sexta-feira, 8 de julho de 2011

Meditações - admiráveis relógios

Toda a cidade tem o seu coleccionador ou antiquário, toupeira morosa que anda na ruína das coisas, à procura de histórias eruditas ou preciosidades sepultas, quase sempre armada de uns óculos que em verdade lhe não deixam ver melhor pelos problemas a dentro. O da minha terra [Beja] obedecia a este cliché dos antiquários de província, estáticos hoje perante o trevo bárbaro dum pórtico, e loucos amanhã pela descoberta de algum tríptico exilado no fundo de alguma paróquia entre as brenhas. [...]
[Vicente Prostes] Era um pequeno velho, mesquinho, arrastando um pouco de uma perna, os seus olhitos azuis, em cujo fundo, como numa gruta, havia ossadas de antigas ironias [...]
Tem mais bocados a vida, quando o egoismo da corja vem decepar o melhor de uma ambição secreta e íntima, e nos faz dentro morrer o entusiasmo por um ideal entresonhado.
Bem no sabia o misantropo antiquário, que no subterrâneo maior do seu museu, diante de uma mesa carregada de Saxes, estatuetas, jarrões, cestos, quermesses, pratas artísticas, velhos bronzes gravados, admiráveis relógios, miniaturas e alfaias de serviço religioso, ficava muito tempo a considerar um espaço vazio ao centro do movel [...]

Fialho de Almeida (1857 - 1911), in O País das Uvas

4 comentários:

  1. Obrigado por estes vislumbres de iluminantes fragmentos, que por aqui, e a pretexto das fascinantes máquinas de contar o tempo, nos vai oferecendo.

    Abraço.

    ResponderEliminar
  2. A referência feita por Fialho
    à figura do velho antiquário
    não deve as honras ter de comentário
    por mais não ser que sórdido enxovalho!

    JCN

    ResponderEliminar
  3. UM CRISTO... SINGULAR

    Em Padrón, na Galiza, há vários anos,
    travei conhecimento ocasional
    com certo antiquário original
    que superava todos os ciganos.

    Tinha de tudo um pouco: castiçais,
    imagens de marfim e de madeira,
    relógios, pistolões de pederneira,
    coisas assim, de tempos ancestrais.

    Fiado nas histórias que contava,
    apalavrei algumas velharias
    com as correspondentes garantias.

    Tudo estragou, porém, quando após isto
    me quis mostrar um Cristo que datava
    de trezentos e tal... antes de Cristo!

    JOÃO DE CASTRO NUNES

    ResponderEliminar