sábado, 1 de maio de 2010

Pista da semana - O Rijomax, um relógio astronómico em Tabuaço


Amândio José Ribeiro, estabelecido com banca de relojoeiro em Tabuaço, foi notícia de jornais e televisões quando, em 2002, se soube que iria vender o seu Rijomax, “o relógio mais completo do mundo”, à Câmara local.

Nascido em 1912, este inventor de 90 anos terá começado aos sete a achar piada às pequenas rodas e outras peças, “quando comecei a trabalhar com um relojoeiro em Trancoso”, diz ele a quem o vai procurando. “Não entendia nada de relógios, mas os meus companheiros de brincadeira achavam que eu sabia, e entregavam-me máquinas avariadas para arranjar. Estraguei mais do que compus, mas lá se ia dando um jeito”.


O relógio desde logo se torna objecto de paixão e, com ela, o desejo de criar um que fosse diferente de todos os outros. “Um relógio que assinalasse a posição do Sol, mas muito mais”.

Segundo os seus cálculos, gastou 16 mil horas, desde 1945 até 1973 às voltas do “seu” relógio. Era tudo em segredo, “nem a minha mulher sabia”.

“Comprei livros, aprendi tudo por mim. Foram muitas horas sem dormir, a dar voltas à cabeça, porque teimei que existia um erro na hora normal”, explica.

Realmente, o tempo sideral não coincide com o tempo do calendário. Por outras palavras, o Sol não leva exactamente 365 dias a dar uma volta aparente à Terra. O calendário gregoriano, como já vimos, tenta corrigir esta discrepância com a introdução do ano bissexto, de 366 dias, de quatro em quatro anos. Assim, a discrepância é mínima, mas Amândio José Ribeiro achava que o “seu” relógio teria que ser perfeito e fazer os acertos ainda mais acurados.

Nasceu o Rijomax, acrónimo do seu nome. O relógio tem mostradores que indicam os movimentos aparentes do Sol e da Lua, fazendo acertos do tempo sideral em ciclos de 6272 anos, a começar em 1900 d.C. Além disso, o relógio marca segundos, minutos, 24 horas, hora universal, hora solar, hora legal, assinala anos bissextos, suprimindo automaticamente 24 horas de 128 em 128 anos. “E conta a Era até um milhão de anos sucessivos”, acrescenta, orgulhoso do seu conjunto monumental, com mais de 16 mil algarismos e letras indicativos.

Tudo isto tem vindo a ser contado aos curiosos que visitam o seu estabelecimento, em Tabuaço. Uma história contada na primeira pessoa, gravada numa fita, “porque já a contei tantas vezes que, achei melhor fazer uma gravação. É também mais engraçado, parece que é o Rijomax que a conta”. A versão também pode ser levada para casa, em folhetos.

Continuando a descrever o Rijomax, Amândio José Ribeiro, diz que ele “marca o nascer e o pôr-do-sol, a horas regulares e com luz fornecida por corrente eléctrica, crescem e decrescem os dias, marca o dia e a noite com escala diária de quantas horas e minutos tem o dia e a noite. Marca os Equinócios, os Solstícios e as fases da Lua com luz que recebe do dito Sol”.

Este Rijomax, com a patente número 12931, como se apressa a frisar o inventor, é um calendário perpétuo: “Marca os anos bissextos e comuns; 30, 60, 90, 120, 150 e 180 dias da data; as semanas e os dias da semana; os meses, os dias dos meses e quantos faltam para o fim do mês; os anos, os dias dos anos e quantos faltam para o fim do ano; as estações e os dias das estações; os signos e os dias dos signos; os semestres, os trimestres e a indicação em que dia da semana começa cada mês, e outra se o ano for bissexto; as datas das fases da Lua e a mudança de tempo.

Tem ainda indicação dos números do Ciclo Solar, do Áureo Número, da Epacta, letra Dominical, as eras cronológicas, os dias da era de Cristo, os séculos. Possui calendários para se saber o dia da semana de qualquer data, desde o dia 01 de Janeiro do Ano I da era de Cristo até ao presente e futuros”.

Dá para perder o fôlego. Mas esta loucura feérica, que torna o mestre do Tabuaço numa espécie de Gaudi dos relógios, este Rijomax ainda “marca os feriados, os dias dos Santos e as Festas móveis, tem barómetro, termómetro e mostrador dos pontos cardeais. Desperta por música à escolha, por campainha, e acende a luz a toda a hora desejada. Fala, dizendo quantas horas são e dá uma saudação em vocabulário religioso, e tem ainda um aparelho para chamar o dono da casa”.

Mestre Ribeiro diz que tem sido visitado ao longo dos anos por “gente das Universidades, que vai pondo à prova o funcionamento disto tudo, e ainda não acharam nenhuma falha”.

O Rijomax irá agora sair do estabelecimento de Amândio José Ribeiro, pois já é propriedade da Câmara de Tabuaço. Ficará no Museu local. “Não queria vender, tive sempre muitas ofertas mas… Tenho pena, porque vai ficar para ali e ninguém vai olhar por ele. Vai acabar por morrer”, desabafa. Não deverá ser, na verdade, fácil, acertar este Rijomax.

[Entretanto, António José Ribeiro faleceu e o Rijomax encontra-se no Museu Municipal. A Pista da semana é pois Tabuaço e o seu relógio astronómico, único em Portugal]

Para saber mais: Câmara Municipal de Tabuaço e História do Tempo em Portugal - Elementos para uma História do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades em Portugal (Diamantouro, 2003)

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