “Não existe um tempo dos filósofos, existe apenas um tempo psicológico diferente do tempo dos físicos”.

Mas, então, o que se passa concretamente? “O desenrolar do tempo varia segundo o movimento do seu meio ambiente”, explica Camerini. “Se um astronauta de 24 anos parte para viajar durante seis anos numa nave que vá a 300 mil km por segundo, quando regressar à Terra será 6 anos mais velho, enquanto que na Terra todos terão envelhecido 18 anos”. Incluindo um seu teórico irmão gémeo, que terá 42 anos, e ele apenas 30. É possível viajar no Passado ou no Futuro? Fazer o tempo parar, de forma a nunca mais envelhecermos? Podemos contrair o espaço? Existe uma velocidade limite no universo?

Todas são questões levantadas pela Teoria da Relatividade de Einstein.

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