domingo, 24 de novembro de 2013

Meditações - já o tempo perde a fala...

Já o tempo se habitua

Já o tempo
Se habitua
A estar alerta
Não há luz
Que não resista
À noite cega
Já a rosa Perde o cheiro
E a cor vermelha
Cai a flor Da laranjeira
À cova incerta

Água mole
Água bendita
Fresca serra
Lava a língua
Lava a lama
Lava a guerra
Já o tempo
Se acostuma
À cova funda
Já tem cama
E sepultura
Toda a terra

Nem o voo
Do milhano
Ao vento leste
Nem a rota
Da gaivota
Ao vento norte
Nem toda
A força do pano
Todo o ano
Quebra a proa
Do mais forte
Nem a morte

Já o mundo
Se não lembra
De cantigas
Tanta areia
Suja tanta
Erva daninha
A nenhuma
Porta aberta
Chega a lua
Cai a flor
Da laranjeira
À cova incerta
Nem o voo
Do milhano ...

Entre as vilas
E as muralhas
Da moirama
Sobre a espiga
E sobre a palha
Que derrama
Sobre as ondas
Sobre a praia
Já o tempo
Perde a fala
E perde o riso
Perde o amor

José Afonso, in Contos velhos, rumos novos

2 comentários:


  1. O tempo não necessita
    de boca para falar,
    pois para nossa desdita
    seu destino é caminhar!

    JCN

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  2. Pode o tempo destruir
    tudo que existe no mundo
    menos o amor profundo
    que nem Deus pode exxtinguir!

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