Acho-me da Fortuna salteado;
O tempo vai fugindo pressuroso,
Deixando-me da vida duvidoso
E cada instante mais desesperado.
Trocou-se o meu descuido em tal cuidado
Que, donde a glória é mais, é mais penoso;
Nem vivo, de perder-me, receoso;
Nem, de poder ganhar-me, confiado.
Qualquer ave nos montes mais agrestes,
Qualquer fera na cova repousando,
Tem horas de alegria; eu todas tristes.
Vós, saudosos olhos, que o quisestes,
Pois, com tormento amor me está pagando,
Chorai, como o que vedes, o que vistes.
Luís de Camões
ResponderEliminarAlto e distante
Em ti, Camões, há muito de fingido
pelo que toca à roda da fortuna
que em termos de alegórico sentido
matéria te fornece de tribuna.
Outros antes de ti questionaram
Idênticos aspectos da inconstância
que rege a vida humana em que buscaram
motivações de mera circunstância.
Se certo foi que em lides amorosas
não foi tua existência porventura
um permanente e doce mar de rosas,
presente tem, Camões, que no restante
e mais que nada na literatura
sempre um lugar marcaste alto e distante!
João de Castro Nunes