domingo, 23 de fevereiro de 2014

Um cronómetro Zenith de bolso, o relógio da Estação do Rossio, o cavalo do Tanganho e outras coisas mais...


 (arquivo Fernando Correia de Oliveira)

Texto um tanto ou quanto incongruente, anónimo, no Sempre Fixe de 25 de Agosto de 1927, e que transcrevemos abaixo. De notar que o Zenith de bolso deveria ser em segunda mão e que “cabelo” é o nome dado pelos relojoeiros portugueses à espiral. O relógio do Cais do Sodré foi, durante décadas, o mostrador da Hora Legal, que é emitida pelo Observatório Astronómico da Ajuda. Quanto ao "cavalo do Tanganho" é uma referência a José Tanganho que, em 1925, venceu um Raid Hípico que ficou conhecido como Volta a Portugal a Cavalo.


Relógio da Estação Central de Lisboa (conhecida como Estação do Rossio)

Há três meses, Serapião comprou numa relojoaria da rua da Palma um cronómetro marca Zenith.

Passaram-se oito dias e Serapião notou contrariadíssimo que o precioso objecto era indigno de se chamar cronómetro. Irritado, dirigiu-se ao relojoeiro e disse-lhe:

“Sr. Carlos Gomes: Se não receasse ofendê-lo, chamar-lhe-ia um intrujão correcto e aumentado. Voltei aqui porque V. disse-me que o relógio era afiançado por um ano e com profundo pasmo notei, 24 horas depois, que este objecto possuía um ponteiro que marchava mais velozmente que o cavalo do Tanganho. Ora, com um relógio marca Tanganho, ganha você, que o vendeu, mas perco eu, que o comprei. Adquiri-o convencido do seu bom funcionamento, quando afinal ele se adianta cinco minutos porm dia.

Proferindo esta tirada teatral, Serapião deixou o relógio nas mãos do artista (?) e prometeu voltar dois dias depois.

E assim sucedeu. O tal Carlos Gomes confessou que, após grande exame, notara que o relógio tinha bastante caspa no cabelo, dois dentes partidos e um cariado.

Serapião amaldiçoou os cronómetros em geral, o seu em particular e os relojoeiros em especial. Pagou o concerto após aquele dueto e, depois do artista ter afirmado que o relógio estava garantido por um ano, a contar daquele dia, saiu radiante e ali mesmo, na rua da Palma, depois de ter tomado café, tomou o eléctrico para a Graça, a caminho de casa.

Logo que se apeou, a primeira coisa que fez foi ver no seu cronómetro o tempo que tinha gasto no percurso, mas, ao meter a mão na algibeira do colete, empalideceu. O relógio fora roubado!

Meteu-se noutro carro até à Baixa e, ao chegar novamente à rua da Palma, dirigiu-se ao relojoeiro nestes termos: “O sr. Gomes não é um intrujão correcto e aumentado! É um intrujão elevado ao cúbico! Afirmou que o meu relógio estava garantido por um ano e, vinte minutos depois, era-me roubado descaradamente!”

Penalizado, o relojoeiro, ao mesmo tempo que lamentava o sucedido, aconselhou-o a não pensar mais no caso e a utilizar-se todas as manhãs do relógio da estação do Rossio.




Estátua de D. Pedro IV, inaugurada em 1870

O infeliz rapaz voltou a casa e, na manhã seguinte, assim que chegou à Praça de D. Pedro, ao pretender consultar o relógio, não caiu das nuvens porque estava cá em baixo, mas teve a impressão que a estátua de D. Pedro lhe desabara em cima. Aquele também desaparecera!!

Como louco, dirigiu-se à polícia e apresentou a queixa de que um mesmo gatuno roubara o seu relógio e o da estação.

E todas as noites, receando que algum gatuno o roube, vai vigiar o relógio do Cais do Sodré, para evitar que aqueles que por lá passam, em vez de dizerem Hora Legal, não o vendo, exclamem:

Ora… gaita!!


Fachada da Estação Central (o nome está talhado ao cimo das duas portas), em estilo neo-manuelino, iniciada em 1886, e da autoria do arquitecto José Luís Monteiro. A obra gerou polémica e a imprensa da época dizia que o autor tinha ali deixado a sua assinatura - duas ferraduras...

A Estação Central ou Estação da Avenida viria a ser conhecida por Estação do Rossio. Foi feita para captar os passageiros da Estação de Santa Apolónia, que ficaria destinada durante algum tempo apenas a mercadorias.





Sala do Rei na Estação do Rossio (espaço onde a família real, primeiro, e personalidades da República, depois, aguardavam o combóio)




Interior da Estação do Rossio, vendo-se ao fundo o início do túnel que liga a Campolide. Uma ousada obra de engenharia, do final do século XIX. Com os seus 2.613 metros, continua a ser hoje o maior túnel da rede ferroviária nacional.

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