sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013) e o Tempo, que apodrece o amor

Morreu esta madrugada, aos 89 anos, Urbano Tavares Rodrigues. Dizia ele, em entrevista ao DN, em Agosto de 2007:

[...] Os meus grandes temas foram o amor, a morte e o tempo.

Como é que o homem Urbano Tavares Rodrigues lida com cada um desses temas?

O tempo é o grande inimigo. Corrompe os sentimentos, degrada-os, especialmente o amor. O tempo faz apodrecer o amor. Mas o tempo também traz sabedoria, um conhecimento cada vez mais aprofundado dos seres humanos e das técnicas literárias, das formas de contar, o virtuosismo da narração. [...]


Dele, ainda, três poemas de O Eterno Efémero / Horas de Vidro (2011):

Destino

I

Trago na fonte
e estrela do fogo
da minha revolta
Nunca aceitaria qualquer tirania
nem a do dinheiro
nem a do mais justo ditador
nem a própria vida eu aceito...
tal como ela é
com todas as promessas
do amor e da juventude
e a parda doença
de envelhecer
a morte em cada dia
antecipada

II
Na mais lebrega alfurja
ou na cama de folhas macias
da floresta
onde a chuva te adormeceu
há sempre um idamante de sol
cujos raios te penetram de
ventura
ao sonhares a palavra
liberdade


III
Quando a terra poluída
tiver sorvido
toda a água dos lagos e das
fontes
hei-de levar o meu fantasma
até ao porto sonoro
onde a esperança cai a pique
sobre o mar dos desejos sem limite


DISSE-TE UM DIA

Disse-te um dia
... que havia de dar-te uma estrela
tão real como os sonhos
do rio Guadalquivir
e o perfume adolescente
do teu corpo
a ondular na aurora de Sevilha
Não foste comigo a Barcelona
ver as pesadas corolas e os mosaicos
de La Pedrera
mas espera-me no aeroporto
de nunca antes
o rumor febril dos teu olhos
onde aprendi
que o tempo não existe
Mas a vida pode ser
também mágoa escura
bem sabes Por isso te prendo
as mãos sobre as ancas
para não fugirmos mais um do outro
e bebo todo o sol e afinal o tempo
nos teus lábios.


Primavera

A Primavera vem dançando
com os seus dedos de mistério e turquesa
Vem vestida de meio dia e vem valsando
entre os braços dum vento sem firmeza


Nu como a água o teu corpo quieto e ausente
Só este inquieto esvoaçar do teu sorriso
Loiro o rosto o olhar não sei se mente
se de tão negro e parado é um aviso
do destino que me fixa finalmente

Ai, a Primavera vai passando
com os seus dedos de mistério e de turquesa
Segue Primavera vai cantando
Que será do nosso amor nesta praia de incerteza

4 comentários:

  1. O Poeta faleceu,
    mas o poema ficou:
    talvez esteja no céu,
    porque não se abastardou!

    JCN

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  2. Nem sempre o tempo apodrece
    no coração das pessoas
    o puro amor que acontece
    e para sempre juntou-as!

    JCN

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  3. A morte para um poeta
    é motivo obrigatório,
    como aliás é notório
    em qualquer boa selecta!

    JCN

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  4. O tempo, nosso inimigo,
    não nos deixa sossegar,
    sendo esse o nosso castigo
    por o querermos fechar!

    JCN

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