A edição do Fora de Série (Económico) que hoje foi para as bancas inclui um artigo de análise de Estação Cronográfica sobre o sector da relojoaria e coloca em relevo algumas das novidades apresentadas na Baselworld.
Baselworld 2014
Horas de cautela
Fernando Correia de Oliveira, em Basileia
Mourinho e Ronaldo são figuras principais em campanhas de duas das mais importantes marcas de relógios. No rescaldo da Baselworld 2014, fica ainda nova liderança na Rolex e o back to the basics no produto. Os tempos são de cautela.
A notícia mais importante da Baselworld 2014, que decorreu de 19 a 26 de Março só foi publicamente conhecida três semanas depois – a Rolex, a mais poderosa marca de relógios do mundo, mudava de CEO – o até então responsável pela Zenith, Jean-Frédéric Dufour, era o escolhido para o leme de um barco gigante e peculiar.
A notícia começou por ser anunciada nas redes sociais, por um jornalista especializado francês, Grégory Pons, e a discreta e por vezes secreta Rolex via-se obrigada, horas depois, a confirmar em lacónico comunicado que Dufour seria, em data oportuna, não especificada, o seu novo líder.
Ninguém estava à espera desta nomeação. Dufour, nomeado em 2009 para dirigir a Zenith (marca pertencente ao maior grupo de luxo do mundo, o LVMH), já tinha no seu currículo passagens pela Blancpain ou pela Chopard. É considerado muito próximo de uma personalidade carismática do mundo actual da relojoaria, Jean Claude Biver, que esteve na origem da Blancpain (grupo Swatch), fez renascer a Hublot (hoje marca do LVMH) e é actualmente o responsável pelo segmento de relógios do mesmo LVMH, que detém ainda a TAG Heuer e a Bvlgari.
Com 45 anos, Dufour será apenas o sexto CEO da Rolex em mais de um século. Substitui Gian Riccardo Marini, que estava no cargo há apenas três anos. A marca é propriedade de uma fundação, não tendo o capital em bolsa, pelo que prossegue uma política de secretismo quanto a números – produção, volume de negócios, lucros, etc. Dufour responderá perante o Conselho de Administração dessa Fundação Rolex, que ao longo dos anos tem seguido uma linha avessa a mudanças – os modelos continuam a ser declinados há décadas, mas sem alterações substanciais. Poderá dizer-se que… em equipa que ganha não se mexe, mas a equipa mexeu. Resta saber se Dufour, que à frente da Zenith conseguiu a recuperação da imagem tradicional da marca, depois de anos feéricos de um CEO especial, Thierry Nataf, que quase a descaracterizou, terá poder para mudar a Rolex. Ou se foi para isso que foi chamado. O mais provável é que ele “desapareça” da cena pública, como tem sucedido a todos os líderes da marca da coroa, deixando de dar entrevistas ou manter qualquer contacto com os média. Ado Magada, 55 anos, até agora na Breitling, sucederá a Dufour à frente da Zenith, numa escolha pessoal de Jean-Claude Biver.
Em termos de mudanças, continua a especular-se sobre o afastamento de Antonio Calce como CEO da Corum, uma marca independente, comprada recente por um grupo chinês. As coisas parecem não correr bem com a entrada desse grupo no fechado sector relojoeiro helvético. Há também problemas da direcção da Eterna, marca que também pertence agora aos chineses do grupo Haidian.
Uma das poucas independentes, ainda nas mãos da família fundadora, a Raymond Weil, anunciava entretanto quem Elie Bernheim, neto de Raymond Weil, passava a CEO, substituindo o pai, Olivier Bernheim. Fundada em 1976, a marca passou a ser dirigida em 1996 por Olivier, casado com uma filha de Raymond. Sempre que se fala de aquisições por parte de grandes grupos, a Raymond Weil surge no topo da lista. Esta aposta na terceira geração parece indicar que a marca prosseguirá o seu caminho independente.
O futuro dos independentes
A Baselworld 2014 teve na edição deste ano cerca de 150 mil visitantes, um pouco menos do que na edição histórica de 2013, quando a maior feira do mundo no seu sector se apresentou totalmente remodelada.
À euforia do ano passado, seguiu-se um clima mais calmo e até de uma certa cautela deste ano, especialmente devido ao arrefecimento do mercado chinês – as autoridades de Beijing prosseguem uma campanha anticorrupção que tem proibido as ofertas de relógios a funcionários.
Mas a generalidade dos observadores sente que quem está a sofrer mais são as marcas independentes. A sua presença tem vindo a diminuir na Baselworld, devido ao investimento muito elevado que significa ter ali um espaço. Cada vez mais há as que seguem a estratégia de alugar suites ou salas de hotéis próximos, convidando os milhares de jornalistas para esta espécie de “off Baselword”.
Por outro lado, as independentes estão com cada vez mais dificuldades em abastecer-se de calibres e outros componentes. O Swatch Group, que detém a ETA e outras unidades de produção de movimentos que abastecem quase 80 por cento da indústria, incluindo marcas suas directas concorrentes, conseguiu junto da Autoridade Suíça da Concorrência, Comco, um calendário de diminuição de fornecimento a partes terceiras, até ao fecho completo da torneira, em 2020.
Nos pontos de venda, as estratégias impostas pelos grandes (LVMH, Swatch Group, Richemont Group, Kering) faz com que seja cada vez mais difícil a visibilidade dos independentes.
Depois da Rolex, o maior dos independentes é a Patek Philippe. Um dos boatos que correu célere nos últimos dias da feira entre um restricto grupo de jornalistas especializados foi o de que a marca que, segundo muitos, fará os melhores relógios do mundo iria ser vendida pela família Stern… ao LVMH. Tudo começou quando Jean Claude Biver apareceu, numa conferência de imprensa da Hublot, com o Patek Philippe no pulso. Interpelado no final por um jornalista, o luxemburguês naturalizado suíço, na sua peculiar forma de comunicar, disse-lhe: “Dentro de dias, verás que isto faz sentido”. O irreverente Biver poderia estar a fazer mais um dos seus “mind games”, até porque a conferência de imprensa tinha sido para apresentar José Mourinho como novo embaixador Hublot, mas…
A informação passou directamente para o quartel-general do Swatch Group e vários CEOs interrogaram Nick Hayek, o responsável executivo pelo maior grupo de relojoaria do mundo, sobre a questão. “É marca que não nos interessa”, terá dito a responsáveis da Omega, Longines ou Tissot. “Se comprássemos a Patek, iríamos desvalorizar outras marcas do nosso portefólio, como a Breguet”.
De qualquer modo, foi o próprio Thierry Stern, actual responsável pela Patek Philippe, que recentemente se atreveu a abordar numa entrevista a possibilidade de vender a manufactura, ou de a deslocalizar, queixando-se dos impostos a que está sujeita no Cantão de Genebra.
Tendências – back to the basics
Sejam marcas pertencentes a grandes grupos ou independentes, sejam elas suíças ou de outras proveniências, a relojoaria mundial faz, todos os anos, em Basileia, a súmula das tendências que vão ditar os hábitos de consumo à escala global.
Numa linha que terá começado há cinco anos, prossegue a vaga retro e vintage. As edições revivalistas de modelos históricos dos anos 40, 50 e 60 não param, equipadas com braceletes tipo NATO (de nylon, com presilhas de metal, e passando inteiramente pelo verso da caixa), mesmo nas marcas mais clássicas e conservadoras.
Depois dos exageros no tamanho das caixas, um fenómeno que terá atingido o auge também há uns cinco anos, as coisas estão a voltar ao normal – 40 a 42 mm – mas sem se fazer o regresso aos 36 a 38 mm que imperavam nos relógios de homem dos anos 50 e 60.
O azul parece ser o novo preto. Depois de, há três anos, aparecer a epidemia dos relógios totalmente negros, surgem agora os mostradores azuis. Mas os verdes também marcam 2014. As cores pastel, de um modo geral, a par dos tons revivalistas cinzentos dourados, reforçam a viagem ao passado.
Preocupadas em vender, e vender já, as marcas deixaram de apresentar tantos modelos complicados, alguns até protótipos que nunca chegaram a ver a luz do dia, tentando diminuir a frustração do consumidor final que encomenda um calendário perpétuo hoje e espera por ele três anos. Se isso se passasse ao nível dos carros de luxo, seria um escândalo… Agora, das marcas topo de gama às de gama baixa, todas apresentaram modelos de três ponteiros, com data, caixas de aço, prontos a serem vendidos.
Por outro lado, relógios pequenos, bicolores, com estética um tanto barroca, apelando aos gostos orientais, começam a ser o mainstream no portefólio das marcas, a isso obrigadas pelo volume de vendas nos mercados asiáticos. Até em pontos de venda de cidades como Lisboa as montras começam a ter um aspecto mais “chinês” ou “russo”, pois a clientela para determinadas peças resume-se por estes tempos a estrangeiros…
Finalmente, e ligando-se à questão do fornecimento de calibres e componentes por parte do Swatch Group, há um esforço grande dos grandes (LVMH, Richemont, Kering) na autossuficiência, equipando cada vez mais relógios com calibres próprios. E os independentes, para sobreviver, começam a ter que fazer o mesmo – veja-se os casos Frédérique Constant, Maurice Lacroix, Nomos, Breitling ou Bulova.
Em época de crise financeira não ultrapassada, de arrefecimento do gigante chinês, de incerteza e perigo vindo do leste europeu (Ucrânia), a indústria relojoeira fala cada vez mais de luxo, mas na verdade produz cada vez mais “apenas e só” artigos fiáveis, alguns até de qualidade premium, mas para distribuição maciça, sem a exclusividade do verdadeiro luxo.
Uma coisa Baselworld não pareceu temer – os chamados smart watches, cujo lançamento continua a traduzir-se em flops sucessivos. Mas os dirigentes mundiais da relojoaria sabem que têm que captar o interesse das novas gerações, que cada vez usam menos relógio.
Portugal, Mourinho e Ronaldo
Com o consumo interno praticamente parado, não é por isso que as importações relojoeiras portuguesas provenientes da Suíça abrandam. Em 2013, Portugal foi o 22º mercado mais importante de destino dos relógios helvéticos, à frente de países mais ricos e mais populosos. Os 150,9 milhões de francos suíços de relógios importados (valor à saída da fábrica) foram recorde absoluto (mais 36 por cento que em 2012). No primeiro trimestre, mantendo-se no ranking, Portugal aumentou em 11,8 por cento o valor das importações (chineses, russos, brasileiros, angolanos, e principalmente no eixo Avenida da Liberdade, são os responsáveis por estes resultados).
Falemos, finalmente, de dois portugueses que marcaram a Baselworld 2014 – José Mourinho e Cristiano Ronaldo.
O primeiro, embaixador da Hublot, teve direito ao habitual relógio especial com o seu nome de guerra – Special One. Além disso, é protagonista da campanha Hublot Loves Football, que está a ser difundida a nível global pela marca oficial do Campeonato do Mundo no Brasil. No anúncio, Mourinho aparece em pose de mestre Zen, irradiando literalmente personalidade.
Já Cristiano Ronaldo, depois de ser embaixador de várias marcas, passa agora para a equipa da TAG-Heuer. A campanha de comunicação, que inclui filmes, começa sempre com a frase “Em teoria…”. Num dos anúncios, o jogador português aparece junto da frase "Em teoria, um jogador não marca golos em todas as partidas"; noutro, ilustrado com a cerimónia em que recebeu a sua segunda Bola de Ouro, surge ao lado da frase "Em teoria, um homem não chora".