segunda-feira, 31 de agosto de 2009

O Tempo (longo) do desemprego

Quando os dias se arrastam penosamente, parecendo que ganharam horas adicionais
Da newsletter mensal Recursos Humanos Magazine respigamos aqui um artigo de Floriano Serra*

Com toda esta corrente de cortes de pessoal feitos pelas empresas em nome da crise que assola o mundo, raros são os lares que não abrigam um familiar despedido. Pode ser o pai, a mãe, o marido, a mulher, um (ou mais) dos filhos – qualquer membro.

Independentemente de quem seja, o desempregado merece uma atenção especial. E sobretudo muito respeito. Trata-se de uma situação que deve ser gerida com bom senso e sensibilidade pela família. Não vou falar aqui das necessárias adaptações no orçamento doméstico para enfrentar a nova situação – cada família adoptará critérios próprios para isso.

Quero falar da figura humana do desempregado, sob o peso incalculável do que ele estará a passar – solitariamente, na maior parte das vezes.

Em primeiro lugar, é preciso que todos entendam que, sem justa causa, ninguém é demitido porque quer - principalmente quando se trata daquele que contribui com a maior parte para a renda familiar - quando não seja o único provedor da mesma. É importante a consciência deste facto porque, em alguns lares, há até a tendência inicial de culpar a pessoa despedida, mesmo sem ter conhecimento dos detalhes que ocasionaram o despedimento.

O profissional demitido sem justa causa sofre uma multiplicidade de sentimentos: o de raiva, pela impotência de não poder reverter a situação – sobretudo quando tem a clara noção de que foi cometida uma injustiça; a de vergonha, de ter que conviver com o secreto pensamento alheio de que a empresa preferiu abrir mão dele e ficar com outros funcionários supostamente mais competentes; e o de insegurança, por saber o quão difícil será conseguir outro emprego do mesmo nível, de forma a manter o padrão social a que está habituado – sem falar da liquidação das dívidas.

Ninguém precisa de apontar um dedo acusador para o desempregado, que já está com os seus próprios dez dedos apontando para si. É por isso que alguns profissionais demitidos, no escuro silencioso do seu quarto e durante as longas horas em que não conseguem dormir, ficam a martirizar-se semanas a fio por achar que, lá no fundo, de alguma maneira, poderiam ter agido de forma a evitar a demissão: quem sabe, se tivesse sido mais político; se não tivesse respondido ao chefe daquela forma; se não tivesse cometido aquele erro; se não tivesse caído na provocação do colega; se se tivesse esforçado mais – um mundo de “se” povoa a sua mente, alguns procedentes, outros nem tanto, mas de qualquer forma todos absolutamente inúteis agora. O leite já foi derramado.

E toca a mandar currículos, às dezenas, às vezes centenas. E toca esperar ansiosamente o telefone a anunciar a esperança de um convite para participar nalgum processo de selecção. E toca a participar em entrevistas, algumas que parecem animadoras, outras que são simplesmente humilhantes. E o que é pior: ninguém chama, nem dá qualquer retorno. E os dias arrastam-se penosamente, parecendo que ganharam horas adicionais, de tão longos que se tornam.

Resumo da ópera: a auto-estima do desempregado vai para a sola dos pés.
Numa situação emocional dessas, do que este indivíduo menos precisa é de acusações, insinuações, cobranças, comparações e muito menos ironias. Ele não é culpado, é vítima – simples assim.

O mundo corporativo é complexo, possui razões e lógicas próprias, actua através de redes internas e externas de contactos formais e informais, decide às vezes pela necessidade, outras vezes pela conveniência, algumas vezes pela precipitação. Disso tudo, são tomadas as decisões que podem resultar em promoções ou em demissões. Por isso mesmo, estas não são nada fáceis de explicar em casa, que é um mundo diferente, à parte, com outros interesses, motivações e procedimentos.

Por estas razões, consumado o facto, o melhor que o despedido faz – e a sua família também – é não tentar entender ou justificar o ocorrido. Aconteceu, pronto. É irreversível. Passado o impacto inicial, o passo seguinte deve ser uma dinâmica de grupo familiar: e agora, o que vamos fazer enquanto não consigo um novo emprego? O que acham que devo fazer? O que é possível e necessário ser feito?

Mas isso sem mágoas, ressentimentos, nem rancores. Estes sentimentos nada agregam – pelo contrário, são poluidores, desagregadores, criam uma névoa negra na mente e no coração das pessoas e assim impedem o raciocínio e a lucidez para a procura de alternativas contributivas. Afinal, se foi uma crise global que gerou a demissão, a família não deve permitir que uma crise análoga se instale no seu meio.

A condição fundamental para o bom termo de todo esse processo é que o demitido conte com o apoio e o carinho da família. É preciso que ele sinta que não perdeu a admiração, o respeito e o amor daqueles que o cercam. Ele deve perceber que todos estão dispostos a dar as mãos e procurar uma saída. Como se sabe, a luta compartilhada na busca de superação de fases difíceis tende a unir e a fortalecer os laços familiares – ainda que o processo seja lento e doloroso.

Ninguém pode fugir das dificuldades, mas pode administrá-las e vencê-las. As possibilidades de o demitido dar a volta por cima são directamente proporcionais à sua crença nessa premissa – e a família pode ser de grande valia nisso.

*psicólogo, consultor e conferencista, presidente da SOMMA4 Consultoria em Projectos de RH e do IPAT – Instituto Paulista de Análise Transacional. Foi Director de Recursos Humanos de empresas nacionais e multinacionais.

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