quarta-feira, 12 de março de 2014

Meditações - A Morte, imóvel, a contar as horas


Encostada de leve à clara espalda
Da sua alta cadeira armoriada,
No salão, que, em nubente madrugada,
Watteau de Pastoraes todo engrinalda.

A marquesa sorru, sob a grinalda
Que lhe cinge a cabeça polvilhada,
E num pequeno mostrador de jada
Fita os olhos de límpida esmeralda.

Trila enfim o relógio multicor.
E ao dispersar das vibrações sonoras
Ouve-se perto uma canção de amor.

E ela vê tudo entre imortais auroras...
Só não vê, no impassível mostrador,
A Morte, imóvel, a contar as horas.

Daniela, in A Semana de Lisboa, suplemento do Jornal do Comércio, 1893

3 comentários:


  1. Para a morte baralhar
    nas contas a meu respeito
    resolvi para esse efeito
    meu relógio avariar!

    JCN

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  2. Escada armadilhada

    Para fazer a morte tropeçar
    quando por mim vier, montei na escada
    uma armadilha bem dissimulada
    por forma a não poder desconfiar.

    Longe de pretendê-la magoar,
    a minha ideia, apenas e mais nada,
    consiste em retardar sua chegada,
    obrigando-a a subir mais devagar.

    Quero ter tempo para a Deus pedir
    perdão para os pecados cometidos
    e cuja culpa… tenho de assumir.

    Quero, além disso, dar um jeito à casa,
    os meus papéis deixando encaixotados
    enquanto, surpreendida, ela se atrasa!

    João de Castro Nunes



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  3. Altero o 1º terceto para:

    Quero ter tempo para a Deus pedir
    perdão para os meus erros e pecados
    que sem desculpa tenho de assumir.


    JCN

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