quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Joyeux anniversaire, monsieur Péquignet! (relógios Péquignet)


Émile Péquignet

O sol de Setembro coa-se pela sala, entre cheiros de pão fresco, chouriço e queijo da região. Tomamos o pequeno-almoço num turismo de habitação, perdido no meio do nada, entre prados e manadas de vacas, a poucos quilómetros da Suíça. Mas estamos em França, mais propriamente no Franche-Comté.

Em viagem de trabalho, estamos prestes a sair quando um homem seco, com botas de montanha, calças de caqui e pólo, bronzeado, mãos calejadas, entra na sala, sorri e saúda o grupo que pernoitou na sua quinta. E ficamos à conversa...









Coube-nos pernoitar no quarto do relojoeiro, que outro poderia ser...












Os estábulos estão cheios de cavalos, ali criados, ali ensinados, prontos a partir para uma qualquer competição ou para casa de novo dono




Autobiografia de Émile Péquignet


Acordionista, instrutor de esqui, cavaleiro, criador de cavalos, estalajadeiro... Émile Péquignet entrou na história da relojoaria francesa quando, há 40 anos, em plena crise do quartzo, fundou a marca com o seu nome.

Desde o dia em que nasceu, a 21 de Novembro de 1940, em Hauterive-la-Fresse, pequena aldeia entre Pontarlier e Morteau, Franche-Comté, junto à fronteira com a Suíça, que Émile levou uma vida feita a pulso. Filho de camponeses pobres, as lides da quinta que os pais arrendavam não o atraíam.

A infância passa-se numa França ocupada, e os soldados alemães estão no quotidiano do pequeno Émile. Aos 16 anos compra o seu primeiro relógio de pulso, atraído pela novidade dos modelos com ponteiro central dos segundos (la troteuse). É também por essa altura que tem o seu primeiro emprego, em Morteau, como aprendiz na empresa de caixas para relógios Soborem.

Um espanhol, Roger Suarez, refugiado da Guerra Civil no seu país, é o chefe de produção. Ele precebe que o jovem Émile tem mai jeito para a estética do que para a técnica. E dá-lhe a oportunidade de desenhar caixas.


Acordionista autodidacta, com vários cds gravados

De 1960 a 1962, Émile presta serviço militar, na Argélia em guerra, prestes a obter a sua independência. Regressado, casa com Monique, de quem tem dois filhos. Com um orçamento familiar apertado, e sendo um esquiador dotado, aceita o convite para ser monitor a tempo parcial, nas estâncias de Val d'Isère. Pelo meio, nas poucas horas vagas, toca acordeão em festas, casamentos e baptizados - também aqui ele é autodidacta. O dinheiro obtido não é demais, pois ao rapaz tinha-se juntado agora uma filha.

O seu principal emprego, a partir de 1963, é o de comercial, vendendo caixas para os fabricantes franceses de relojoaria na região de Viller-le-Lac, Morteau, Charquemont ou Maîche. Em Besançon, a Lip comandava a produção. Mas os conflitos laborais nesta empresa, tornados mundialmente célebres, bem como a ofensiva do quartzo, vinda do Japão, arrasam a indústria relojoeira francesa.

Os tempos pareciam pouco ou nada propícios para se avançar com um negócio no sector. No entanto, desde 1972 que Émile congemina a possibilidade de criar a sua própria marca. E, em Janeiro de 1973, os relógios Émille Péquignet começam a ser pessoalmente apresentados por ele a vários pontos de venda. Esteticamente inovadores, numa altura em que as pessoas se preocupavam pouco com o aspecto do relógio - queriam que ele durasse e que fosse certo, nada mais - os relógios Émile Pequignet rompiam com os cânones.

Espírito independente e empreendedor, gosta dos que se lhe assemelham, Um dia, um português, empregado na empresa de limpeza industrial que tinha a sua fábrica como cliente perguntou-lhe se o contrataria, se ele trabalhasse por conta própria. Émile Péquignet gostou do que ouviu, contratou a nova empresa do português. Pouco tempo depois, esse português era o líder do mercado da limpeza industrial em Morteau.

O que pode fazer um cabeleireito de homem pela vida de um empresário de relojoaria? Muito, pelo menos foi esse o caso com Émile Péquignt. Cliente desde ainda jovem empresário do espanhol Pierre Lopez, que abrira salão em Morteau, conversa muito com ele. O espanhol faz-lhe crer que o nome Émile Péquignet é uma vantagem do ponto de vista de merketing, que é preciso explorar esse factor. Como o cabeleireiro tem clientes em Paris, gente ligada ao jornalismo e ao espectáculo, especialmente na estação Europe 1, os anos 70 são aproveitados pela marca para colocar relógios nos pulsos de algumas personagens célebres de França.


O primeiro modelo Émile Péquignet

Presente na Bijorhca, feira que se realizava duas vezes por ano, em Janeiro e Setembro, em Paris, Émille Péquignet é aí contactado em Setembro de 1973 por um português - Jorge Borges Freitas. O portuense, que foi bolseiro de Arte da Gulbenkian exactamente em Paris, era agora importador de relojoaria e ourivesaria. Tinha ouvido falar dos novos relógios Pequignet, gostou do que viu, estava interessado em levá-los para Portugal.

Um Portugal que meses depois entraria em ebulição, com o golpe de estado de 25 de Abril desse ano, que terminava com o regime de ditadura. Nesses anos de brasa, estranhamente, venderam-se muitos relógios. Os salários tinham aumentado, a sede de consumo era grande. "A nossa colaboração de 30 anos nunca teve a mais pequena nuvem", diz Émile Péquignet.

Portugal tornava-se no segundo mercado da marca, depois da França, e o sucesso foi muito grande. Uma sondagem efectuada nos anos 90 colocava a Péquignet em terceiro lugar em termos de notoriedade relojoeira.


Em cima, um dos últimos Moorea, equipado com o Calibre Royale, desenvolvido internamente. Em baixo, outros modelos Moorea, dos anos 1990 e 2000




A estética Péquignet ia sendo apurada, com modelos como o Boréales (1983), o Moorea (1984); o Golf (1986), o Equus (1987), o Massai (1988) ou o Séoul (1988). São os anos de ouro da marca e Émile Péquignet é distinguido com a ordem de cavaleiro da ordem Nacional de Mérito do Estado francês. A pulseira Moorea, por exemplo, continua a ser hoje reconhecida, é um ícone da estética relojoeira.

Interessado desde jovem pelos cavalos, Émille tinha adquirido em 1976 a quinta Pré Oudot, em Fournet-Luisans. Parte do seu tempo é passado a criar e ensinar cavalos, a competir (na classe de veteranos) ou a patrocinar cavaleiros com a sua marca.

Presente desde 1974 na feira de Basileia, a maior do mundo no sector da relojoaria, a Péquignet chega a montar ali, por duas semanas, um circo, onde dá festas e premeia clientes. Em 1998, a marca é parceira da eleição de Miss França (até 2002). Em 1999, abre uma boutique mono-marca, em Estarsburgo. A empresa factura então 10 milhões de euros. E Émile Péquignet pensa ter chegado a altura de a vender.

Para a transação, será o amigo Jorge Borges de Freitas o intermediário dos primeiros contactos. A J. Borges Freitas era na altura a representante em Portugal da Zenith. Um quadro comercial da manufactura tinha acabado de sair e estava interessado em comprar uma marca. Borges de Freitas apresentou esse quadro, Didier Leibundgut a Émille. E o negócio efectivou-se. Mas isso já são contas de outro rosário, contadas aqui.


Um calibre automático, esqueletizado, e um modelo feminino, com pulseira intercambiável, modelos dos anos 1990 e 2000



Laurence, Emma e Émile

Casado uma segunda vez, com Laurence, de quem tem uma filha, Emma, passa a viver apenas para a família, para os cavalos, para o acordeão...

O pequeno-almoço está no fim. Temos que partir para Morteau, para visitar as instalações da Péquignet.

Atiramos:

- Não sente vontade de voltar à empresa que fundou? De intervir?

- Sabe... nunca quis acabar os meus dias a arrastar os pés pelos corredores da Baselworld. [e refere-nos o nome de um outro histórico do sector, que como ele, há 40 anos, fundou uma marca com o seu próprio nome...]

Palavras sábias... Joyeux anniversaire, monsieur Péquignet!



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