quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Meditações - cantiga da terra em Agosto

Canção de agosto profundo,
- canção das rãs e dos sapos...
Sobe da terra chorando,
sobe da terra aos farrapos.

Nossa Senhora das Neves
anda a esfolhar açucenas.
A lua, branca de leite,
desfaz-se em chuva de penas.

E grita a mágoa da noite;
e grita a noite suspensa:
- "Só há remédio na morte
p'ra o mal que vem de nascença!"

Canção de agosto profundo,
- profunda voz das raízes...
Fica-se a noite acordada,
não dorme a ouvir o que dizes!

Lua de agosto boiando,
és dum luar sem primeiro!
Por tua causa -não sabes? -
matou-se o mês de janeiro!

Lua dos grandes feitiços,
sossega o meu coração!
Fala-me tu desse beijo
que deu Isolda a Trstão!

Ó lua, sol dos defuntos,
sorrindo às almas cristãs,
quando é que tu adormeces
a dor antiga das rãs?

Canção de agosto profundo,
- canção de Dona Silvana...
Ó boca, ardendo com sede,
vê tu se a lua te engana!

Vai alta a lua, vai alta!
Ladram os cães ao luar...
Lua de agosto, coalhada,
quem te pudera apanhar!

Canção de agosto profundo,
- canção das rãs e dos sapos...
Sobe da terra, chorando,
sobe da terra aos farrapos.

Canção de Dona Silvana,
- canção da Nau-Catrineta...
Ninguém a pobre recuse,
ninguém a rico prometa!

A lua dorme, quietinha,
dorme no fundo do poço...
Canção da terra com sede,
canção dum peito inda moço!

Levas a noite, caiando,
luar, amigo da cal...
Ó caiador afamado,
caia-me bem Portugal!

António Sardinha, in Quando as Nascentes Despertam

3 comentários:

  1. O mês de agosto hoje em dia
    deixou de ser como dantes:
    por causa da carestia
    tem menos veraneantes!

    JCN

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  2. O luar de agosto agora
    tem raios menos brilhantes:
    os românticos amantes
    não suspiram como outrora!

    JCN

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  3. No mês de agosto actual
    o seu típico luar
    já não consegue caiar
    a alma de Portugal!

    JCN

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