quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Meditações - horas doidas, imprudentes

Ao vir do inverno, entre murmúrios, quando
a água nas Nascentes se renova,
dentro de mim acorda soluçando
não sei que estranha, quando impossível trova!

É queixa amargurada que se amplia
nas íntimas penumbras do meu ser.
No entanto, deixa-me um rasto de alegria,
- e eu gosto de a escutar e de a sofrer!

Eu gosto de sofre-la e de escutá-la,
quando as Nascentes desabrocham, tontas...
De quem és tu, embriagadora fala?
Que idílio incerto é esse que me contas?

Canção de Silvaninha prisioneira,
- canção da Dona Infanta no terraço...
Terei alguém no mundo que me queira
e não me negue o alívio do seu braço?

E cantam as Nascentes...
Bem-Amada,
nunca me esquece, nunca, o teu enlêvo!
Tu és a minha Fonte renovada,
- de ti me vem a ânsia com que escrevo!

Jardim fechado!... E cantam as Nascentes
Que triste não será o envelhecer?!
E as horas passam, - passam, imprudentes,
- as horas passam, doidas, a correr! [...]

António Sardinha, in Quando as Nascentes Despertam


1 comentário:

  1. Improvisando sob a inspiração de António Sardinha, o António de Monforte dos tempos de estudante:

    "AS HORAS PASSAM"

    As horas vão passando certamente
    sem dar sequer por nós nesta existência
    onde em verdade é tudo contingência,
    menos talvez aquilo que se sente!

    Vão-se escoando as horas, uma a uma,
    a tudo o que nos toca indiferentes,
    enquanto os nossos ideais latentes
    se desfazendo vão como alva espuma!

    Neste processo, como alguém já disse,
    a vida se nos vai sem darmos conta
    de estarmos já nos braços da velhice.

    Impreterivelmente, por seu lado,
    o tempo, à margem de qualquer afronta,
    segue o seu curso alheio ao nosso estado!

    JOÃO DE CASTRO NUNES

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