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sexta-feira, 11 de julho de 2014

Relógios & Canetas online Julho - entrevista a Maria João Bahia


Grande entrevista à designer de jóias Maria João Bahia. No Relógios & Canetas online de Julho. Para aceder grátis à edição completa, vá aqui ou aqui.


MARIA JOÃO BAHIA

Jóias com emoção

Cláudia Baptista (texto), Ricardo Bento (fotos)

“Associamos joias a momentos de festa, comemorações e datas, mas elas podem ser muito mais do que isso”, defende Maria João Bahia. “Já criei jóias relacionadas com momentos dolorosos; depois de materializadas, transformam as vivências tristes em boas recordações”. Os objectos de adorno da joalheira arrastam um fio de memórias e de emoções.

Criada num ambiente de artistas, Maria João Bahia possui uma sensibilidade que lhe permite estabelecer com os objectos de adorno uma relação para além de um acto de criação meramente formal: “As jóias possuem carga emocional, alma, contam uma história; se não o fizerem não passam de meros adornos. Considero importante vivermos apaixonados, com memórias, e rodeados de objectos com significados”.

Sempre que alguém a procura com o pedido de uma jóia original, há uma vivência íntima inspiradora que influencia a criação que há-de surgir. Um exemplo: “Por obrigações profissionais, uma família repartia a sua vida por vários países. O casal comemorava 25 anos de casamento. Sugeri: ‘Por que não um colar com uma pedra característica de cada um desses países?’ O resultado teve um significado especial, valor emocional acrescido e muito mais prazer em usar do que uma compra decidida por impulso”.

Tendo-se iniciado em 1985 numa oficina na Rua da Madalena, Maria João Bahia deteve uma loja no Hotel D. Pedro (“que correu lindamente”) e recusou convites para espaços de centro comercial que correspondiam aos seus desejos.

Em jovem, Maria João Bahia observava com curiosidade a loja no piso térreo do n.º 102 da Avenida da Liberdade, na esquina com a Rua das Pretas. “Era uma oficina, vendia lâmpadas, ferramentas, remendava pneus... e tinha uma escada de caracol. Toda a vida adorei essa loja. Longe de mim vir um dia a instalar-me aqui”. Uma série de “felizes coincidências” proporcionou-lhe mudar-se precisamente para aquele espaço, após ter adquirido todo o edifício, quando soube que estava para venda.

Hoje, encontra na boutique da Avenida o seu refúgio por excelência, propício à concentração frente ao estirador ou no laboratório onde dispõe das ferramentas necessárias à laboração, nomeadamente o microscópio para analisar as pedras preciosas. Apesar de boutique com porta para a rua, o espaço exige que se toque à campainha para entrar. Segurança, mas também atendimento personalizado, obligent!

A boutique da Avenida da Liberdade, recém-reorganizada no interior em vermelhos e pretos, preserva a traça e outras características que noutros tempos a fascinaram, no exterior alçado do edifício, nomeadamente a cor sangue de boi em contraste com a alvura das cantarias. Estreito, o prédio distribui-se por cinco andares: o térreo é o “cartão de visita”, ocupado pela loja; o primeiro piso está destinado a um atendimento reservado e os três superiores abrigam oficina, escritório e atelier da joalheira. Nas paredes da zona pública público, lêem-se algumas citações sobre a arte de Maria João Bahia, assinadas por Simonetta Luz Afonso e Alain Boucheron, fotografias, e uma pintura mural do pai da artista, o conceituado escultor Charters de Almeida. A este pertence a seguinte reflexão, indicadora da admiração do pai pela arte da filha : “A pesquisa, o desenho, o conhecimento dos materiais a trabalhar, os ferros, ferramentas que tantas vezes é necessário inventar para que a ideia seja exequível, impõem-se no silêncio da oficina, com os ácidos como companheiros. Um trabalho de amor, paciência e raiva”. Maria João Bahia explica: “jóias de autor como as que crio são peças únicas; não são feitas em série, constituem um nicho de mercado”. O objectivo não está em vender em quantidade, mas individualizar as peças de acordo com as exigências dos destinatários. “Para mim o luxo é isso, não tratar as pessoas como meros consumidores”.

A perspectiva de devolver a Avenida aos peões é bem vinda e uma realidade a cada dia que passa. Para Maria João Bahia, a artéria está a tornar-se cada vez mais “passeável” em detrimento do trânsito automóvel.

À loja de Maria João Bahia acorre uma clientela esclarecida. No que diz respeito aos estrangeiros, reconhece tratar-se de “um público curioso, sabedor e exigente, possuidor de uma noção de luxo amadurecida, apreciador do atendimento personalizado, e que procura algo único e irrepetível”. A par de peças únicas feitas por encomenda, existem as novas colecções de joalharia expostas nas vitrinas, sob uma luz fria e suave ilumina. A linha mais recente corresponde ao estilo da actual fase criativa, revela formas marcadamente orgânicas.

Baptizada com o sugestivo nome “Light Language”, nasceu da inspiração provocada pelos efeitos de luz, desvendados pela autora nestes termos: “As alterações de cores e formas com a intensidade da luz, o movimento das formas no espaço, a linguagem das formas e da luz levaram-me a criar mais um conjunto de peças únicas. A luz dá um brilho e uma cor sempre diferentes à forma. As pedras e a sua energia brilham nas peças com uma intensidade única, e as formas simétricas ou irregulares ganham espaço e força consoante a luz que emanam”.

As viagens e o conhecimento de realidades diferentes da nossa constituem, por outro lado, um elã importante para a criação. A busca de originalidade e o exotismo são evidentes nos colares, brincos, anéis, pendentes e pulseiras em exibição na loja. Convicta de que as jóias são de uso incontornável para toda a mulher, embora mais ou menos exuberantes consoante a ocasião, a joalheira entusiasma-se quando fala do brilho que estas peças preciosas lhe podem oferecer, a qualquer hora do dia. “Já reparou como, infelizmente, as mulheres se tornaram mais masculinas do que eram no passado e, pelo contrário, foram os homens que ficaram mais femininos?”.

A par de objectos de adorno, a oferta na loja de Maria João Bahia estende-se a um portfolio de peças de decoração, como bandejas ou castiçais de prata ornamentados com chifres de veado, cinzeiros, caixas, jarras, molduras ou troféus, entre muitos outros. Os faqueiros de prata desenhados pela artista desmentem a ideia corrente de que pratas à refeição é coisa do passado. Não apenas o enchimento dos cabos, com uma matéria indeformável que suporta a temperatura de uma máquina de lavar loiça doméstica, como a junção dos cabos com as lâminas sofreu uma evolução de fabrico que os “torna práticos para uso diário, tal como em minha casa”, esclarece, na defesa dos pequenos luxos à mesa. “É pena não aproveitarmos as peças lindas que temos em casa, pensando que dão muito trabalho a limpar e manter”.

Todas as peças de ouro e prata criadas e comercializadas por Maria João Bahia são submetidas à certificação da Contrastaria da Casa da Moeda, de acordo com a antiga tradição portuguesa, herança de um tempo de proteccionismo do ouro dito português, que a criadora respeita, apesar da liberalização do sector. Ostentam o respectivo punção de fabricante – uma coroa, uma águia e um B – em referência ao título de família de Maria João Ataíde de Almeida e Silva –, a par das marcas da Casa da Moeda e a assinatura da artista.


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