quarta-feira, 16 de março de 2011

Meditações - Pêndulo mortal

Levantei os olhos e examinei o tecto da prisão. Estava a uns trinta ou quarenta pés de altura e era construído de modo muito semelhante ao das paredes. Num dos painéis havia uma figura singularíssima, que me fixou completamente a atenção. Era a representação do Tempo, como normalmente o representam, com a diferença, porém, de que em vez da foice tinha um objecto que à primeira vista julguei ser um grande pêndulo, idêntico aos que vemos nos relógios antigos.

Havia contudo na aparência desta máquina alguma coisa que me levou a fitá-la com mais atenção. Enquanto a observava olhando para cima, pois estava precisamente por cima de mim, pareceu-me vê-la mover-se. Um instante depois confirmava-se a minha suspeita. O seu movimento era curto e naturalmente muito vagaroso. Observei-o durante alguns minutos com certo receio, mas principalmente com espanto. Cansado, por fim, de observar o seu oscilar fastidioso, voltei os olhos para os outros objectos do cárcere.

Um ligeiro ruído atraiu-me a atenção e, olhando para o chão, vi muitos ratos enormes. Saíam do poço, que ficava dentro do meu campo de visão, à direita. Nesse mesmo instante, enquanto olhava para eles, subiam aos magotes, apressadamente, com olhos vorazes, atraídos pelo cheiro da carne. Foi-me então necessário um esforço enorme e muita atenção para conseguir afastá-los de mim.

Ter-se-ia passado meia hora, talvez até uma hora (pois não me era possível ter perfeita noção do tempo), quando ergui novamente os olhos para o tecto. O que então vi deixou-me atónito e surpreso. A amplitude do movimento do pêndulo tinha aumentado cerca de uma jarda. Como consequência natural, a sua velocidade era também maior. Mas o que principalmente me perturbou foi a ideia de que o pêndulo tinha baixado visivelmente. Observei então - inútil será dizer com que horror - que a sua extremidade inferior era formada por uma meia-lua de aço brilhante com cerca de um pé de comprimento, de ponta a ponta, com as extremidades viradas para cima e o gume inferior afiado, evidentemente, como uma navalha de barba. Tal como uma navalha, parecia pesada e maciça, alargando-se a partir do gume, numa estrutura larga e sólida. Estava ligada a uma pesada vara de bronze e o todo sibilava balouçando-se no ar.

Não pude duvidar por mais tempo da sorte que me preparara o engenho dos frades para quanto fosse tortura. Os agentes da Inquisição souberam que eu já conhecia o poço - o poço, cujos horrores tinham sido destinados a tão ousado herege como eu - o poço, símbolo do inferno e considerado pelo vulgo como a última Tule de todos os seus castigos. Tinha escapado de mergulhar no poço pelo mais simples dos acasos, e sabia que a surpresa ou o estratagema no tormento formava parte importante de quanto havia de grotesco naquelas execuções misteriosas. Não tendo caído, não entrava no plano diabólico lançarem-me no abismo; e assim (sem haver outra alternativa), esperava-me uma destruição diferente e mais suave. Mais suave! Esbocei um sorriso, na minha agonia, ao pensar na aplicação que dava a semelhante palavra.

De que me servirá falar das longas horas de horror mais que mortal, durante as quais contei as oscilações precipitadas do aço! Polegada a polegada, linha a linha, baixando imperceptivelmente, a intervalos que pareciam séculos, baixava cada vez mais, baixava sempre! Passaram-se dias - podem ter-se passado muitos dias - antes que o pêndulo viesse balouçar tão perto de mim que me bafejasse com o seu sopro acre. O cheiro do aço aguçado entrava-me pelas narinas. Roguei aos Céus, cansando-os com as minhas súplicas, para que fizessem com que o aço descesse mais depressa. Tornei-me freneticamente doido e forcejei por levantar-me e ir ao encontro da terrível cimitarra. E afinal caí repentinamente em sossego e quedei-me sorrindo para a morte brilhante, como uma criança para um brinquedo raro.

Edgar Allan Poe (1809 - 1849), escritor norte-americano, in O Poço e o Pêndulo

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