sexta-feira, 19 de outubro de 2012
A invasão chinesa continua - artigo de análise no Fora de Série
O Diário Económico inclui na sua edição de hoje um suplemento especial, um Fora de Série Especial Relógios, para o qual Estação Cronográfica contribuiu com várias reportagens. Eis o artigo de análise que escrevemos, sobre a situação actual na indústria do luxo:
A invasão chinesa continua
Fome de luxo
Fernando Correia de Oliveira
Andou recentemente por Paris ou Londres? Apercebeu-se dos milhares de chineses que, todos os dias, em carradas renovadas, se acotovelam nos grandes armazéns de luxo, nas boutiques das marcas de griffe? E viu como eles saem de lá, carregados de sacos, qual glorioso japonês dos anos 80? Sem o caudaloso rio amarelo, a crise europeia seria muito mais grave.
Atente-se na diferença entre um milionário ocidental e um chinês. Em princípio, o primeiro já comprou quase tudo o que quer e pode. O segundo ainda não comprou praticamente nada. E quer tudo. Mas, sobretudo, relógios e jóias. São fáceis de transportar, dão estatuto, servem de presente para familiares e amigos, de “luvas” de ocasião.
Até 2015, a Ásia terá 3 milhões de milionários, contra 1,6 milhões em 2010. A previsão é do banco privado suíço Julius Baer, no seu mais recente relatório sobre a riqueza no mundo.
O relatório indica ainda que a fortuna total detida por esses milionários deverá elevar-se a 16,7 mil milhões de dólares, contra 5,59 em 2010. Para os seus estudos, o banco suíço, especializado na gestão de fortunas, contabiliza os indivíduos que tenham pelo menos um milhão de dólares investidos. O seu número deverá subir para pelo menos 2,61 milhões em 2015, ou seja, uma progressão anual média de pelo menos 30 por cento desde 2010.
A China deverá ter nesse ano cerca de 1,46 milhões de milionários, concentrando um total de 9,3 mil milhões de dólares em riqueza.
O Julius Baer divulgou também há dias o seu índice Lifestyle, medindo as compras de produtos de luxo em certas regiões do mundo, e baseado num cesto de 20 itens comprados em 4 grandes cidades da região (Hong Kong, Shanghai, Singapura e Mumbai). Esse índice deverá aumentar 8,8 por cento nos próximos 12 meses.
Focalizemos apenas na China. Os números da sua vitalidade continuam a espantar, apesar do arrefecimento da economia. Segundo um estudo do Boston Consulting Group, até 2020, estima-se que 330 cidades chinesas terão poder de compra ou gerarão o rendimento de Shanghai em 2010.
A emergência de uma classe média imensa, a explosão do número de grandes fortunas faz continuar a sonhar à indústria do luxo europeia. Segundo a Merrill Lynch, 320 mil chineses são já milionários em dólares e, segundo a Forbes, 41 são multimilionários. Em consequência disso, o mercado de luxo chinês é estimado em 2011 em 13 mil milhões de euros. Impõe-se assim como segundo mercado mundial, depois dos Estados Unidos e antes do Japão.
O consumo de produtos de luxo tem progredido ao ritmo de 27 por cento ao ano nos últimos cinco anos na zona da Grande China (continente, Hong Kong, Macau e Taiwan). Segundo a Goldman Sachs, esta fatia representa 30 por cento das vendas mundiais. A China é pois actualmente o principal alvo dos gigantes do luxo. Já bem representados nas grandes metrópoles, eles procuram agora implantar-se nas cidades de segunda e terceira grandeza.
Outro aspecto a considerar – os milionários chineses têm uma média etária inferior aos ocidentais, podendo isso significar que estão potencialmente mais focados em comprar online, mesmo quando se trata de objectos de luxo.
Isso está a fazer pensar os grandes grupos. É que o comércio electrónico permite ultrapassar uma série de barreiras burocráticas que aumentam significativamente os custos de uma presença física. São precisos pelo menos seis meses para abrir um ponto de venda em território chinês e conseguir um bom local, estando a maior parte deles já ocupados. Um site na Internet cobre mais depressa o conjunto do território, por muito menos preço.
Num estudo para a Ásia-Pacífico, a Mintel, operador global de informação sobre consumo, produto media, reafirma que a região consolidou a sua posição como mais importante mercado regional do luxo.
Esse estudo mostra ainda que o segmento de relojoaria e joalharia cresceu a um ritmo de 23 por cento em 2010 e 2011, ultrapassando a média de crescimento para o luxo, que foi de 14 por cento.
Segundo a Mintel, relógios e jóias desafiarão o abrandamento do crescimento económico na China e em outros mercados emergentes, bem como o contexto depressivo europeu, conseguindo em 2012 crescimento da ordem dos 20 por cento ou mesmo mais.
Os numeros podem variar um pouco, mas vão dar sempre ao mesmo: a Mintel diz que em 2010 a Ásia-Pacífico contou para 36 por cento do mercado global do consumo de luxo, seguida da Europa, com 35 por cento. O continente americano contribuiu com 26 por cento dos gastos e as outras regiões, incluindo o Médio Oriente, a África e a Índia), com apenas 4 por cento.
Em 2011, essa fatia da Ásia-Pacífico cresceu para os 38 por cento. A Europa desceu para os 33 por cento e o continente americano para 25 por cento.
Falta falar do factor mobilidade. É que muitos chineses, mesmo muitos, bem como outros asiáticos, compram fora, por razões de impostos, de comodidade, de discrição. E, claro, há os russos…
“Na Europa, muito do crescimento nas mercadorias de luxo, nos últimos anos, pode ser atribuído ao turismo, particularmente da Rússia e da Ásia-Pacífico”, diz Paul French, responsável da Mintel para o mercado chinês.
A questão da Swissness
País pequeno, com pouca população, sem recursos naturais, a Suíça é, no entanto, o primeiro do mundo em termos de competitividade. Mesmo com uma moeda forte, a contragosto (o franco suíço é moeda de refúgio e o Banco Central helvético viu-se obrigado a intervir, fixando a paridade com o Euro), o país é uma máquina de exportação. Tem marcas, tem imagem de qualidade, vence no luxo sem precisar de ceder ao “síndroma da t-shirt” (há sempre alguém que fará isto mais barato…)
Dentro de dias, o parlamento federal irá debater uma lei que protegerá ainda mais as marcas registadas e os símbolos nacionais. A esse conceito se tem chamado de Swissness. Segundo o projecto de lei, será oferecida mais protecção ao “Swiss Made”.
“Para a indústria relojoeira suíça, que precisa de protecção e não de oportunistas, que querem fazer negócio com a marca ‘Swiss’, a medida será Benvinda”, dizem responsáveis do sector.
Representando cerca de 53 mil postos de trabalho e exportando cerca de 20 mil milhões de francos ao ano, a indústria relojoeira suíça é um dos sectores mais performantes do país.
Segundo os patrões do sector, agrupados na Fédération Horlogére (FH), a legislação em vigor está obsoleta e a marca “Swiss made” enfraquecida, arriscando-se a ser usada de forma errada na relojoaria, apropriada por produtos que têm uma proporção muito baixa de valor acrescentado suíço.
“A Suíça precisa de uma infra-estrutura industrial através da cadeia de criação de valor, com uma variedade de manufacturas e de subcontratados tanto grandes como pequenos, e não apenas na indústria relojoeira”, dizem os dirigentes da FH. “Se queremos que as futuras gerações sejam beneficiadas com a marca ‘Swiss’, a protecção da marca ‘Swiss made’ é urgente. São os mais audazes e persistentes da economia suíça que devem ser protegidos, pois são eles quem protege o emprego e a sua criação, em oposição a oportunistas que querem fazer negócio com o conceito de Swissness e que, escudando-se em argumentos falaciosos, tentam evitar a introdução de uma situação legal mais rigorosa”.
Sem uma protecção credível, os abusos continuarão a multiplicar-se, temem os industriais. Isso trará graves consequências para todos os produtos suíços. Segundo a proposta de legislação, pelo menos 60 por cento do valor acrescentado nos produtos industriais terá que ser realizado em território suíço. A questão da marca é importante, num mundo cada vez mais globalizado. E a questão da marca, na indústria do luxo, é praticamente tudo.
A situação portuguesa
Recentemente, um quadro português, Director Geral da maior cadeia de distribuição de relógios do país, interrogava-se em artigo publicado numa revista de marketing: “Qual a quota portuguesa neste mercado de muitos biliões de euros de verdadeiro valor acrescentado? Muito pequena no nosso ponto de vista. Razão principal? A inexistência de um trabalho consistente e duradoiro sobre o maior activo de qualquer marketeer: as marcas”.
“Se olharmos com detalhe para o mercado de luxo, quase todas as grandes marcas são originárias da Europa, com uma pequena excepção para uma meia dúzia de marcas americanas no segmento de moda e acessórios. A Europa conseguiu criar um conjunto de produtos, em vários sectores de actividade, que são únicos e desejáveis em todas as latitudes e quadrantes. O que têm estes produtos em comum? Prestigio, qualidade irrepreensível, tradição, mas acima de tudo uma marca e uma imagem que os torna únicos”, observa João Santos, da Tempus Internacional.
“Quando analisamos em pormenor as marcas e os países, reparamos que quase toda a velha Europa tem as suas marcas de luxo. Toda não, pois existe um pequeno canto na costa ocidental da Europa que parece não querer saber deste fenómeno: nós em Portugal”, aponta o gestor. “A verdade é que temos sectores de alta qualidade, veja-se o caso dos azeites e do calçado, mas faltam-nos mais marcas para criar valor acrescentado e tornar a cadeia de valor virtuosa que o ajude a criar e a desenvolver valor e não a destrui-lo”, diz. “Num momento em que tanto se fala da necessidade de mudança de paradigma em Portugal, da necessidade óbvia de voltar a nossa produção para a exportação, falta-nos a variável fundamental para que a competição seja feita com sustentabilidade e sobretudo com valor acrescentado para o país e para as empresas: as marcas!”.
Falta marca e, acrescentaríamos nós, conceito de “portugalidade”. Exportadores nacionais confessam por vezes ter dificuldade em vender os seus produtos no mercado global se eles tiverem escrito “made in Portugal”… retirando, escondendo pois a origem de fabrico. Quadro triste, que necessitaria de ser pensado. Se não há marcas, há pelo menos investimento. No sector do retalho do luxo, a Avenida da Liberdade, em Lisboa, não dá mostras de querer parar. Mesmo em clima recessivo, como não se via há muitos anos, os principais operadores parecem acreditar no futuro. E não apenas na capital.
Assim sendo, a Boutique dos Relógios Plus abriu há dias mais dois pontos de venda, um no Conrad Algarve e outro no Ritz Four Seasons Lisboa. Este último funciona como show room, fazendo rodar no espaço as marcas do portefólio de Alta Relojoaria da cadeia, que passa assim a um total de seis lojas.
Já na Avenida da Liberdade, a Boutique dos Relógios Plus prepara-se para abrir em breve outros dois pontos de venda. Um, junto ao Hotel Soifitel Lisboa. Do outro lado da avenida, a localização será onde funcionou o Instituto Português da Juventude. A Boutique dos Relógios Plus é o segmento topo de gama da rede de retalho Boutique dos Relógios, a maior do país.
Para a Avenida da Liberdade está ainda prevista a reabertura de uma boutique Cartier, no primeiro trimestre de 2013, depois do desastrado encerramento da que teve no Chiado.
A rede Torres Joalheiros anunciou também a intenção de abrir uma loja naquela artéria.
A David Rosas deverá encerrar durante os primeiros meses de 2013, dado que está a remodelar e a ampliar o espaço que tem na avenida, procurando agora na zona um alternativo para esse período.
No Porto, um dos pontos de venda mais antigos, a Marcolino Relojoeiro, acaba de alargar-se no centro histórico, num edifício de traça Art Déco.
A emergência de clientes estrangeiros – sobretudo brasileiros e angolanos – tem permitido aos mais fortes sobreviver e, mais do que isso, crescer em infra-estrutura. Nos últimos meses, consumidores chineses e provenientes dos cruzeiros que aportam a Lisboa, começam a ter também, algum significado no consumo de luxo na capital. Quanto ao mercado interno, esse, está praticamente parado. E as perspectivas não são animadoras.
Historicamente, Portugal esteve décadas, desde os anos 1930, entre os 20 principais mercados de exportação de relojoaria suíça. Com a emergência na última década de novos países consumidores, o país foi naturalmente relegado para a faixa entre os 20º e 30º lugares. Com países como o Brasil ainda sem sequer apareceram no Top 30 (os brasileiros compram sobretudo no exterior, devido a taxas muito elevadas no seu país) Portugal deverá dentro de poucos anos deixar de figurar na lista.
Ou então… guiados pela luz, Lisboa é descoberta em massa pelos chineses e… estará tudo salvo.
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